16 Novembro 2017
No dia 16 de novembro, há 28 anos, seis jesuítas espanhóis, sua cozinheira e sua filha foram assassinados na Universidade Centro-Americana (UCA) por militares salvadorenhos treinados e equipados pelos EUA. Após quase três décadas de impunidade, a iminente extradição e julgamento de um antigo coronel salvadorenho e vice-ministro da segurança pública, acusado de ser um dos autores do massacre, poderiam revelar detalhes cruciais do caso e ajudar a trazer justiça às vítimas.
25 anos do Martírio da UCA (Foto: Religión Digital)
A reportagem é de Melissa Vida, publicada por America, 14-11-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
"Para mim, pessoalmente, é interessante ver como as estrelas estão se alinhando para melhorar a justiça em El Salvador", diz Almudena Bernabeu. Bernabeu é a principal advogada internacional do caso do massacre jesuíta, co-fundadora e diretora da Guernica37 International Justice Chambers e o ex-diretora do Programa de Justiça de Transição do Center for Justice and Accountability.
"Nosso objetivo é defender as famílias das vítimas, mas também pressionar o sistema judiciário de El Salvador", explica.
Em 2011, Madrid emitiu pedidos de extradição de 17 membros do alto comando das forças armadas de El Salvador, que eram suspeitos de terem participação no massacre. El Salvador se recusou a cumprir, mas os Estados Unidos concordaram em extraditar um dos altos comandantes que esteve em solo americano: o coronel Inocente Montano, que está detido em uma prisão federal na Carolina do Norte.
Montano havia chegado nos Estados Unidos no início de 2000 e trabalhado em uma fábrica de doces. Dez anos depois, foi preso por perjúrio e fraude na imigração. Isso significa que se não for extraditado para a Espanha, pode ser deportado para El Salvador.
Bernabeu tem trabalhado para extraditar Montano para a Espanha desde 2008. Ela tentou correr contra o relógio e evitar que Montano fosse enviado para El Salvador. "Se for para El Salvador, não haveria justiça alguma", afirma, devido à corrupção e impunidade do sistema judicial de El Salvador.
A impunidade neste caso prevaleceu por quase 30 anos, já que vários incriminados que têm altos cargos ainda estão vinculados ao poder. O padre jesuíta José Maria Tojeira, testemunha do massacre, provincial e amigo dos jesuítas falecidos, pressionou para que as mortes fossem investigadas no início dos anos 90.
Corpos das vítimas (Foto: John Hopper | AP)
Dos nove membros do exército salvadorenho processados, apenas dois foram condenados, a penas de 30 anos de prisão. Eles foram soltos depois de um ano, após a adoção da tentativa de anistia de El Salvador. "Aqui em El Salvador, a justiça depende do poder executivo", diz o padre Tojeira à America.
A corrupção desse poder já existia em 1989 em El Salvador, quando a guerra civil ainda assolava o país. Naquela época, os jesuítas estavam "trabalhando para negociar acordos de paz e defendendo os direitos humanos dos mais pobres", segundo o Padre Tojeira.
O Padre Ellacuría, reitor da UCA e uma das vítimas do massacre, tinha um papel crucial no processo de paz do país. "O Estado, e principalmente os militares, não gostava de seu trabalho em negociações de paz, nem do fato de que denunciava violações aos direitos humanos", explica o padre Tojeira. Os militares salvadorenhos alegaram que acadêmicos da UCA apoiavam a agenda da guerrilha rebelde F.M.L.N.
(Foto: Johan Bergstrom-Allen | Wikimedia Commons)
Poucos dias antes do assassinato, as tensões tinham aumentado em San Salvador após os rebeldes atacarem a capital e as ameaças de bomba se multiplicaram em todo o país. "A rádio nacional, que vinha pedindo sistematicamente para que o arcebispo Romero e o bispo auxiliar, hoje Cardeal Rosa, fossem mortos, pedia, na época, o assassinato dos jesuítas também", disse o padre Tojeira.
Na noite de 16 de novembro, um batalhão de elite do exército salvadorenho entrou na UCA e atingiu os sacerdotes e as testemunhas civis. O massacre desmoralizou salvadorenhos comuns — os jesuítas representavam uma esperança de melhoria dos direitos humanos e um caminho para sair da guerra.
Os assassinatos causaram comoção internacional. Depois das mortes, os Estados Unidos reduziram seu apoio financeiro e o treinamento militar das forças armadas de El Salvador, o que, por sua vez, incentivou em partes o governo a aceitar as negociações de paz.
Ellacuría (Foto: Gervasio Sánchez)
Bernabeu está confiante de que Montano será julgado na Espanha nos próximos meses. Ao longo dos anos, os tribunais dos Estados Unidos rejeitaram os apelos de Montano e o Departamento de Estado assinou sua extradição.
"A última cartada da defesa de Montano era apresentar um recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal, mas todo mundo sabe que as chances de ser aceito são muito pequenas", afirmou. Funcionários do Departamento de Justiça dos EUA lhe disseram que esses recursos são rapidamente resolvidos. "Gosto de pensar que ele vai estar na Espanha antes do final do ano", diz. Bernabéu acredita que não haverá não mais obstáculos jurídicos à extradição e julgamento.
(Foto: The Center for Justice and Accountability)
Quando começarem as audiências, o Supremo Tribunal da Espanha considerará documentos desclassificados e o relatório da Comissão da Verdade de El Salvador da ONU. O caso também vai reunir muitos depoimentos, como o do padre Tojeira.
Bernabeu espera que o caso faça com que a justiça seja feita para um crime não resolvido contra a humanidade, mas que também ajude a combater a impunidade em El Salvador. "Para um país, é difícil aceitar quando seus criminosos estão sendo julgados em outros tribunais... Ninguém quer que os criminosos do país sejam julgados em outros lugares”, diz ela. "A pressão internacional pelas investigações, processos e pedidos de extradição, neste caso provenientes da Espanha e dos Estados Unidos, abala as instituições de um país, mesmo quando há impunidade galopante", explica. "Esperamos que as coisas melhorem em El Salvador".
Manifestação durante celebração do aniversário do assassinato (Foto: Blog Miraheta)
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Julgamento de ex-coronel salvadorenho pode trazer novos detalhes sobre o massacre de jesuítas de 1989 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU