06 Setembro 2017
As religiosas encorajam Angie Martínez dizendo-lhe que ela pode tornar-se presidente da Colômbia. Enquanto isso, esta adolescente negra e pobre enfrenta os perigos da marginalização, contra a qual luta o Papa Francisco, que está sendo aguardado em Cartagena das Índias.
A reportagem é publicada por La Dépêche, 03-09-2017. A tradução é de André Langer.
O sol implacável do Caribe castiga San Francisco, bairro de mesmo nome do Sumo Pontífice. Isso não impede que Angie e cerca de 20 outras meninas ensaiem em blusas cor-de-rosa impecáveis. No próximo domingo, elas vão cantar para o papa.
A passagem de Francisco pelo bairro será breve – menos de uma hora – no último dia da sua visita à Colômbia, trazendo uma mensagem de reconciliação, após ter apoiado o processo de paz com a guerrilha das FARC, agora desarmada e transformada em partido político legal.
A passagem de um avião abafa por alguns instantes as vozes das jovens cantoras no pátio da igreja. Angie mora perto do canal que separa San Francisco do Aeroporto Internacional Rafael Nuñez.
“É perigoso, porque às vezes os ladrões ficam de espreita na esquina da rua e se enfrentam”, diz ela. Em algumas áreas não há iluminação pública, nem esgoto. Lixo e excrementos são evacuados pelo canal.
San Francisco pode fazer parte de Cartagena, mas está muito longe do glamour da joia turística e colonial da Colômbia, país mais desigual do continente americano depois de Honduras, de acordo com o Banco Mundial.
O bairro com uma ocupação ilegal há 50 anos. Ele conta hoje com cerca de 8 mil habitantes, na maioria negros descendentes de escravos. Ele tem o nome do santo católico, apóstolo dos pobres, do qual o argentino Jorge Mario Bergoglio, 80 anos, tomou o nome ao ser eleito papa da Igreja de Roma.
Angie cresceu sem os seus pais. Sua mãe trabalha no departamento petrolífero de Yopal, a mais de mil quilômetros de distância. Em agosto, para o aniversário de 15 anos, ela recebeu sua visita como presente.
“Fazia 12 anos que eu não a vi. Meu pai não sabe que era meu aniversário”, conta a adolescente, que mesmo assim não perde o sorriso. Ela mora com a sua tia e cinco primos em um casebre de duas peças, de chão batido, alugado por 60 mil pesos (20 dólares).
Cerca de 294 mil cartagineses vivem na pobreza – mais de 55 mil vivem na rua –, um terço do um milhão de habitantes da cidade, de acordo com a associação Cartagena Cómo Vamos.
Em nível nacional, a pobreza atinge 18% dos 48 milhões de colombianos.
Assim como outras cidades com passado escravagista, Cartagena “foi construída com elevadíssimos níveis de exclusão” e “um desprezo muito grande pelos pobres”, explica o historiador Javier Ortiz, conselheiro do Ministério da Cultura para temas étnicos.
No bairro San Francisco, a Igreja católica ajuda meninas de entre 9 e 17 anos, como Angie, para que voltem à escola, em um ambiente em que o absenteísmo é grande, precisou à AFP o padre Elkin Acevedo.
Um programa chamado Talitha Qum visa protegê-las do consumo de drogas e da exploração sexual, persuadindo-as a sonhar grande.
“Nós repetimos que elas podem ser presidentes de nosso país, ocupar cargos elevados, que a mulher e, sobretudo, a mulher negra, não tem motivos para continuar a ser excluída”, afirma a irmã Blanca Nubia Lopez, diretora do Talitha Qum.
A Colômbia nunca teve uma mulher presidente. Os negros, que representam 20% da população, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, sofrem particularmente com o conflito armado, a pobreza e as desigualdades.
Antes de ir à cidade do Caribe, o papa passará por Bogotá, Villavicencio e Medellín, onde falará de paz, reconciliação, vocações sacerdotais, dignidade e direitos humanos, de acordo com os organizadores desta visita prevista para acontecer nos dias 06 a 10 de setembro.
A mensagem pastoral do Sumo Pontífice dirige-se às “periferias do mundo” e sua presença permanecerá na memória do Talitha Qum. Em seguida, o papa rezará o Angelus na igreja de São Pedro Claver, missionário espanhol que aliviou o sofrimento dos escravos africanos.
Ao escolher Cartagena, Francisco “envia uma forte mensagem sobre o objetivo da sua visita”, acentua Ortiz, referindo-se às fortes ligações históricas entre os jesuítas e a população negra.
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Colômbia. O Papa em Cartagena, na periferia do glamour - Instituto Humanitas Unisinos - IHU