Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Na Liturgia da Palavra a profecia de Isaías é relacionada à profecia de João Batista na antecipação da missão daquele que batizará com o Espírito Santo.
Marcos começa seu Evangelho com a palavra arqué (= início). O título do Evangelho segundo Marcos recapitula toda a obra centrada sobre a messianidade e divindade de Jesus. Marcos, com esse pequeno título, já indica que o aparecimento de Jesus Cristo determinou uma reviravolta decisiva na história da humanidade, assinalando o início de um “mundo novo”, uma autêntica re-criação. “Princípio” possui um significado teológico que evoca as primeiras palavras da Sagrada Escritura: “No Princípio, Deus criou…” (Gn 1,1; cf. também Jo 1,1).
Mas a palavra arque significa também “base”. A base do Evangelho segundo Marcos será a história de Jesus, desde o batismo por João até a morte.
A palavra grega euangelion poderia ser entendida como “bela notícia” (2Sm 18,19). Tecnicamente o termo indica a pregação de Jesus que anuncia o Reino de Deus (Mc 1,14-15), mas os primeiros cristãos usavam “evangelho” também para a pregação dos apóstolos sobre Jesus: neste caso a “boa nova” é que Jesus Cristo é o Senhor, o crucificado ressuscitado que porta salvação para todas as pessoas. A palavra “Evangelho” confere um tom alegre a todo o texto, pois indica a vitória de Cristo sobre o mal.
Os vers. 2-3 fazem a transição entre o início e o desenvolvimento do Evangelho. A primeira parte da citação (v. 2b) é tirada de Ex 23,20 reelaborada em Ml 3,1.23. Marcos relê esses textos cristologicamente: o mensageiro de Deus (Elias) prefigurava o precursor de Jesus, João Batista, enviado pelo Senhor a preparar estrada ao Messias. O estilo de vida mostrava João Batista como o último dos profetas do Antigo Testamento, escolhido pelo Senhor para preparar a estrada do Messias. Note-se a semelhança com Elias (2Rs 1,8). O evangelista menciona Elias ainda durante a paixão (15,35-36). João Batista com sua pregação e martírio dará cumprimento à profecia de Ml.
A segunda parte da citação, contida também na primeira Leitura, reproduz o anúncio do profeta aos hebreus, exilados na Babilônia, a preparar a estrada do Senhor. É de se notar que Marcos, assim como os outros autores neotestamentários, cita a versão grega do AT. Por isso temos em Mc 1,3 a citação de Is 40,3: “Esta é a voz daquele que clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor”. Enquanto a versão hebraica traz: “Grita uma voz: ‘Preparai no deserto o caminho do Senhor”.
Na Escritura, o deserto designa o lugar privilegiado para o retorno a Deus e o encontro com Ele. João aparece no deserto, pregando um “batismo de conversão” (metánoia = mudança de mentalidade). O deserto aparece em concomitante ao rio Jordão e deve ser entendido como topos teológico. O rito do batismo, em si, não efetuava a conversão, mas exprimia o arrependimento e a vontade de mudar de vida.
No v. 4, Marcos introduz um de seus termos preferidos kēryssōn, proclamando (14 ocorrências só em Mc). O batismo assumia, assim, o caráter de iniciação conectada com a urgência escatológica da conversão. Provavelmente João, para tal prática, se inspirou em Ez 36,25 que havia predito uma nova aliança do Senhor com o seu povo, depois de purificá-lo com água pura.
Os vers. 7-8 relatam o conteúdo da pregação messiânica do Batista, ressaltando dois motivos cristológicos: a superioridade do Messias sobre João e o “batismo com o Espírito Santo”.
O gesto de abaixar-se torna-se central para interpretar a perícope. Era tarefa dos escravos desamarrar a correia das sandálias e lavar os pés do patrão quando este retornava a casa. Em outras palavras, João se declara inferior a um escravo em relação ao Messias.
Na primeira Leitura encontramos o texto clássico do profeta Isaías convidando à consolação. Note-se que literalmente a expressão contida no v. 2 dabberū ‘al lêḇ yerūshālim, significa “fale contra o coração de Jerusalém”, indicando a necessidade de “endireitar o que é torto” na preparação do caminho do Senhor.
A seguda Leitura pertence ao gênero apocalíptico e está bem posicionada neste período do ano litúrgico no qual vem evocado o sentido da história de acordo com Deus: se, por um lado, olha para a primeira vinda de Cristo, por outro, admoesta à esperança da segunda vinda que deve ser preparada com atitudes adequadas dos discípulos e discípulas. O texto estabelece uma dicotomia entre o “batismo com água” e o “batismo com o Espírito Santo”. “Aquele que vem” (título do Messias) instaura o autêntico batismo que não será de água que limpa, mas do Espírito Santo que vivifica, e nos dá a certeza de “novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça” (2Pd 3,13).
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