Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose e da Casa della Madia, sobre o Evangelho deste 2º Domingo do Advento, 10 de dezembro de 2023 (Mc 1,1-8). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
João Batista, o último profeta, encarna aquela voz anônima que Isaías invoca: “Preparai o caminho do Senhor”. O caminho do Senhor não está pronto, mas deve ser preparado. É claro que é o caminho do Senhor, mas se pede que nós o preparemos. E a única forma de prepará-lo é percorrê-lo com ele, sabendo que o caminho se faz com o andar, o caminho se faz caminhando. Somente caminhando com o Senhor, e ele caminhando conosco, é que realizamos e percorremos seu caminho.
Mas a voz também grita: “Endireitai suas estradas”. Portanto, não é possível preparar o caminho do Senhor sem endireitar também suas estradas. Mas quais estradas do Senhor somos chamados a endireitar, senão aquelas que nós entortamos, tornando-as às vezes até inviáveis não só para nós, mas também para aqueles que gostariam de percorrê-los? Estradas que interrompemos, tornamos tortuosas, inviáveis, senão até bloqueamos, tornando-as inacessíveis.
Endireitar as estradas, portanto, é o esforço de discernir que, sempre, os caminhos que o Senhor percorre para chegar até nós não são aqueles que nós estabelecemos, mas sim outros, na maioria das vezes inesperados, surpreendentes, incompreensíveis, senão até escandalosos. “Bem-aventurado aquele que encontra os teus caminhos em seu coração”, recita o salmista (Sl 84,1). Sim, nós endireitamos as estradas do Senhor quando finalmente conseguimos encontrá-las apenas onde o Senhor as traçou, e não em outro lugar.
Os caminhos do Senhor foram encontrados nos corações das figuras do Advento, homens e mulheres que acolheram a vinda do Senhor na carne. João Batista não só preparou o caminho do Senhor com sua pregação, mas sua própria vida também foi caminho de Deus. É no seguimento do Batista – “ele vem depois de mim”, confessa – que Jesus também começou a encontrar as estradas do Pai em seu coração.
Mas nem mesmo João foi poupado do esforço de endireitar as estradas do Senhor. Até ao fim ele perguntou a Jesus: “És tu quem há de vir ou devemos esperar outro?”, querendo dizer: “É teu o caminho do Senhor ou devemos procurar outro?”. O caminho de Cristo encarnado por Jesus, diferente daquele que ele havia pregado, era o caminho do Senhor, e o Batista lhe prestou obediência.
E o justo José, também ele, encontrou as estradas do Senhor em seu coração, parando para pensar diante do fato chocante para ele da gravidez de Maria. Endireitou as estradas da Lei do Senhor, tomando consigo Maria, porque a amava e recusando-se a entregá-la à desumanidade daquela Lei. Como que dizendo que o amor também endireita a Lei de Deus praticada pelos homens.
E Maria, que também teve que encontrar em seu coração as estradas do Senhor para poder acolher em seu ventre o filho de Deus, também teve que endireitar as estradas de Deus, aceitando engravidar sem conhecer homem.
Cada Advento que passa e cada vinda do Senhor que se aproxima deveriam fazer crescer em nós a consciência de que, na realidade, há uma só coisa para a qual devemos nos preparar: preparar-nos para não estarmos preparados.
Parece paradoxal dizer isso enquanto ouvimos a voz do Batista gritando: “Preparai o caminho do Senhor”. No entanto, preparemo-nos para não estarmos prontos, porque, assim como em sua vinda na carne, ainda mais em sua vinda em glória, o Senhor Jesus irá irromper desestabilizando-nos. Desestabilizando a nós que domesticamos Deus no estreito pátio da religião, de modo que nem mesmo o Evangelho de Cristo consegue mais nos surpreender.
Preparemo-nos para não estarmos preparados, porque Advento significa, em primeiro lugar, ser surpreendidos por Jesus Cristo no inesperado encontro com sua presença.
“É preciso se surpreender para se tornar verdadeiro” (M. de Certeau).