11 Outubro 2018
A grande eleição do misógino racista Bolsonaro no Brasil trouxe “ar fresco” à ultradireita europeia, segundo explicou um dos seus máximos expoentes, o italiano Matteo Salvini. Para o Le Monde, com Bolsonaro “a democracia está ameaçada”.
O artigo é de Eduardo Febbro, publicado por Página/12, 10-10-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O ódio é um investimento seguro. A figura do fascismo e da grosseria globalizada envolta no restaurado populismo marrom está perto de sua reconfiguração final com uma ramificação na América Latina, especificamente, no Brasil: a Europa a tinha solidamente constituído com o ex-Frente Nacional francês de Marine Le Pen (hoje Reagrupamento Nacional), com a Liga Italiana (no poder), o Partido da Liberdade na Áustria (FPÖ, no poder), os delirantes do Brexit na Grã-Bretanha, o AFD na Alemanha (entrou no Parlamento em 2017), os Democratas da Suécia (terceiros nas últimas eleições com mais de 18% dos votos), Vox na Espanha, o Partido pela Liberdade na Holanda (PVV) ou Viktor Orban na Hungria. O autoritarismo vulgar também havia chegado em 2016 ao Sudeste Asiático, ou seja, às Filipinas, depois da eleição do presidente Rodrigo Duterte. Depois, com a vitória eleitoral do presidente norte-americano Donald Trump, a expansão da xenofobia conseguiu seu êxito mais rotundo. Faltava o impensável para ampliar o sonho político mais ambicioso de quem foi o conselheiro mais eficaz da campanha eleitoral de Donald Trump, Steve Bannon: o surgimento de um polo de extrema direita em escala mundial e incrustado no coração do poder. Isso pode ocorrer se o candidato Jair Bolsonaro ganhar o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras.
Na Europa, onde nasceu esse fascismo moderno, o resultado brasileiro mesclou a indignação com a surpresa e claras demonstrações de esquecimento: esse populismo sujo que agora desperta tantas reprovações e lições de moral ressurgiu no Velho Mundo, morreu no Velho Mundo e renasceu, a partir dos anos 1980, quando o fundador da Frente Nacional francesa, Jean-Marie Le Pen, começou a subir nas pesquisas. Esse é precisamente a perspectiva de um artigo muito pertinente publicado pelo portal Media Part. Seu autor, Nicolas Lebourg, escreve que “visto da Europa, a extrema-direita foi percebida muitas vezes como um assunto vulgar de boinas e varas a serviço dos Estados Unidos. No Brasil, onde Jair Bolsonaro saiu na frente no primeiro turno, são maiores as aproximações com as extremas-direitas europeias, o que lhes parece pertinente. Entre a prosa que implantou, o jornal espahol El Pais destacou com acerto que “o êxito de Bolsonaro dá nova força ao auge global da extrema-direta”. Prova imediata disso é o acordó que pactuaram em Roma a líder dos ultrafranceses, Marine Le Pen e com o novo porta-bandeira dessa corrente na Europa, Matteo Salvini. Ambos forjaram uma aliança soberanista cujo propósito consiste, segundo explicaram, em “salvar a Europa”. De quê? Le Pen e Salvini colocaram como inimigo a Comissão de Bruxelas, ou seja, sempre segundo suas narrativas, a Europa burocrática que está contra os povos e, desde já, a imigração, a qual definiram como os “novos escravos para as indústrias europeias”. Matteo Salvini evocou nessa reunião com Le Pen o que aconteceu no Brasil. O chefe da ultradireita celebrou “o ar fresco” e o “retorno do sentido comum”.
Talvez o comentário mais contundente sobre o terremoto eleitoral brasileiro tenha publicado o vespertino francês Le Monde. Em um editorial de sua edição de 9 de outubro, Le Monde estima que com Bolsonaro no poder “a democracia está ameaçada”. O vespertino reconhece, não obstante, que a “onda reacionária que barra a maior democracia da América Latina, liderada por um ex-militar com discurso incendiário que cultiva a lembrança fantasmagórica da ditadura, pese as suas características locais, não carece de laços com os êxitos dos candidatos ‘antissistema’ na Europa ou nos Estados Unidos. Porém essa síntese não deve esconder o que está em jogo no fundo dessa eleição brasileira: se trata pura e simplesmente da sobrevivência do regime democrático em um continente onde sua fragilidade é histórica”. O matutino Libération tem poucas dúvidas sobre o próximo êxito de Bolsonaro, o qual, escreve, “tem uma avenida adiante”.
Praticamente toda a imprensa europeia vê o chamado “Trump Tropical” como um retorno “da ditadura ao Brasil” (The Guardian). O matutino conservador Le Figaro opina que é todo o Brasil que “é prisioneiro da tentação autoritária”. The Financial Times destacou o curioso paradoxo de um candidato “cujas declarações misóginas não o impediram de obter excelentes resultados, melhores que os de seus rivais, entre o eleitorado feminino”. De onde olham, os europeus começam a aceitar que seus próximos destinos políticos sejam massivamente controlados por tendências autoritárias. Desde as margens, a vitória de Bolsonaro no primeiro turno parece lhes confirmar, muito mais que o Brexit ou Donald Trump, que o formigueiro do populismo marrom não é um acidente pontual, mas sim uma tendência muito marcada que já ameaça todas as democracias do planeta. Eles a inventaram. E agora voltam às suas raízes, e mais além.
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'Trump tropical'. A ultradireita europeia festeja o resultado eleitoral do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU