08 Outubro 2018
“A democracia brasileira está ferida. E sangra por uma fissura cujas marcas podem ser reconhecidas em outros países da região. Não necessariamente os povos trocam um idiota por um democrata no momento de exercer seu direito a decidir o destino político da nação”, escreve Pablo Gentili, nascido em Buenos Aires e nos últimos 20 anos de sua vida exerce a docência e a pesquisa social no Rio de Janeiro. Escreveu diversos livros sobre reformas educacionais na América Latina, foi um dos fundadores do Foro Mundial, em artigo publicado por El País, 07-10-2018.
Segundo ele, “a política econômica proposta por Bolsonaro, e idealizada por um milionário cujas competências democráticas parecem tão insignificantes como as de seu candidato, são ultraliberais e, sem exceção, são dirigidas a maltratar ainda mais os pobres e excluídos”.
O Brasil vive uma de suas horas mais dramáticas.
A eleição presidencial definirá que modelo de país pretende construir uma sociedade que transita em uma profunda crise econômica, política e social. Jair Bolsonaro, o preferido das pesquisas, defende a ditadura militar que assolou o país por mais de duas décadas, faz apologia à tortura, considera justo o pagamento diferenciado entre homens e mulheres, realiza habitualmente comentários racistas e xenófobos. Além disso, divide as mulheres entra as que merecem e as que não merecem ser estupradas.
Um novo Donald Trump? Talvez pior.
Deveríamos ter imaginado. Um novo tipo de golpe engendraria um novo tipo de ditadura.
A soberania popular já não é enfraquecida com brutais rupturas da institucionalidade democrática e sim valendo-se dela e transformando-a em uma farsa. Mecanismos criados para defender nossas sociedades dos abusos de poder, são agora utilizados para impor um estado de exceção sobre o qual se constrói o ódio e o desprezo à democracia e aos valores republicanos, ao senso do público e do bem comum. O uso arbitrário da lei substitui o uso despótico das armas. Mas os instigadores continuam sendo os mesmos: as elites econômicas, as forças políticas conservadoras, os monopólios midiáticos e um poder judicial sem legalidade, messiânico e arbitrário. Esse é o caminho pelo qual o Brasil começou a andar quando, nos escuros labirintos de um congresso recheado de deputados corruptos, sem rosto e decência, foi elaborada a conspiração que acabaria com o governo de Dilma Rousseff.
Hoje, Jair Bolsonaro ganhará o primeiro turno das eleições. Não sabemos quanto conseguirá se distanciar de Fernando Haddad, o candidato do PT, ainda que os milhões de votos que receberá serão a mais eloquente evidência de que os golpes de Estado constituem sempre um processo, uma dinâmica pela qual se ressecam os anticorpos que deveriam nos proteger da barbárie. Para um setor significativo da sociedade brasileira, a democracia pode ser o melhor caminho para dar legalidade e legitimidade a um governo de militares e de civis antidemocráticos, corruptos, racistas, xenófobos, machistas e aduladores da morte, da tortura e das ditaduras.
Por isso, a de hoje não é mais uma eleição presidencial. É um plebiscito. A sociedade brasileira decidirá sobre qual institucionalidade pretenderá construir seu futuro.
A situação é de extrema gravidade, já que são vários os especialistas em campanhas eleitorais que recomendaram que Fernando Haddad e Manuela D’Ávila deixassem de reforçar a natureza fascista de Bolsonaro e se concentrassem em atacar sua persistente incompetência, sua arrogante indolência e seu pouco produtivo trabalho parlamentar. Parece que um setor da sociedade brasileira se incomoda mais em votar em um inútil do que em um racista, em um político incapaz de apresentar um projeto de lei em mais de 20 anos de vida parlamentar do que em um defensor da tortura.
A democracia brasileira está ferida. E sangra por uma fissura cujas marcas podem ser reconhecidas em outros países da região. Não necessariamente os povos trocam um idiota por um democrata no momento de exercer seu direito a decidir o destino político da nação.
Para explicar o surgimento de candidatos como Bolsonaro, alguns analistas recorrem à figura do “populismo”, termo que já foi um conceito e que hoje é o eufemismo utilizado para estigmatizar os políticos que prometem melhorar a vida dos pobres. Semelhante descrição, que quase sempre é errada, nada tem a ver com esse militar de mente preguiçosa, que divide o universo feminino entre as mulheres que merecem e as que não merecem ser estupradas.
A política econômica proposta por Bolsonaro, e idealizada por um milionário cujas competências democráticas parecem tão insignificantes como as de seu candidato, são ultraliberais e, sem exceção, são dirigidas a maltratar ainda mais os pobres e excluídos.
Costuma se dizer também que Bolsonaro avança porque teve a coragem de abordar um problema crucial à sociedade brasileira: os altíssimos níveis de violência. Nesse ano morrerão assassinados no país por volta de 40 mil pessoas. A grande maioria delas será de jovens negros de 18 a 24 anos. Também grande parte delas será assassinada pela polícia, impunemente. As medidas propostas por Bolsonaro consistem em armar a população civil, liberalizar ainda mais o acionamento de forças de segurança, cortar programas de direitos humanos, de proteção de vítimas e destinados a diminuir o racismo. Faz piada da violência de gênero, em um país com uma das mais altas taxas de feminicídio do continente e onde, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada. As principais vítimas de estupro são meninas, no país que poderá ter Jair Bolsonaro como presidente.
Sem muita imaginação, afirma que o principal problema da educação é a qualidade. Para solucioná-lo, propõe militarizar as escolas e um general no comando do Ministério da Educação.
Bolsonaro não receberá o voto e a confiança somente dos mais ricos. Se fosse assim, não seria uma ameaça eleitoral à democracia. Terá os votos também das classes médias e dos setores populares, ainda que entre as mulheres sua adesão seja muito mais baixa.
Estou convencido de que Fernando Haddad será o futuro presidente do Brasil, ganhando o segundo turno. Mas isso não pode esconder uma pergunta que nos interpela e desafia: como foi possível esse grau de decadência política?
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Plebiscito em uma democracia agonizante. Brasil decide seu futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU