08 Outubro 2018
Antes do horário eleitoral gratuito e da definição sobre a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o deputado federal e capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) dava poucos sinais de que conseguiria superar com o vigor que demonstra hoje a bolha de eleitores radicais na internet e se consolidar como o candidato capaz de derrotar o PT.
A reportagem é de Matheus Magenta, publicada por BBC News Brasil, 07-10-2018.
Como, então, o candidato terminou o primeiro turno com 46,62% dos votos válidos, ante os 28,50% do petista Fernando Haddad, que substituiu Lula nas urnas?
Para pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, os principais trunfos de Bolsonaro são a campanha digital que dissemina discurso antipetista, moralista e antissistema via dezenas de milhares de grupos de WhatsApp, as investigações de corrupção contra o PT que levaram à ausência de Lula nas urnas e o declínio acentuado do PSDB em 2018, movimento parecido ao que abalou o petismo em 2016, pós-impeachment de Dilma Rousseff.
Com novas regras eleitorais - a exemplo da duração mais curta da campanha e do veto ao financiamento de empresas privadas -, o apoio crescente a Bolsonaro registrado em pesquisas intensificou o efeito manada do voto útil e garantiu já no fim do primeiro turno a adesão de parte da grande mídia, da elite empresarial e de aliados de seus rivais.
O favorito para ser ministro da Fazenda em um eventual futuro governo do ex-capitão, Paulo Guedes, se apresenta há meses como fiador do candidato no mercado financeiro.
A falta de estrutura partidária, o improviso e as brigas de poder que marcaram a condução da campanha em momentos-chave, em especial após o grave atentado contra Bolsonaro no mês passado, parecem não ter impactado o braço digital bolsonarista.
Para especialistas, o candidato e seu entorno acertaram ao passar os últimos três anos ampliando e fortalecendo uma comunidade de simpatizantes inicialmente restrita - em sua maioria, a defensores de bandeiras como uma intervenção militar que impusesse ordem e uma Operação Lava Jato forte contra políticos corruptos.
Surfar com capilaridade e baixo custo na onda conservadora que ganhou força no fim do governo Dilma demandou investimento em comunicação via grupos de WhatsApp com apoio de militantes. Estima-se que a produção de conteúdo da campanha, fortalecida por essa rede de apoio espontâneo, alcance diretamente ao menos 30 mil grupos na rede social.
André Miceli, professor e coordenador do MBA em Marketing Digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a importância desses influenciadores, contratados ou voluntários, cresceu de modo acentuado em 2018, ante a queda do peso da comunicação direta de políticos com o eleitorado via horário eleitoral e campanha nas ruas.
"É a pessoa comum que acredita nas ideias de um candidato e em seu próprio poder de convencimento, e passa a compartilhar informações com rapidez e capilaridade via redes sociais."
O baixo desempenho nas pesquisas do candidato à Presidência pelo MDB, Henrique Meirelles, mostra, segundo Miceli, que não basta atingir o público-alvo correto por meio de posts pagos em redes sociais se o discurso não tem aderência com o eleitorado.
A estratégia no WhatsApp (aplicativo usado por 120 milhões de brasileiros), capitaneada por um dos filhos do candidato, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), buscou criar uma onda de apoio ao candidato e, por consequência, atrair o eleitor que tradicionalmente vota em quem está na frente - o tal efeito manada.
"Existe uma relação entre características dos lugares e o apoio eleitoral dos habitantes. Quando mais uma pessoa vivencia aquele 'lugar', pertencente a uma rede de informações locais, maior é a probabilidade de ela se comportar como o eleitor médio daquele lugar", explica pesquisador Aleksei Zolnerkevic, doutor em Geografia na USP.
Sem o financiamento de empresas privadas e com baixa influência do horário eleitoral na disputa majoritária, redes sociais como Facebook e principalmente o WhatsApp foram o principal meio para a troca de informações sobre o voto.
"Antes da eleição, 75% das pessoas entrevistadas recebiam informações políticas via WhatsApp; hoje, o número chega a 100%, principalmente por meio de vídeos e memes", afirma Maurício Moura, pesquisador da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, e fundador da Ideia Big Data, que realiza pesquisas de opinião via celular. Segundo o Datafolha, 7 em 10 eleitores usaram o WhatsApp para se informar sobre candidatos.
Para Moura, a inexistência de um algoritmo no WhatsApp, que cria bolhas informacionais a partir das preferências do usuário, facilita a troca democrática de informações e opiniões e eleva a credibilidade mesmo das notícias falsas porque "as mensagens vêm do círculo de pessoas mais próximas".
Há ainda o viés de confirmação, ou seja, uma tendência de rejeitar informações de fontes ou de pontos de vista dos quais discorda. Para Miceli, o WhatsApp não se mostrou neste ano tão efetivo na atração do eleitor historicamente volátil, que se define às vésperas da votação, e na conversão de simpatizantes do campo político oposto.
O uso de robôs e perfis falsos, sem elos públicos com as campanhas oficiais, são importantes instrumentos para pautar debates e questionar reportagens críticas da grande mídia, à exceção das produzidas por grupos aliados como a TV Record, comandada pela Igreja Universal.
O discurso é peça fundamental na busca por engajamento em meio à torrente de informações que circula pelas redes sociais. Surfando na onda conservadora, Bolsonaro modulou suas falas gradativamente ao longo dos 27 anos na Câmara dos Deputados e conseguiu ampliar seu eleitorado sem desagradar aos mais fiéis.
A estratégia surtiu efeito e, segundo as pesquisas, ele conseguiu atrair nesta eleição metade dos evangélicos, por exemplo.
Em dezembro, a BBC News Brasil analisou 1.540 discursos de Bolsonaro no plenário da Casa.
Com o passar do tempo e o aumento de projeção nacional e da mídia espontânea, os assuntos corporativos de militares deram espaço aos de cunho moralista e de segurança pública. As acusações de autoritarismo, machismo e racismo ganharam força contra ele. Palavras como "direitos humanos", "PT", "tortura", "Cuba", "esquerda" e "gays" tiveram, por exemplo, um pico no mandato passado (2011 a 2014).
O grupo de análise de discurso da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) se debruçou sobre falas e performances de Bolsonaro nos últimos dois anos, principalmente publicadas em redes sociais.
Quatro aspectos se destacam: a difusão repetida de imagens do apoio que recebia em aeroportos do país a fim de forjar um "mito", o tom emocional e direto sobre qualidades (não ser investigado) e fraquezas (não ter experiência), um descrédito nas instituições a fim de defender a volta da ordem e as críticas ao sistema partidário, centradas num discurso antipetista.
"O discurso político, a partir de um diagnóstico dos problemas do país, tem a virtude, e o poder, de articular essas demandas e identidades múltiplas e contingentes dos sujeitos num único 'nós', o do 'povo', 'cidadãos de bem', os 'defensores da família', dos valores cristãos conservadores", explica o professor Jorge O. Romano, coordenador do grupo de pesquisa.
Em oposição, segundo essa análise dos discursos bolsonaristas, estão "eles", em referência a esquerdistas, "o inimigo que articula o negativo e desprezível na sociedade é associado a bandidagem, imoralidade e corrupção, e a grupos sociais específicos, como homossexuais, mulheres e ativistas de direitos humanos".
O consultor político André Torretta ressalta também o tom das mensagens da rede bolsonarista. "A grande sacada da campanha dele é ter um material leve e engraçado, de tão maluco que é. O humor é muito mais efetivo e compartilhável na internet. O PT não é leve, não conta piada."
Bolsonaro também se beneficia do desarranjo eleitoral nas bases de apoio dos dois partidos que dominam a disputa presidencial desde 1994. A polarização eleitoral do país se consolidou a partir de 2006, com a reeleição do então presidente Lula a partir do forte apoio das fatias mais pobres, menos escolarizadas e do Nordeste do país.
O realinhamento eleitoral do lulismo consolidou, desde então, a base de apoio do partido nessas parcelas da população, que antes costumavam votar em candidatos de direita ou centro-direita - há divergências sobre o peso do caráter ideológico nesse comportamento eleitoral.
Opositores e parte da academia passaram a identificar relação entre a nova base de apoio político e o programa de transferência de renda Bolsa Família. Para o cientista político André Singer, a hipótese só se mostra válida entre os miseráveis que ascenderam à situação de pobreza, mas não no segmento dos ingressantes de uma nova classe trabalhadora.
Na opinião dele, o lulismo e seus dirigentes erraram ao não consolidar à época a percepção, para essas dezenas de milhões de pessoas, de que a ascensão deles se deu mais por causa de políticas públicas do que por mérito próprio individual.
Os movimentos de rua de direita - que ganharam projeção e adesão na esteira das manifestações de junho de 2013 - defendendo discurso anticorrupção e supressão de direitos de minorias, a contestação do resultado das urnas pelo PSDB em 2014 e o impeachment de Dilma ampliaram e acirraram o antipetismo, que chega ao ápice no pleito deste ano.
Há uma resistência crescente à estratégia de transferência de votos do ex-presidente Lula, preso e impedido de concorrer por causa da condenação por corrupção no caso do tríplex no Guarujá. A recessão, que resultou em desemprego e aumento da violência, e a prisão de diversos dirigentes petistas abalou a confiança de parte dos eleitores tradicionais do partido.
Por outro lado, uma contrarreação no campo da esquerda à onda conservadora ajudou o PT a se reorganizar parcialmente do impeachment e da perda de 60% das prefeituras em 2016. Segundo as pesquisas de opinião, Haddad lidera entre as mesmas parcelas identificadas com o partido, mas com uma rejeição em torno de 40% do eleitorado.
Especialistas não veem um realinhamento significativo do eleitorado em 2018 como ocorreu em 2006, fenômeno eleitoral em que grupos sociais mudam de campo ideológico (ou se consolidam em um deles) a partir de grandes transformações sociais - como recessões, ampla ascensão social e impeachment.
Bolsonaro conseguiu somar o eleitorado historicamente mais identificado com os tucanos a sua força política no Rio de Janeiro, base eleitoral e segundo colégio do país, com 8% do total (12,4 milhões).
"Acredito que, como na eleição de 2016 ocorreu um desalinhamento parcial do eleitorado mais ligado à esquerda, agora fenômeno semelhante deve atingir o PSDB, que pode ter um padrão de votação muito próximo ao de Mário Covas em 1989, concentrada no Estado de São Paulo", diz o pesquisador Aleksei Zolnerkevic.
Historicamente, o PSDB reúne eleitores mais ricos, escolarizados e do Sul e Sudeste. Segundo Maria do Socorro Sousa Braga, coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos Latino-americanos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Bolsonaro conseguiu atrair essas parcelas a partir de uma conjunção rara de fatores como a "desestruturação intrapartidária do PSDB, as denúncias graves na Lava Jato contra as principais lideranças do partido, inclusive o candidato Geraldo Alckmin, o apoio público ao governo Michel Temer (MDB) e da descrença no sistema representativo, em alta desde 2013."
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Eleições 2018: Como Bolsonaro superou a bolha radical na internet e terminou o 1º turno na liderança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU