05 Janeiro 2018
Dissidentes católicos conservadores que têm atacado o Papa Francisco mostraram quem realmente são recentemente, ao atacar o Papa aposentado Bento XVI, chamando seus escritos de "subversivos" e "modernistas". É isso mesmo, eles acham que Bento XVI é um herege.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por Religion News Service, 03-01-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em seu novo livro, "Al Cuore di Ratzinger, Al Cuore del Mondo", o filósofo italiano Enrico Maria Radaelli critica o livro "Introdução ao cristianismo", de Joseph Ratzinger, uma das obras mais conhecidas do Papa Bento XVI. Enrico Radaelli acusa-o de incorporar o subjetivismo moderno, incursionando no transcendentalismo de Kant e no "idealismo dialético" de Hegel.
Juntou-se a ele no ataque o Monsenhor Antonio Livi, decano emérito da faculdade de filosofia da Pontifícia Universidade Lateranense. Vale notar que no último verão esses dois acadêmicos assinaram uma carta de correção dirigida ao Papa Francisco, pedindo que ele mudasse seus pontos de vista "errôneos".
Eles estão infelizes com tudo o que aconteceu na Igreja desde a morte de Pio XII, em 1958, e as reformas do Concílio Vaticano II, nos anos 60.
Antonio Livi acha que a teologia "neomodernista" (termo depreciativo usado pelos conservadores para descrever qualquer coisa de que não gostem) envolveu a Igreja, infiltrando-se em seus seminários, conferências episcopais e até mesmo no próprio Vaticano. Este ponto de vista "herético" infectou todos os documentos do Concílio Vaticano II e os ensinamentos dos papas pós-conciliares, argumenta.
O problema com estes filósofos é que eles veem o mundo como ideólogos com categorias rígidas e regras. Eles têm certeza absoluta de seus pontos de vista e não estão abertos a novas perguntas. São incapazes de dialogar ou aprender com os outros.
Lembram-me de uma piada: Qual é a diferença entre um cientista e um filósofo? Se a teoria do cientista não é compatível com a realidade, a teoria deve mudar. Se a teoria do filósofo não é compatível com a realidade, a realidade é que deve mudar.
Felizmente, o Papa Francisco não leva esses críticos tão a sério. Em uma palestra para a associação italiana de teologia, na sexta-feira (29 de dezembro), ele expôs o que acredita ser a verdadeira vocação de um teólogo: o teólogo deve sempre se referir ao Concílio Vaticano II, onde a Igreja reconheceu a sua responsabilidade de "proclamar o Evangelho de uma nova forma".
O Papa falou da "criatividade fiel" em resposta a um mundo de mudanças rápidas. O trabalho de um teólogo é mostrar às pessoas o que está no cerne do Evangelho.
"Precisa-se de uma teologia que ajude todos os cristãos a proclamar e que mostre, acima de tudo, a graça salvadora de Deus Misericordioso", disse ele, "principalmente na presença de alguns novos desafios que envolvem o ser humano hoje". Entre esses desafios, ele citou a crise ambiental, as tecnologias que podem alterar os seres humanos, as desigualdades sociais, a migração em massa e o relativismo na teoria e na prática.
Convocou, ainda, os teólogos a trabalhar juntos para "reinventar a Igreja, para que esteja de acordo com o Evangelho que deve proclamar".
O problema dos conservadores é que eles tratam os grandes teólogos do passado como um baú do tesouro de citações, e não como exemplos de como fazer teologia. Santo Agostinho, por exemplo, usou o neoplatonismo - pensamento filosófico da elite de sua época - para explicar o cristianismo às pessoas. Santo Tomás de Aquino usou os escritos de Aristóteles recém redescobertos — o pensamento de vanguarda de sua época — para explicar o cristianismo aos seus contemporâneos do século XIII.
A tarefa dos teólogos não é simplesmente citar Agostinho e Aquino, mas imitá-los, pegando o melhor pensamento secular da época e utilizando-o para explicar o cristianismo às mulheres e aos homens do século XXI. Afinal, quantos neoplatônicos ou aristotélicos você conheceu recentemente? Será que esperamos que as pessoas hoje em dia saibam tudo de Platão e Aristóteles antes de falarmos de Cristo a elas?
Infelizmente, a Igreja espera, de fato, que os seminaristas aprendam filosofia grega antes de estudar teologia, o que faz com que eles saiam com conceitos ininteligíveis como "transubstanciação" e "consubstancial".
Do que a teologia precisa hoje são pensadores como Santo Agostinho e Tomás de Aquino que queiram mobilizar os pensadores atuais, não os do passado. Tal pensamento criativo pode colocar as pessoas em maus lençóis na Igreja. Os livros de Tomás de Aquino foram queimados pelo bispo de Paris. Da mesma forma, no século passado, teólogos criativos foram perseguidos e silenciados pela hierarquia. Ainda bem que o Papa Francisco não tem medo da criatividade teológica. Pelo contrário, incentiva a discussão e o debate teológicos que são essenciais para o desenvolvimento da teologia.
Os conservadores católicos foram criados numa Igreja que se apresentou como imutável porque na filosofia grega o perfeito não pode mudar. Essa abordagem não apenas é a-histórica como está fadada ao fracasso. Ao atacar não apenas o Papa Francisco, mas também o Papa Bento XVI, conservadores como estes demonstram que são verdadeiros ideólogos, desconectados da realidade, que não devem ser levados a sério.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Dissidentes católicos conservadores atacam Papa Francisco e Papa Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU