23 Dezembro 2016
O seu grito pela Síria dura há anos. E agora estamos diante do assédio final de Aleppo, com o êxodo de civis sob a mira dos atiradores. Nibras Breigheche ontem estava na praça do Duomo, para denunciar o genocídio do povo sírio. Filha do iman da região do trentino, Aboulkheir Breigheche, Nibras é uma mulher muçulmana de 40 anos, mãe de duas filhas adolescentes, professora de línguas e mediadora intercultural, membro do quadro diretivo da associação islâmica italiana dos imans e guias religiosos.
Nasceu na Itália, onde seus pais chegaram nos anos de 1970.
A entrevista é de Chiara Bert, publicada por Trentino, 18-12-2016. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Nibras, com que sentimentos você vivencia as notícias que chegam de Aleppo?
Com muita angústia. Estamos assistindo a um extermínio, à deportação de civis depois de anos de assédio para dar lugar aos ocupantes da vez, o Irã que está completando o próprio plano de hegemonia na região, e a Rússia.
O que poderia fazer o Ocidente? Entrar em guerra contra Assad?
Não necessariamente deveria ser uma intervenção militar, poderia ser feito algo em termos de pressão política. Na Síria existe um regime sustentado por outros regimes para que Assad permaneça no poder à custa da aniquilação do País. O acordo entre Estados Unidos e Irã deixou o caminho livre.
Você ainda tem parentes na Síria? Como eles estão?
Desde o início da guerra, em 2011, pouco mais da metade da nossa família fugiu da Síria. Mas a outra metade ainda continua lá, principalmente tios que devido à idade não tiveram ânimo de abandonar as próprias casas. Vivem numa cidade a 30 quilômetros de Damasco que nesse período acolheu um milhão de refugiados, e hoje está cercada pelas milícias do regime. Mas quando tem energia elétrica, conseguimos nos comunicar.
O que acredita que poderá acontecer?
A história nos ensina que a vontade popular sempre vence no final. Acontecerá isso novamente.
Você falava dos refugiados na Síria. Centenas de milhares chegaram também na Itália. Na Europa vimos acolhimento, mas também muros. E mesmo na região do Trentino ocorreram casos de recusa à entrada, em Soraga e Lavarone. Isso a preocupa?
A manifestação de 6 de dezembro em Trento demonstrou que a imensa maioria das trentinos é de pessoas acolhedoras. Se como Associação Insieme per la Siria livre chegamos ao 20º container de gêneros de primeira necessidade e medicamentos para enviar para a Síria, também se deve à ajuda de tantos trentinos. Os episódios de recusa parecem casos isolados.
O que responde àqueles italianos e trentinos que falam “Tudo bem com os refugiados, mas não podemos acolher todos, os outros imigrantes precisam ser mandados para casa”?
Eu creio que se uma pessoa arrisca sua vida e tudo aquilo que tem para entrar num bote e enfrentar o mar, quer dizer que está fugindo de uma situação dramática. O direito à vida deve vir antes de qualquer outro.
Você atua como mediadora cultural. Como lhe parece o grau de integração entre italianos e estrangeiros na Itália?
A França escolheu, em relação aos imigrantes, uma política de assimilação que chegou até a proibir os símbolos religiosos e que fracassou, na Grã Bretanha o multiculturalismo frequentemente se traduz numa segregação em guetos. Na Itália está sendo experimentada uma terceira via que leva ao reconhecimento recíproco das culturas e das religiões. O desafio é evitar que as terceiras e quartas gerações de imigrantes sintam-se na Itália “cidadãos de segunda classe”.
Alguns anos atrás numa entrevista, você respondia não ter vivido pessoalmente episódios de racismo. O clima mudou?
Tenho a sorte de trabalhar no âmbito cultural e interreligioso. Pessoalmente nunca sofri episódios de islamofobia. Embora as estatísticas mostrem que na Itália o clima lamentavelmente tenha piorado, ligado ao fenômeno de quem instrumentaliza a aponta os muçulmanos como causa do terrorismo.
É uma realidade, porém, que na Europa muitos jovens muçulmanos tenham se tornado terroristas e que partem para combater ao lado do Isis na Síria e no Iraque. O fato que façam isso em nome da religião não gera um problema ao Islã?
As pesquisas mostram que os jovens aliciados pelo Isis são pessoas crescidas em contextos distantes das mesquitas e dos centros islâmicos. Isso nos indica que seu integralismo é muitas vezes o fruto da marginalização social, combinada com uma fragilidade pessoal. E isso torna ainda mais importante o papel dos guias religiosos para a prevenção e a educação.
Você veste o véu. Como explica que muitas garotas imigradas de segunda geração usem o véu quando suas mães já o dispensaram? Existe nisso uma reação ao fato de sentir a própria identidade sob ataque?
Sinceramente lido todos os dias, pelo meu trabalho, com muitas garotas e não percebo a escolha do véu como reação. Inclusive porque o véu é uma prática religiosa exigente, requer convicção.
Por quê?
Porque muitos partem do princípio que seja uma imposição, enquanto em 99% dos casos não é isso, é fruto de um amadurecimento espiritual. O Alcorão reza “não há compulsão na religião”. Lembro quando, ainda adolescente, uma professora que eu respeitava muito me perguntou: “Quantas chibatadas levaste para ter que usar o véu?”. Fiquei chocada.
Suas filhas têm 18 e 17 anos. Usam véu?
Sim, com estilo próprio, por sua escolha. Têm amigas que frequentam também fora da escola e fico feliz de ver que por parte de muitas meninas existe respeito por essa escolha.
E a amizade com os garotos?
A religião islâmica não impede de interagir com o outro sexo, estabelece limites para o contato físico aos praticantes. Nem por esse ponto de vista jamais tive problemas. Resta o fato que em nome da religião em muitos Países islâmicos as mulheres não têm direitos. O problema existe, mas é preciso olhar com mais atenção. Estamos falando de Países onde os direitos civis não são garantidos, de regimes que exploram a opressão, a pobreza, a ignorância, inclusive religiosa. É nesse contexto que as mulheres pagam o preço mais alto.
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“Meu coração está na Síria. Este é um extermínio” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU