23º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Seguir Jesus: um caminho exigente

05 Setembro 2025

"Seguir Jesus significa ter coragem de tomar a cruz de cada dia, de não viver apenas para si mesmo, mas de colocar-se a serviço do Reino de Deus. É o desapego de si mesmo. Para explicar isso, Jesus usa duas imagens: o homem que deseja construir uma torre e precisa calcular os gastos, e o rei que vai à guerra e precisa avaliar suas forças antes de partir. Ele nos convida a pensar: antes de segui-lo, é preciso decidir com seriedade, maturidade, consciência, liberdade e discernimento. O discipulado não é entusiasmo passageiro, mas compromisso de vida. Na cruz, Jesus se entregou por nós. Carregar a própria cruz é viver como Ele viveu, fazendo da própria vida um dom."


A reflexão é de Sueli da Cruz Pereira, IDFMI, religiosa da Congregação das Irmãs Dimesse Filhas de Maria Imaculada. Ela é graduada em teologia, mestra e doutora em teologia sistemático-pastoral pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atua na Arquidiocese de Vitória, em Vila Velha. É membro do Grupo de Reflexão bíblico-catequética (GREBICAT) da CNBB e da Sociedade Brasileira de Catequetas (SBCat).

Eis a reflexão.

O evangelho deste domingo (Lc 14,25-33) nos apresenta uma cena interessante: grandes multidões acompanhavam Jesus — sinal de que sua fama se espalhava — e, ao mesmo tempo, um ensinamento que não se deixa levar pelo entusiasmo da quantidade de pessoas. Jesus não se exalta nem se deixa impressionar pela multidão, pois sua preocupação está voltada para a qualidade dos seus seguidores, para o verdadeiro motivo de estarem com Ele.

Podemos afirmar que aqui “acompanhar” e “seguir” são, a princípio, atitudes diferentes. Acompanhar Jesus, muitos podem fazer, sem necessariamente se comprometer com sua missão; mas segui-lo é um caminho exigente. O seguimento de Jesus requer assumir com radicalidade a proposta do Reino que Ele anuncia. Para isso, Jesus apresenta três renúncias fundamentais para quem deseja ser seus discípulos: a) desapego da família e até da própria vida; b) renunciar a si mesmo e carregar a própria cruz; c) desapego dos bens materiais, renunciando a tudo o que se possui.

Essas três renúncias deixam claro que o discípulo, a discípula deve ter consciência da resposta que dá ao chamado de Jesus. Ele não engana nem ilude seus seguidores: o caminho a ser percorrido não será fácil. Pelo contrário, Jesus os prepara para não desistirem quando chegarem as dificuldades e perseguições.

À primeira vista, tais exigências podem parecer duras; mas, quando bem compreendidas, revelam a profundidade do verdadeiro sentido de “seguir Jesus”. Ir até Ele, ser seu discípulo e caminhar atrás d’Ele são expressões que descrevem um discipulado autêntico, que, assim como o próprio Cristo, coloca em primeiro lugar a realização do Reino do Pai.

Vejamos as três renúncias ou desapegos.

Desapegar-se da família pode parecer incompreensível e até inaceitável, se entendermos isso como uma abolição ou negação dos laços familiares. Mas não é isso que Jesus pede. Ele não está abolindo o amor familiar, e sim recordando que o seguimento exige uma prioridade absoluta: nada pode estar acima do amor a Deus. É uma linguagem radical, porque o discipulado não é um caminho de conveniência, mas de entrega. Os laços familiares não podem ser obstáculo para seguir Jesus.

Seguir Jesus significa ter coragem de tomar a cruz de cada dia, de não viver apenas para si mesmo, mas de colocar-se a serviço do Reino de Deus. É o desapego de si mesmo. Para explicar isso, Jesus usa duas imagens: o homem que deseja construir uma torre e precisa calcular os gastos, e o rei que vai à guerra e precisa avaliar suas forças antes de partir. Ele nos convida a pensar: antes de segui-lo, é preciso decidir com seriedade, maturidade, consciência, liberdade e discernimento. O discipulado não é entusiasmo passageiro, mas compromisso de vida. Na cruz, Jesus se entregou por nós. Carregar a própria cruz é viver como Ele viveu, fazendo da própria vida um dom.

Por fim, renunciar aos bens pode parecer mais fácil do que renunciar à família ou a si mesmo, mas não é bem assim. Muitas pessoas vivem em torno do “ter”, desejando sempre mais, vivendo de modo egoísta, centrado em si mesmas. Assim, os bens acabam se tornando mais valiosos do que o próprio Deus. Dificilmente quem fundamenta sua vida nos bens materiais consegue abrir-se para os valores do Reino, como a solidariedade e a partilha.

A primeira leitura, do Livro da Sabedoria (Sb 9,13-18), ilumina essas exigências. O autor reconhece que o ser humano, sozinho, é incapaz de compreender os caminhos de Deus: “Quem poderá conhecer os desígnios de Deus? Se já é difícil compreender o que está na terra, muito mais difícil é descobrir o que está nos céus.” Mas o Espírito de Deus vem em auxílio da nossa fraqueza e nos concede sabedoria. Assim, entendemos que o seguimento de Jesus não se apoia apenas em nossas forças, mas sobretudo no dom de Deus que nos sustenta. É Ele quem nos mostra o caminho e nos dá o seu Espírito para discernirmos por onde devemos ir.

Este Evangelho nos toca profundamente na nossa realidade atual. Vivemos tempos em que o discipulado é posto à prova. Muitos querem seguir Jesus sem renunciar a nada, sem carregar a cruz. Mas o seguimento exige escolhas que, muitas vezes, vão contra a lógica do mundo: perdoar em vez de vingar, partilhar em vez de acumular, servir em vez de buscar poder.

Na segunda leitura, da Carta a Filêmon (Fm 9-17), vemos um exemplo concreto: Paulo pede a Filemon que acolha Onésimo, um escravo fugitivo, não mais como escravo, mas como irmão. O Evangelho transforma relações humanas: quem segue Jesus aprende a olhar o outro com dignidade, a romper cadeias de opressão, a viver a fraternidade.

Paulo deixa transparecer na Carta o que está no seu coração: o amor deve ser a norma maior. Paulo ensina o que é o amor. A liberdade de Onésimo dependerá da capacidade de amar de Filêmon. Ele não impõe como um líder como Filêmon deve agir, mas deixa que na sua liberdade escolha o que achar que é certo fazer.

Paulo ensinou que entre os cristãos já não há mais distinção entre judeu ou grego, escravo ou homem livre, homem ou mulher, porque todos são um só em Cristo Jesus. Assim, tanto o senhor (o dono do escravo) quanto o escravo, se fizeram esta experiência de encontro com amor de Jesus, reconhecerão a dignidade de todos os filhos de Deus. Senhor ou escravo se tornam livres diante das amarras da sociedade, que muitas vezes oprimem e aprisionam em uma mentalidade onde o pobre, o oprimido, o miserável não são considerados como pessoas, e estes por sua vez não se sentem dignos de estar em algumas instâncias da sociedade, nem mesmo de entrar em nossas igrejas.

Hoje, sete de setembro, celebramos também o Dia do Grito dos Excluídos, que neste ano ecoa ainda mais forte diante das tantas feridas sociais que marcam nosso país: a desigualdade, a pobreza, a violência, o desemprego, a destruição da Casa Comum. O discipulado de Jesus nos pede um olhar especial para os que estão à margem, para os que não têm voz nem vez. Carregar a cruz é também assumir a dor dos irmãos que sofrem e lutar para que todos tenham vida em abundância. À exemplo de Paulo, o que nós temos feito por esses irmãos e irmãs nossos?

E para finalizar, estamos no Mês da Bíblia, oportunidade de renovar nosso amor à Palavra de Deus. É pela escuta da Palavra que aprendemos a discernir, a calcular os passos do seguimento, a encontrar sabedoria para fazer escolhas justas. Sem a Palavra de Deus, corremos o risco de seguir a Jesus de forma superficial. Com a Palavra, iluminamos nossas decisões e alimentamos nossa fidelidade.

Que este domingo nos ajude a assumir de modo sério e alegre o caminho do discipulado. Que o Espírito Santo nos dê a sabedoria necessária para entender as exigências do Reino. E que possamos, como Paulo, transformar nossas relações pela força do Evangelho, acolhendo cada pessoa como irmão e irmã.

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