23º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Subsídios Exegéticos

(Foto: Reprodução | Nos Passos de Cristo)

02 Setembro 2022

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Sb 9,13-18
Salmo: 89,3-6.12-14.17
Segunda Leitura: Fm 9b-10.12-17
Evangelho: Lc 14,25-33

 

O Evangelho

 

Na jornada do Messias a Jerusalém, Lc constantemente segue o padrão de alternar entre ditos sobre rejeição, convites para a conversão e ensinamentos sobre a condição de serem discípulos. Depois de ter apresentado a parábola da rejeição dos líderes (14,16-24), na qual um exagerado apego às posses e aos próprios interesses torna os convidados surdos ao chamado de Deus, Lc apresenta Jesus dirigindo-se à multidão (14,25) e repete as mesmas advertências para aqueles que estão dispostos a segui-lo. A necessidade de relativizar todas as relações é expressa em 14,26 e o pedido de renúncia a todas as posses é expresso em 14,33.

 

Entre estes rígidos pronunciamentos, Lucas insere as duas parábolas (específicas deste Evangelho) dos atentos calculadores. A lição em ambas é a mesma: não comeces se tu prevês que não serás capaz de terminar. E, como premissa para essas parábolas, a necessidade mais fundamental de todas: o que é necessário para ser discípulo/a é assumir a cruz e seguir o caminho do Messias (v.27).

 

A parábola do banquete e as para poder ser discípulo/a exprimem a mesma ideia: o chamado de Deus anunciado pelo Messias deve relativizar qualquer outra necessidade, mesmo vital. A parábola mostra como o apego às pessoas e coisas pode, na verdade, ser uma rejeição ao convite. As indagações afirmam claramente que a escolha de querer ser discípulo/a se traduz exatamente na escolha de renunciar ao apego aos bens e às pessoas. O/A discípulo/a que concorda em segui-lo deve fazê-lo com compromisso e de uma forma incondicional.

 

O evangelista propõe agora uma pequena catequese sobre o discipulado, marcada por uma expressão repetida três vezes: ou dynatai einai mou mathētēs, “não pode ser meu discípulo” (v. 26.27.33). Note-se o agrupamento textual consistindo em duas articulações: v.26-27, duas sentenças concernentes às condições radicais para o seguimento; v.28-33, duas parábolas que ilustram a ponderação necessária para seguir Jesus.

 

Jesus dirige essas palavras às multidões (v.25), portanto, devem ser entendidos como dirigidos a todos e todas. Para participar do grande banquete messiânico são necessárias três condições, destacadas pelo refrão “não pode ser meu discípulo”: é preciso relativizar até mesmo os mais ternos afetos (v.26), carregar sua cruz atrás dele (v. 27), renunciar aos bens terrenos (v.33). Essas exigências radicais são válidas para todo seguidor de Jesus.

 

v.26: “...não odeia o pai e a mãe...”. A linguagem é muito forte; Mt 10,37 atenua-o em “quem ama pai e mãe mais do que a mim”. O termo “odiar”, (misei) é o oposto de “amar” (agapaó). Os termos em questão denotam atitudes e comportamentos, não emoções. O que Lc enfatiza não são os sentimentos que alguém nutre pelos familiares, mas o modo de comportar quando se trata de escolhas que interessam o Reino; o tipo de escolha implícito nos termos é especificado em 16,13.

 

“e até mesmo sua própria vida”: Lc usa o termo psyché (literalmente “alma”) com o mesmo significado atribuído em 12,20-24.

 

v.27: “Quem não carrega a própria cruz”: a versão de Lucas quer sublinhar dois aspectos. O uso do termo “carregar” (bastazó) em vez de “tomar” (lambanó) de Mt 10,36 acentua o caráter contínuo da condição do discípulo: “sua cruz de cada dia” 9,23. Analogamente, Lc usa heautou (“dele próprio”) para sublinhar a necessidade de uma aceitação pessoal da responsabilidade.

 

“Não pode ser meu discípulo”. Mt 10,3 traz “não é digno de mim”; Lc ao invés, quer enfatizar o fato de “ser discípulos/as”. Observe-se o uso do termo mathētēs em 9,14.16.18.40.43.54; 10,22.23; 11,1; 12,1.22.

 

v.28-30: “desejando uma torre edificar”. Esta parábola encontra-se somente em Lc. O cálculo dos custos está perfeitamente de acordo com o conceito do ditado anterior: se tu não tiveres vontade de comprometer tudo o que tens, inclusive a própria vida, nem precisas começar.

 

31: “Qual rei, partindo em guerra contra outro rei...” Esta parábola também é exclusiva de Lc e lembra a “luta entre os dois reinos” sugerida por 11,17-20. O conceito aqui é um pouco diferente: calcule a possibilidade antes mesmo de começar.

 

v.32: “uma embaixada pela paz”. Literalmente: “pede as condições para a paz” (eiréné). v.33: “não renuncia a todos os seus bens: o verbo usado - apotassó - literalmente significa “dar adeus” como em 9,61. A necessidade de renúncia é inculcada aos bens terrenos. O versículo está ligado ao v.27: depois de pedir a renúncia aos laços familiares e a disponibilidade para carregar a cruz, agora Jesus pede também a renúncia de bens. O verbo no tempo presente sugere, mais do que um ato, uma disposição de renunciar a tudo para seguir Jesus.

 

Relacionando com as outras leituras

 

A 1ª Leitura joga luz sobre a distância entre os pensamentos humanos e aqueles divinos, destacando a grandeza da sabedoria que vem de Deus. Esse texto relaciona-se complementarmente com as condições para seguir Jesus. A precariedade da pessoa encontra suporte no Santo Espírito enviado do alto (9,17).

 

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