03 Outubro 2023
"Na noite do Getsêmani, Jesus encontra a impostura de Epicuro: não há saída diante da morte. Não é por acaso que sua postura não se parece em nada com aquela imperturbável de Sócrates diante de sua decisão de se matar. Seu corpo treme, transpira sangue, cai no chão. A primeira oração que dirige a Deus é uma súplica: não quer morrer, quer continuar a viver, pede ao pai para ser poupado, para afastar dele o cálice amargo da morte", escreve Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pávia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 01-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O julgamento do ateu Freud não deixa esperanças: o homem religioso confia-se a Deus como uma criança assustada confia a sua vida indefesa ao poder protetor de um pai idealizado.
Mas essa confiança não pode salvar o homem do seu destino mortal. É o medo da morte que levou os seres humanos, desde o início dos tempos, a orar aos deuses. A mesma ideia filosófica da imortalidade da alma nada mais seria, sempre segundo Freud, do que uma ideia defensiva em relação à natureza inevitavelmente finita da nossa existência.
Na relação de Jesus com a morte, o julgamento de Freud é, no entanto, obrigado a se afrouxar. De fato, ele não desconjura a morte, mas a encontra em sua forma mais traumática. Nenhuma remoção, portanto, nenhum falso reconhecimento. Jesus sabe bem que não pode aceitar o silogismo filosófico de Epicuro que gostaria de separar a morte da vida seguindo o famoso argumento de que a morte não seria um problema porque enquanto houver vida não haverá morte e quando houver morte não haverá vida.
Na noite do Getsêmani, Jesus encontra a impostura de Epicuro: não há saída diante da morte. Não é por acaso que sua postura não se parece em nada com aquela imperturbável de Sócrates diante de sua decisão de se matar. Seu corpo treme, transpira sangue, cai no chão. A primeira oração que dirige a Deus é uma súplica: não quer morrer, quer continuar a viver, pede ao pai para ser poupado, para afastar dele o cálice amargo da morte. Rejeita a morte porque amou e ama profundamente a vida. Não há atalhos, portanto, nenhuma remoção do trauma da morte.
Nem mesmo a sua ressurreição pode atenuar esse trauma. Não é, ao contrário do que Freud pensava, a negação infantil da morte, mas, no máximo, o resultado de tê-la atravessado. Não é por acaso que toda a iconografia cristã representa o corpo do Ressuscitado com as chagas indeléveis de sua paixão. Na história do Evangelho, o sepulcro de Jesus parece vazio. Os anjos que o presidem perguntam às mulheres assustadas que foram ao seu túmulo: “Por que vocês estão procurando o vivente entre os mortos? Ele não está aqui, mas ressuscitou” (Lucas 24,5-6).
Este vazio é o grande mistério da Páscoa cristã vista pelos olhos de um leigo. Ele não está mais aqui: impõe-se um luto necessário, pois em todo luto “ele” ou “ela” não estão mais conosco. Uma ausência devasta a nossa presença no mundo; uma ausência que é dor, mas justamente por isso talvez seja também uma forma radical de amor, como Roland Barthes escreve em seu extraordinário caderno escrito após a morte da mãe e intitulado Diário de luto.
Mas o vazio do sepulcro não impõe apenas luto. Também abre a possibilidade de algo inaudito. Jesus não pode ser encontrado entre os mortos. Ele, embora morto, ainda está vivo. O que isso pode significar? Por um lado, Jesus não está mais aqui, não está mais à disposição de aqueles que o amaram, ele se foi. Mesmo as aparições pós-pascoais são fugazes, destinadas a dissolver-se na ausência. Isso significa que o ressuscitado não é um renascido. A ressurreição não pode apagar a experiência da perda.
Por essa razão Jesus inicialmente não é reconhecido, mas parece um estranho. Mas por que vocês o procuram em seu túmulo? A ressurreição não reforça de forma alguma uma imagem sobre-humana de Deus. Por outro lado, a ressurreição de Jesus é uma desativação radical do terrível poder da morte. Ela não pode, de fato, ser a última palavra sobre a vida. Na sua pregação ele mostrou que o medo da morte coincide com o medo da vida, propondo a si mesmo como o testemunho de uma vida viva, de uma vida com abundância de vida: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11, 25). Ele se perguntou o que seria uma vida viva, uma vida generativa, uma vida capaz de vida. A mera conservação da vida limita a transcendência, como diria Paulo a respeito da Graça, a sua “abundância”.
Estar vivo não significa por si só estar realmente vivo. Jesus coloca o problema da diferença entre uma vida morta e uma vida viva. Ele é encarnação do vivente, a “água viva” que sacia a sede para todo o sempre, a vida como força geradora. Portanto, não se pode procurar Jesus entre os mortos. Porque os mortos são aqueles que renunciaram à vida, são os sacerdotes, os guardiões da letra, os gananciosos, incapazes de amar, os mortos são aqueles que têm medo da vida. Não precisa procurar Jesus entre os mortos porque o seu nome é nome da vida que não se deixa vencer pela morte.
Nesse sentido, Jesus é a ressurreição que continua a acontecer para além da sua morte. O vazio do sepulcro é o lugar de uma ausência que, ao contrário do que Tomás gostaria, não pode, no entanto, ser recuperada. A ressurreição não é a reanimação de um corpo morto que volta à vida, mas é a vida que nunca pode ser totalmente destruída pela morte. Jesus diz isso claramente: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25). Noli me tangere, não me toque, não me segure, diz o Senhor Ressuscitado a Maria Madalena. A morte é uma distância que se abre na vida, mas não é desaparecimento, destruição, putrefação. A ressurreição não é uma imagem da imortalidade.
Jesus não é um imortal como são imortais os deuses pagãos. Jesus é um homem que conhecia a morte: ele deve partir, deve deixar este mundo. Não pode mais ser tocado. Todo homem não pode mais, de fato, retornar da morte, não pode mais recuperar a sua vida. Mas este ir embora, este retorno ao pai, é também uma maneira de ficar: “Vou e voltarei a vós” (Jo 14,28), diz aos seus.
A fé em Jesus não necessita o fetichismo de tocar, mas preserva a distância, o mistério do intangível. Se para acreditar é preciso tocar, como exige o incrédulo Tomé, a fé, em vez disso, implica o encontro com o desconhecido que permanece tal. Enquanto o discurso religioso se alicerça na crença, aquele de Jesus – profundamente antirreligioso e anti-idolátrico – se alicerça no salto para o vazio da fé. É a profunda diferença entre Madalena e Tomé: uma tem fé naquilo que não pode tocar, enquanto o outro precisa tocar para poder crer. Jesus mostra que a sua morte não coincide com o fim da sua palavra. Muito pelo contrário: o vazio do sepulcro assemelha-se à luz de uma estrela morta que insiste em irradiar luz mesmo após o seu fim.
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Quem não ama desaparece. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU