15 Março 2015
“Os dias 13 e 15 retratam uma bipolaridade vencida por junho de 2013. Seu fato novo é que, diferente de junho, não há pautas concretas a se reivindicar, só há lados a defender”, constata o pesquisador.
Fonte: www.pontomidia.com.br |
Nos últimos anos o pesquisador tem acompanhado as articulações nas redes sociais antes de elas ganharem as ruas em forma de manifestações, a exemplo do que aconteceu em junho de 2013, quando parte da população brasileira organizou manifestações em várias cidades a partir do Twitter e do Facebook.
Ao analisar a atual conjuntura e as manifestações favoráveis e contrárias à gestão da presidente Dilma, Malini pontua que nas redes, os tuites e posts “possuem caráter convocatório, com forte presença de robôs que republicam, por exemplo, tuite a cada 30 segundos”. Isso mostra que “vivemos uma artificialização da (re)publicação nas redes”, que demonstra “retratos da despolitização generalizada no Brasil, em que a carga emocional ganha, e muito, das definições bem-delineadas de medidas de ampliação de direitos sociais”, constata.
Para ele, o que se configura nas redes sociais hoje são dois “campos distintos de circulação de informação”. De um lado, estão os perfis dos grandes veículos e, de outro, os midialivristas, que, “juntos, são capazes de agendar a sociedade”.
Malini alerta para o fato de que esses perfis possuem um público definido, mas não possuem recursos suficientes para a produção contínua de seus conteúdos. O drama dessa situação, destaca, é que tais perfis poderão ser cooptados pelo governo, porque “quanto maior for a difusão de pautas e programas minoritários, mais os governos (não apenas o federal) tenderão a ter a aliança desses movimentos. Mas é uma aliança que só é possível mantendo essa desconexão com o mundo chapabranquismo, porque não há uma ‘geometria de lados’ nessa aliança. Tudo é questão de posição: agora estamos na mesma posição, mas, ali na frente, podemos estar em lugares opostos. Assim é a autonomia desses movimentos”, analisa.
Esses dois grandes perfis das redes são unificados por uma linha que se configura na “existência de grupos políticos que insistem em interpretar as manifestações das ruas como uma dimensão bipolar”. Mas, de outro lado, pontua, “há também um silêncio dos atores que compõem o arco do outro junho de 2013, que vê, da arquibancada, o definhamento da política no Brasil. Não tomam posição, senão como crítica aos dois lados da mesma moeda”.
Na interpretação do pesquisador, o “fato novo” é que os “novos movimentos não querem dar um novo ‘voto crítico’ ao governo Dilma, que tenta atrair grupos pulsantes de junho de 2013 para dentro da dinâmica de seu governo — veja o caso do circuito Fora do Eixo no MINC e a presença de uma frente contra a homofobia em diversos órgãos da gestão”.
Fábio Malini é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Comunicação e Cultura pela mesma universidade. Atualmente é professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo, onde coordena o Laboratório de pesquisa sobre Internet e Cultura - Labic. Também leciona no Laboratório de Pesquisa em Comunicação Distribuída e Transformação Política – CIBERCULT e é editor do site fabiomalini.com.
Confira a entrevista.
Há coletivos que silenciam (ou comentam levemente) sobre o 13/15 porque sabem que esse conflito 13x15 não é seu. |
IHU On-Line - Qual é o caráter das duas manifestações, a que ocorre hoje, dia 13, e a que irá ocorrer no domingo, 15? Quais são os atores políticos que estão envolvidos em cada uma delas?
Fábio Malini - O caráter da manifestação do dia 15 é de contestação política em torno das medidas mais duras de ajuste do governo. Uma contestação pela sequência de medidas: aumento da tarifa de energia elétrica, aumento do preço da gasolina, dólar subindo e elevação de impostos (com pequeno surto inflacionário). São medidas que atingem, em cheio, as "classes que pagam imposto de renda". Isso se avoluma em função da confusão política em torno do conflito de Dilma com o Parlamento e as notícias escandalosas da corrupção de empreiteiros no caso Lava Jato.
Já a manifestação do dia 13 funciona mais pelo seu oposto: dar sustentação às medidas do governo. Mas é importante destacar: essa conjugação de protestos se mistura aos primeiros levantes sociais associados ao aumento das tarifas urbanas de transporte público, greves localizadas e o recomeço de um ano de austeridade dos governos federal e estaduais.
Na rede, os atores políticos dos protestos13/15 então passam pelo arco de oposição e sustentação do governo federal (partidos políticos e sua base social eleitoral), o Parlamento, os novos movimentos sociais (mais desgarrado das dinâmicas institucional parlamentares e governamentais) e a profusa rede de perfis da internet, cujo protagonismo está em torno de redes de humor e páginas belicistas.
Essas duas são, de certo modo, retratos da despolitização generalizada no Brasil, em que a carga emocional ganha, e muito, da definição bem-delineada de medidas de ampliação de direitos sociais.
E há os setores de mídia tradicional, que inflam a pauta mais oposicionista, ao mesmo tempo que não sabem muito bem para onde isso vai levar, o que é um risco para a credibilidade que possuem diante de seus públicos.
IHU On-Line - Que relações estabelece entre as manifestações de junho de 2013 e as manifestações previstas para os dias 13 e 15? Em que aspectos elas se assemelham e se distanciam?
Fábio Malini - A linha que unifica ambas é a existência de grupos políticos que insistem em interpretar as manifestações das ruas como uma dimensão bipolar. É óbvio que estamos num momento em que o pacto petista com setores da elite política foi rompido. E, nesse sentido, o panelaço guarda muito uma relação com a sua própria imagem: o panelaço da fome dos endinheirados em suas varandas que, em muitos casos, trata-se de recuperar benefícios perdidos ou conquistados (viagens idílicas para o exterior).
Mas, pelo outro, há também um silêncio dos atores que compõem o arco do outro junho de 2013, que vê, da arquibancada, o definhamento da política no Brasil. Não tomam posição, senão como crítica aos dois lados da mesma moeda.
Esse é o fato novo. Parece que os novos movimentos não querem dar um novo "voto crítico" ao governo Dilma, que tenta atrair grupos pulsantes de junho de 2013 para dentro da dinâmica de seu governo — veja o caso do circuito Fora do Eixo no MINC e a presença de uma frente contra a homofobia em diversos órgãos da gestão. São elementos novos, mas que não conseguem impulsionar o governo numa aliança com esses movimentos, em função de uma grande campanha levada a cabo pelo Ministro da Justiça em criminalizar muitos atores que se indignavam pelo refluxo do primeiro governo Dilma (só lembramos do vergonhoso processo judicial e da prisão de ativistas cariocas).
Os dias 13 e 15 retratam uma bipolaridade vencida por junho. Seu fato novo é que, diferente de junho, não há pautas concretas a se reivindicar, só há lados a defender.
"Junho fez alterar profundamente a 'geometria de lados', da esquerda e direita" |
IHU On-Line - O que mudou de junho de 2013 para cá?
Fábio Malini - Junho fez derivar movimentos. Fui convidado para participar de uma reunião com muitos cientistas políticos num evento organizado pelo governo federal. Fiquei assustado como aqueles colegas não falavam de outra coisa: o Estado envelheceu. Diziam que estávamos numa crise institucional sem precedentes. O diagnóstico (a crise) é óbvio. Mas a crise não expunha o envelhecimento do Estado, ao contrário, expunha o fato de que ele se abriu a um rejuvenescimento, e os setores que comandam essa política reprimem essa renovação. O Estado brasileiro recebeu o maior contingente de novos funcionários públicos dos últimos anos. É uma renovação brutal, mas que é reprimida por uma política da centralização.
Se aqueles cientistas políticos não perceberam a dimensão criativa aberta por junho, então fica difícil traçar novos caminhos. Junho é uma abertura de consciência política. E possibilitou o que virá depois: movimentos de produção de outra cidade. Tivemos ciclos de greves, tivemos ciclos de conquistas urbanas, tivemos ciclos de conquistas de gênero. E eles estão apenas no começo. Mas, ao mesmo tempo, a política institucional segue refém de partidos constituídos por caciques que escolhem em quem os eleitores vão votar. De modo que a "virada conservadora" nas eleições de 2014 não pode ser lida apenas pelo voto, mas pela cartela de parlamentares oferecida ao eleitor.
Junho de 2013 – um movimento minoritário
Foram os partidos que se tornaram mais conservadores, o que significa que o dinheiro se tornou um elemento ainda mais central nas campanhas eleitorais. Junho, portanto, não tem nada a ver com isso. Continua sendo um movimento de massa, mas minoritário, o que infelizmente nem setores desses movimentos gostam de afirmar, preferem a massa, no lugar do minoritário. Junho fez alterar profundamente a "geometria de lados", da esquerda e direita. E constituiu, como bem salienta o filósofo Henrique Antoun (UFRJ), uma topologia de centro e periferia, em alusão a essas redes de interação que cartografamos na internet.
A política é o exercício de produção de centros de atenção para as lutas (nas ruas e redes), para que as lutas contagiem publicamente pessoas, na forma cada vez mais, de perfis. Assim, será cada vez mais comum que extratos ideológicos estejam dividindo a mesma bandeira durante um ato desses movimentos de junho, porque não se trata de defesa intransigente de uma ideologia, mas de fazer avançar temas minoritários, como, por exemplo, que garis possam viver dignamente. Junho é a autonomização dos movimentos em relação aos governos. Logo, estamos mergulhados numa virtualidade política, é preciso construir novos mundos.
Agora a luta é por ser assunto do momento antes que o fato exista |
IHU On-Line - Como as manifestações dos dias 13 e 15 foram e estão sendo tratadas na mídia e nas redes sociais?
Fábio Malini - São dois campos distintos de circulação de informação. Não acompanho mais a mídia tradicional, no sentido de ler em detalhe o que está apenas no jornal e nas revistas. Acompanho o que esses veículos difundem em seus perfis de redes sociais. Nesse sentido, para mim, são perfis, e não veículos. Isso é importante para desmitificar a força, a priori, deles nas redes, onde ainda são sustentados mais por fãs (e, em determinados casos, por robôs) que republicam muitos de seus conteúdos sem muita contestação.
Nas redes, os dois acontecimentos possuem caráter convocatório, com forte presença de robôs que republicam, por exemplo, tuite a cada 30 segundos, em determinados casos. Vivemos uma artificialização da (re)publicação nas redes. E o pior que isso é uma cultura generalizada, que passa pelos partidos contratando empresas para realizar essa tarefa, por setores da mídia online que utilizam desse expediente para inflar suas estatísticas de buzz e por conjunto de movimentos sociais, para ampliação de trolagens. No fundo, são estratégias para elevação da carga de viralidade emocional, que, já sabemos em muitos estudos, como o do espanhol Javier Toret, produzem impactos nas ruas.
Agora a luta é por ser assunto do momento antes que o fato exista. Porque trends impactam os perfis que possuem muitos fãs, logo, que vivem de falar do que todo mundo está falando. E esses perfis engrossam a adesão, ou aceitação social de manifestação. Num estudo ótimo da pesquisadora Paula Falcão, na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, ela demonstrou que durante junho de 2013 os perfis mais populares chegaram depois do acontecimento, somente à noite, quando as pessoas ocupavam o Congresso Nacional. Ou seja, mídias e celebridades "chupam" a dinâmica da rede, engrossam o coro e, com isso, se tornam centrais na conversação, mas depois, muito depois. Controlar a dinâmica do acontecimento se tornou a flor de obsessão da Mídia, que não quer mais ser pega de surpresa.
O tratamento do 13/15 segue um apelo emocional, como se houvesse um apocalipse para acontecer, quando é apenas uma manifestação de setores da sociedade civil, algo que devemos nos acostumar.
IHU On-Line - O senhor diz que a rede possibilitada pela internet é mais forte que as duas (azul e vermelha) do gráfico. Pode explicar essa configuração?
Fonte: fbcdn-sphotos-h-a.akamaihd.net
Fábio Malini - O Brasil tem um fato que foge do padrão das manifestações globais, que vimos emergir desde a Primavera Árabe. Foi o lugar de maior inovação de narradores independentes de comunicação. Não há nenhum outro lugar em que coletivos independentes de cultura e comunicação, em volume e variedade, atuaram com tanto vigor. Muitos movimentos sociais passaram a planejar sua atuação narrativa na rua. Hoje qualquer ato significa formar junto dele canais de divulgação. Isso contaminou até ambientes corporativos. Houve narradores que chegaram mais rápido nas manifestações. Mas hoje a cena — se interligada conjuntamente — é enorme.
A rede do Movimento Passe Livre no Facebook mobilizou quase dois milhões de perfis nos seus canais de Facebook, em quase dois anos. Há um comportamento padrão dos movimentos: eles são redes de perfis em redes sociais. Não existe apenas o Black Bloc Brasil, existe sua derivação em todos os estados. Não há como as pessoas deixarem de se informar sem o Midia Ninja, Jornal A Nova Democracia e centenas de coletivos que possuem uma audiência reconhecida. Olha o caso de Belo Horizonte, uma cidade potente, cujas páginas de lutas territoriais no Facebook mobilizam milhares de seguidores.
Essa vasta cena juntou-se para difundir a greve dos garis no Rio de Janeiro, furando o silêncio dos jornais diários cariocas sobre o tema. Essa rede triturou Levy Fidelix durante as eleições. E há ainda uma ampla rede de humor no Brasil, que satiriza o mundo bipolar da política atual, que segue colada a ela. Esse agrupamento se silencia (ou comenta levemente) sobre o 13/15 porque sabe que esse conflito 13x15 não é seu. É uma dinâmica dialética artificial, como os Bots que os constitui.
IHU On-Line - O senhor diz que a nova grande mídia não possui nenhuma relação umbilical com o governo como possuem os "blogueiros progressitas". O que é a nova grande mídia?
Fábio Malini - Usei o termo nova mídia quando cartografei as relações entre esses veículos nascidos em junho de 2013. Uma cartografia para afirmar que a força deles é maior quando se articulam em torno da repercussão e cobertura do mesmo fato. As empresas de jornalismo utilizam do mesmo expediente: para dar abrangência a um fato, os veículos repetem a manchete um do outro. Isso acaba por gerar uma agenda pública, eis o poder da mídia, que é o de pautar o que (não) discutimos.
Construí a ideia a "nova grande mídia" para aludir que midialivristas, perfis de humor e celebridades de redes, juntos, são capazes de agendar a sociedade. Eles já possuem o público. Mas não possuem recursos suficientes para a produção contínua de conteúdos originais. Eis ainda o drama. Drama porque sabemos que muitos desses coletivos são atravessados por dinâmicas que demandam políticas públicas, pontos de cultura, pontos de mídia livre, editais, etc. Seus temas são mais vinculados a pautas específicas e minoritárias, por isso que não são fundados em defender o governo, apesar de serem continuamente cooptados para isso. Suas pautas fazem parte do movimento da sociedade civil.
IHU On-Line - O senhor também vislumbra que no curto prazo o governo terá que ceder ao midialivrismo profuso, afirmando uma pauta política mais radical, em cenário hostil no Parlamento e no Brasil dividido. O que isso significa?
Fábio Malini - Sim, porque a base eleitoral desse governo vem muito desses movimentos. Não há como esses movimentos terem força narrativa sem um horizonte de regulação do mercado de mídia. Ao mesmo tempo, os governos sabem que a abertura do mercado vai fazer inflar novos atores políticos, que disputarão espaço também nas instâncias dos Poderes.
Veja o caso do Podemos, na Espanha. Sua principal liderança, o professor Pablo Iglesias, se popularizou num canal comunitário de tevê. Abrir o mercado, ter o "deixa fazer, deixa passar" da comunicação, significará novas dinâmicas políticas. Quanto maior for a difusão de pautas e programas minoritários, mais os governos (não apenas o federal) tenderão a ter a aliança desses movimentos. Mas é uma aliança que só é possível mantendo essa desconexão com o mundo “chapabranquismo”, porque não há uma “geometria de lados” nessa aliança. Tudo é questão de posição: agora estamos na mesma posição, mas, ali na frente, podemos estar em lugares opostos. Assim é a autonomia desses movimentos.
(Por Patricia Fachin)
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As manifestações de 13/15 de março e a artificialização das redes sociais. Entrevista especial com Fábio Malini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU