Por: Cesar Sanson | 24 Novembro 2014
As manifestações nas últimas semanas mostram que a luta de classes está mais do que acirrada.
A reportagem é de Vasconcelo Quadros e publicada pelo portal iG, 23-11-2014.
A fina garoa paulistana que molhava a Praça Roosevelt na noite de quinta-feira não foi suficiente para afastar os quase 15 mil manifestantes que cercavam o carro de som para ouvir o líder dos movimentos que lutam por moradia. Andando de um lado para outro, Guilherme Boulos distribuía ordens aos militantes, chamava a atenção da polícia para um manifestante que passava mal e, ao assumir o microfone para fechar o evento, pediu às mulheres que fechassem os ouvidos.
“Intervenção militar é o c... Será o poder do povo pelas reformas populares”, gritou com eloquência o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), numa clara resposta aos grupos de direita que, no outro polo ideológico, bradam também em manifestações de rua pelo impeachment da presidente reeleita Dilma Rousseff e por um novo golpe militar.
As manifestações, num período que se imaginava de calmaria com o encerramento da eleição, revelam que a luta de classes está a todo vapor e, caso o caldo entorne – previsão da qual nem os mais conservadores analistas discordam –, esquerda e direita vão disputar palmo a palmo nas ruas o destino do segundo mandato de Dilma.
“Burguesada”
Os desdobramentos do escândalo da Petrobras indicam que a presidente assume em 2015 num cenário tão turbulento quanto imprevisível e que terá de optar entre executar reformas estruturantes ou perder o apoio dos movimentos sociais.
Na noite de quinta-feira, o MTST já contabilizava 500 entidades dispostas a fazer de São Paulo – onde a presidente sofreu sua maior derrota eleitoral – um tambor para as mudanças.
“Aqui somos contra a direita. Não mexam nos direitos do povo. Se cortar no social, 2015 vai ser um ano vermelho”, disse Boulos, advertindo que se tiver que fazer ajustes, o governo que escolha outras áreas. “Vão cortar nos bancos!”, sugeriu, dirigindo-se a classe rival, que ele chamou de “burguesada dos Jardins”.
O líder sem teto não acredita que a incursão da oposição em direção ao mandato de Dilma tenha sucesso. Ele afirma que o esforço dos movimentos progressistas, agora, é evitar que Dilma acabe caindo nos braços da direita e dos conservadores.
Entre as entidades que pretendem transformar 2015 num barulhento ano de mudanças – começando pela convocação de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política – estão OAB, CNBB, CUT, sindicatos e uma infinidade de movimentos sociais, dos quais MST é o de maior envergadura.
Todos esses grupos enxergam na efervescência provocada pelo escândalo da Petrobras a oportunidade histórica que Dilma pode aproveitar para mexer nas estruturas do país ou, se não fizer o que as ruas estão pedindo, correr o risco de ser afogada na inevitável tsunami que dormita nas placas tectônicas da Petrobras.
Na manifestação de sábado, na Avenida Paulista, o cantor Lobão deu meia volta ao se deparar com um carro de som de onde manifestantes gritavam pelo impeachment e exibiam faixas com dizes “SOS Forças Armadas”. Entre os cerca de dez mil manifestantes que saíram às ruas, havia gente francamente favorável à pregação do retorno do militarismo e outros que, pelo menos por enquanto, só falam em rigor nas manifestações. É o caso do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que estava na manifestação, e deu aos jornalistas uma declaração dúbia sobre o impeachment. “Não é o caso no momento”, disse ele. “Impeachment é questão a ser vista quando tiver provas concretas, provas jurídicas”, acrescentou.
Batalhas de rua
“A bandeira contra a corrupção é da esquerda. Nunca foi da direita. A direita sempre corrompeu”, afirma Gilmar Mauro, dirigente do MST. O combate aos desvios de dinheiro público, segundo ele, entrará com força na jornada de mobilizações organizada para o ano que vem. O objetivo dos movimentos sociais é claro: radicalizar o apoio às reformas e, se for o caso, defender o mandato de Dilma diante do previsível esforço da oposição por uma nova CPI que eventualmente termine num pedido de impeachment.
“O dinheiro desviado foi produzido pela classe trabalhadora e faz falta para a reforma agrária e demais áreas sociais”, afirma Mauro. Ele diz que o resgate da bandeira tem dupla finalidade. “Vamos lutar também contra a corrupção legal, que são o capital financeiro e os juros para fazer superávit”, anuncia o dirigente.
Diferentemente das manifestações de junho de 2013, a agenda de mobilizações do ano que vem revela, segundo Mauro, uma pauta clara na batalha entre direita e esquerda: quem irá perder com o esgotamento do modelo econômico da era Lula/Dilma diante da hipótese de ajuste fiscal que ronda a economia? Os movimentos, naturalmente, condicionam o apoio a Dilma a cortes que sacrifiquem os lucros dos grandes e preservem os programas sociais.
“O que se abre nesse momento é a clássica luta de classes no Brasil. Em 2015 ela não se desenvolverá mais no Congresso, que será pior que o atual, mas por meio de batalhas nas ruas”, prevê o dirigente. Mauro acha que a oposição tenta se agarrar nas denúncias de corrupção na Petrobras por inconformismo com o resultado das urnas. E alerta: “Se risco de impeachment implicar em retrocesso, vamos às ruas e vamos com massa!”, diz, lembrando que os movimentos sociais entraram de cabeça para eleger Dilma e, se necessário, vão defender seu segundo mandato. A condição básica, segundo Mauro, é o governo honrar o compromisso pelas mudanças, sem vacilar diante da pressão da oposição ou da direita.
Mãos limpas
A cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos, acha que se ficar comprovado o envolvimento dos partidos políticos, o caso Petrobras torna-se mais amplo e pode levar riscos à própria democracia. Ela diz que o governo tem margem de manobra para agir, mas alerta que deve se antecipar numa ação rápida e precisa. “Tem de apurar, punir, tirar de circulação e fazer devolver o dinheiro”, diz ela.
Antevendo um clima mais radicalizado em 2015, Maria do Socorro afirma que o candidato derrotado, senador Aécio Neves – que defende a abertura de uma nova CPI no Congresso que será instalado em fevereiro – vai reorganizar uma oposição mais ativa para pressionar o governo. Ela lembra, no entanto, que tentativas de vincular Dilma a corrupção seriam inúteis. “O eleitorado que votou em Dilma acredita que ela está punindo”, afirma.
Já o ex-secretário nacional Anti-Drogas Walter Maierovitch, estudioso dos casos envolvendo corrupção política e crime organizado, lembra que as informações divulgadas sobre os desvios na Petrobras colocam o Brasil na mesma condição da Itália, que no início dos anos de 1990 se viu obrigada a fazer a famosa Operação Mãos Limpas.
Lá como cá, diz ele, os partidos políticos sustentavam as campanhas eleitorais através de esquemas de corrupção que corroíam as finanças públicas e minavam a representatividade política.
“A semelhança é total”, diz Maierovitch, referindo-se às mesmas circunstâncias e personagens – inclusive pela figura do delator – do escândalo que derrubou o governo socialista para erigir a 2ª República italiana em cujo vácuo, ironicamente, emergiu a figura complexa e controversa de Silvio Berlusconi.
Maierovitch acha que ao puxar o tema da corrupção durante a campanha eleitoral – prometendo não deixar pedra sobre pedra no caso Petrobras – a presidente Dilma Rousseff entrou num perigoso caminho sem volta.
“Dilma não tem mecanismo para punir. O Ministério da Justiça é fraco e não tem função nesse processo. Quem combate a corrupção é o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Ela deveria dar apoio e estrutura às investigações”, sugere.
Maierovitch vê riscos de o governo ser engolido pela crise caso frustre as expectativas sobre a promessa de uma faxina na corrupção.
Sem um elo factual que ligue o Palácio do Planalto aos desvios, a oposição articula uma nova CPI com a esperança de ligar o dinheiro que saiu da estatal às campanhas eleitorais. A tese poderia respingar em Dilma, mas livraria os corruptores.
Caso as turbulências previstas para 2015 se confirmem, a presidente que homologou as duas leis que amparam as investigações da Operação Lava Jato – a que criou a delação premiada e a que permite pegar os grandes empreiteiros – terá de buscar apoio nos movimentos sociais que estão nas ruas. “Se Dilma for para a direita, azar dela”, avisa Gilmar Mauro.
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Esquerda e direita já ensaiam nas ruas confrontos de 2015 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU