13 Outubro 2014
“Quantos não votaram nessa eleição? Aqui no Rio de Janeiro, o segundo colocado é o voto branco, nulo e abstenções, mas voto nulo, branco e abstenções não disputam segundo turno”, adverte o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase.
Foto: dinheirama.com |
“Estamos diante da ameaça de uma retomada do neoliberalismo e diante de um PT que está satisfeito com as conquistas que fez, ou seja, com um reformismo baixo”.
O comentário é do sociólogo Cândido Grzybowski, ao avaliar a disputa entre PSDB e PT no segundo turno das eleições deste ano.
Para ele, o resultado do primeiro turno das eleições demonstra que os políticos não souberam captar a demanda das manifestações de junho de 2013.
Apesar de haver no mínimo três opções de terceira via à polarização PT e PSDB, somente Marina teve a possibilidade real de sinalizar uma alternativa, mas ela “foi trocando de partido: entrou no PV, depois tentou criar o seu partido, depois entrou para PSB, que é um partido do agronegócio, e (...) jogou fora o que poderia ser uma agenda alternativa”, avalia na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone. PV e PSOL, pontua, também não conseguiram responder aos anseios da população. “O PV nunca foi alternativa neste país, não como partido.
Talvez Eduardo Jorge tenha simbolizado alguma coisa, mas o partido é um partido oportunista, não era nada, tanto que a Marina saiu do PV. O PSOL é um partido de extrema esquerda fundamentalista ao seu modo, e se saiu um ‘pouquinho’ melhor nesta eleição, mas não acho que uma posição como a do PSOL tenha futuro nem possa captar a insatisfação da rua. Ele pode captar a insatisfação de algumas lideranças da rua, mas a rua ficou sem pai e sem mãe.”
Na interpretação dele, as urnas também demonstraram a reação da “classe média”, que está “raivosa” com o PT. “Ocorre que tem uma classe média à custa da qual se fez política social neste Brasil; não foi à custa do dinheiro dos ricos. O dinheiro que saiu para as políticas sociais do PT não foi a renda dos ricos, mas exatamente mexendo na classe média, e essa está raivosa agora”. Contudo, salienta, “a classe média não é a rua; a rua são os batalhadores que chegaram agora, que começam a ter voz”.
Na entrevista a seguir, Cândido Grzybowski também destaca a falta de debate entre os políticos acerca da situação dos indígenas, dos atingidos pela mineração, pelo agronegócio. “Queria saber quantos indígenas se sentem bem com o resultado das eleições. (...) Ninguém falava deles, alguém falou deles? Ninguém falou! Esse é o país real que temos, com favelados removidos, favelados que são colocados em casas do Programa Minha Casa, Minha Vida, mas não têm nem condições de pagar as moradias. Então, que inclusão é essa?”
Cândido Grzybowski é graduado em Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, Rio Grande do Sul, Mestre em Educação, (PUC/RJ)e doutor em Sociologia pela Sorbone, Paris. É diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.
Confira a entrevista.
Foto: economiasociedade.blogspot.com.br |
IHU On-Line - Como o senhor interpreta o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais?
Cândido Grzybowski – Diria que é um ganho para a democracia a Marina não ter passado para o segundo turno, porque ela é uma oportunista, virou a casaca tantas vezes durante a campanha, com propostas que não tinham coerência. A democracia brasileira viu nela uma alternativa no início da campanha, porque ela carregava um simbolismo de novidade, mas ao entender a confusão e o oportunismo dela, que mudou de partido, de aliança, de agenda, de posições, o eleitor se mostrou atento. Esse foi um aspecto mais genérico das eleições, mas o que gostaria de destacar é que fazia tempo que não se discutia o futuro da política e o futuro do Brasil na sociedade. Essa confusão política teve uma contribuição positiva no sentido de nos fazer discutir. A eleição era o assunto dominante nos bares, nas conversas do trabalho, na família, o que é muito positivo. Nós estávamos precisando sair do marasmo que se acentuou depois de junho do ano passado.
IHU On-Line - O que a disputa entre PT e PSDB no segundo turno demonstra sobre a política no Brasil, considerando as jornadas de junho que apontavam um descontentamento com a política?
Cândido Grzybowski – Quando se polariza o debate político - talvez não precisasse ser somente entre dois partidos –, se define melhor aquilo que Gramsci chamava de as correntes de opiniões. Então, é uma disputa de hegemonia no sentido gramsciano da palavra, afinal, que direção imprime este país? Não é que a situação política vá mudar de um dia para outro, mas aponta uma direção. Simplificando, diria que estamos diante da ameaça de uma retomada do neoliberalismo e diante de um PT que está satisfeito com as conquistas que fez, ou seja, com um reformismo baixo. Então, de um lado, não se atende às expectativas de grande parcela da população que queria que se aprofundassem as mudanças e, de outro, há a possibilidade de volta de algo que é um projeto que eu, que venho do Fórum Social Mundial, só posso ser contra.
IHU On-Line - As manifestações de junho de 2013 expressaram algo nessas eleições? Como explica a participação de três candidaturas de terceira via à polarização PT e PSDB nas eleições e o retorno dessa polarização?
"O espectro da rua está no ar e não acho que essa eleição vai resolver essa questão"
Cândido Grzybowski – Quem tinha uma possibilidade de representar a terceira via pelo seu passado era a Marina, só que a democracia não vive sem instituições, e Marina não tinha um partido. Ela foi trocando de partido: entrou no PV, depois tentou criar o seu partido, depois entrou para o PSB, que é um partido do agronegócio, apesar de sua agenda de modernização ser exatamente contra o agronegócio.
A primeira coisa que ela fez no ato de campanha foi falar com o pessoal do Etanol e se aliar com Beto Albuquerque, um gaúcho que é defensor do agronegócio. Então, ela jogou fora o que poderia ser uma agenda alternativa, porque o PV nunca foi alternativa neste país, não como partido.
Talvez Eduardo Jorge tenha simbolizado alguma coisa, mas o partido é um partido oportunista, não era nada, tanto que a Marina saiu do PV.
O PSOL é um partido de extrema esquerda fundamentalista ao seu modo, e se saiu um “pouquinho” melhor nesta eleição, mas não acho que uma posição como a do PSOL tenha futuro nem possa captar a insatisfação da rua. Ele pode captar a insatisfação de algumas lideranças da rua, mas a rua ficou sem pai e sem mãe.
O espectro da rua está no ar e não acho que essa eleição vai resolver essa questão, porque nenhum candidato assumiu exatamente as demandas da rua. Marina não assumiu claramente isso, assim como nenhum dos outros dois candidatos (Eduardo Jorge e Luciana Genro). O PSOL pode até dizer que assume, mas ele não tem legitimidade nenhuma na campanha. Por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo teve um terço dos votos de antes de 2013, e ele não criou nada de nada. Essa é a decepção com esse tipo de partido; ele não conseguiu criar uma via alternativa que era possível de ser criada aqui no Rio. O Rio de Janeiro é uma confusão, talvez o estado mais confuso que sai dessa eleição. Aqui não se sabe para onde vai.
IHU On-Line - O que explica a eleição de candidatos como Bolsonaro no Rio de Janeiro, por exemplo, sendo um dos candidatos mais votados?
Cândido Grzybowski – Esse é um exemplo. Bolsonaro teve uma votação especial, mas Freixo também teve. E o que isso significa? Sei lá. Aqui no Rio, ao mesmo tempo, o Aécio foi o terceiro colocado. Aqui é a confusão, mas essa confusão também teve seu epicentro aqui em 2013 e em São Paulo, em ocasião das jornadas de junho. Em São Paulo eu não sei o que está se passando, porque o Alckmin, com todo o desastre que está seu governo, ganhou desse jeito. Isso revela confusões à vista.
Nós não vamos resolver a crise da política porque ela não é só do sistema político, é mais profunda. Temos de recriar condições de discutir o país, que tipo de política deve-se implementar, que tipo de desenvolvimento queremos, quais direitos de cidadania garantir. Será que basta ser consumidor ou precisamos de direitos universais? O Brasil é uma sociedade mudada, mas não completa. Tem possibilidades de mudar, mas não sei se as possibilidades sairão dessa eleição.
IHU On-Line - Teria que ter surgido um candidato das manifestações de junho? Isso seria uma alternativa, apesar de os manifestantes terem recusado a participação dos partidos?
Cândido Grzybowski – As manifestações foram uma expressão de cidadania, e o que faltou foi as lideranças políticas captarem o que as ruas diziam; isso não ocorreu, parecia que iria ocorrer, mas não ocorreu. As ruas estão sem pai e sem mãe. O problema das manifestações de rua é que elas foram contra qualquer institucionalidade em um primeiro momento, porque também colocaram em questão os movimentos mais instituídos, as estruturas sindicais. Quase todas as greves que ocorreram foram contra dirigentes sindicais, e apesar de os dirigentes fazerem acordos, as greves continuaram: dos garis, dos professores.
Quantos não votaram nessa eleição? Aqui no Rio de Janeiro, o segundo colocado é o voto branco, nulo e abstenções, mas voto nulo, branco e abstenções não disputam segundo turno.
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"Quantas oligarquias políticas nós temos? Quase tantas quanto partidos. Isso não significa projeto de país, significa manutenção de privilégio" |
IHU On-Line - Quais as vantagens e desvantagens de mais quatro anos de gestão do PT no governo federal e, ao mesmo tempo, mais quatro anos de PSDB em São Paulo, por exemplo? Qual é o impacto de eleições consecutivas para a democracia?
Cândido Grzybowski – A questão não deveria ser colocada nesses termos. A questão é saber se o partido vai conseguir se renovar. A minha questão é essa: o Aécio não está propondo renovar, ele está propondo retomar a agenda que o PT venceu em 2002, retomar as coisas do Fernando Henrique, como se aquilo fosse a solução para o país; é a volta a se aliar com os Estados Unidos, com a Europa, e provavelmente eles estão apostando tudo no Aécio. Mas o PT não fez as reformas que deveria fazer, não fez nenhuma. Quer dizer, implementou políticas sociais, extremamente necessárias, mas será que só isso era possível? A questão é: será que agora a ficha vai cair? A questão é que se a ficha cair em algum lugar, vai ser numa possível continuidade do PT.
Em São Paulo, eu sei, contra tudo o que a mídia está dizendo, que a avaliação da população é extremamente positiva do governo Fernando Haddad pela prioridade que ele está dando ao transporte público, por exemplo, uma radical prioridade ao transporte público, limitando as vias para carros.
Ocorre que tem uma classe média à custa da qual se fez política social neste Brasil; não foi à custa do dinheiro dos ricos. O dinheiro que saiu para as políticas sociais do PT não foi a renda dos ricos, mas exatamente mexendo na classe média, e essa está raivosa agora. Mas a classe média não é a rua; a rua são os batalhadores que chegaram agora, que começam a ter voz, que têm mais escolaridade, mas não têm história; eles não tiveram a experiência da ditadura e por isso questionam com mais facilidade a democracia que temos. Nós podemos fazer comparações com a ditadura, com governos anteriores, mas o que eles eram em 1994 quando se implantou o Plano Real? A maioria nem tinha nascido. Então, esse é o país real, com liderança política velha, apesar da renovação que se faz na Câmara. Quantas oligarquias políticas nós temos? Quase tantas quanto partidos. Isso não significa projeto de país, significa manutenção de privilégio e isso está em todos os partidos, perpassa a cultura política e isso é ruim para a democracia. Então, será que vamos conseguir avançar com a agenda? Sou dos que acham que tem de voltar à base, a educação de base, as comunidades de base.
Queria saber quantos indígenas se sentem bem com o resultado das eleições. E não ache que eles votaram no PSOL ou na Marina. Esses que estão aí resistindo e brigando com agronegócio, com as grandes empreiteiras, os atingidos pelas minas, talvez até se abstiveram, porque era uma escolha maluca a fazer. Ninguém falava deles, alguém falou deles? Ninguém falou! Esse é o país real que temos, com favelados removidos, favelados que são colocados em casas do Programa Minha Casa, Minha Vida, mas não têm nem condições de pagar as moradias - e eu estou falando isso tendo em vista os estudos reais feitos no Rio de Janeiro. Então, que inclusão é essa?
IHU On-Line - A que o senhor atribui o fato de os partidos não terem uma base social forte como havia no passado com o PT?
Cândido Grzybowski – Agora a base social forte é quem financia a campanha; esse é o nosso problema. Criou-se um mercado eleitoral e não exatamente um espaço em que a cidadania, que é instituída e constituída, exerce plenamente o seu direito; o direito é manipulado pelo poder do dinheiro. E isso vale desde o Pastor Everaldo até Marina e Dilma. Vamos olhar a arrecadação de fundos: ganha quem arrecada mais; é dramático.
Mesmo esses partidos de ocasião – porque nós temos muitos desses – existem para a venda de tempo na televisão; eles se financiam vendendo espaço na legenda. Eles trazem pessoas com dinheiro, que veem na política a possibilidade de emancipação social, porque o salário de deputado não é desprezível, e esses candidatos pagam para o partido para terem uma legenda, e os partidos vendem o seu tempo de televisão se coligando com outros, e assim se formam as coisas. Então, nós estamos em uma sociedade de mercado, não é só economia de mercado, e esse é o principal entrave à democracia brasileira no momento. E nesse contexto alguém vem e diz que temos de fazer a economia florescer e ter menos Estado. Bom, aí estamos desesperados.
IHU On-Line - Em que consistiria uma reforma política no sistema eleitoral? É positivo ter tantos partidos disputando as eleições?
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"Esses partidos de ocasião – porque nós temos muitos desses – existem para a venda de tempo na televisão; eles se financiam vendendo espaço na legenda" |
Cândido Grzybowski – É positivo e fundamental termos a expressão da diversidade, só que não acho que os 32 partidos que existem no Brasil exprimem a diversidade, tanto é que são incapazes de eleger negros, mulheres e indígenas, por exemplo. A existência de correntes com capacidade de virar autônomas dentro de partidos é fundamental. Nesse caso, a reforma não é só eleitoral e do sistema partidário, é da política enquanto tal, é reconquista dela enquanto espaço de significação da vida coletiva.
Nós vamos ter de fazer movimentos como esse de junho do ano passado, dez vezes mais potentes, porque a única maneira de desempatar isso é colocando em questão a institucionalidade que temos. Eu sempre defendo que uma causa legítima está acima da legalidade, e se foram as ruas que fizeram a transição do regime militar com as “Diretas Já” de trinta anos atrás, tem que haver movimentos dessa envergadura.
IHU On-Line - Como o apoio do PSB e do PV à candidatura de Aécio poderão repercutir no segundo turno?
Cândido Grzybowski – Não sei. Desconfio que esses – a Marina em particular talvez – perderam legitimidade para que a sua declaração de votos signifique levar os 20 milhões para um lado, e isso vale para posições como a do PV também. A disputa está entre um tipo de social-democrata conservador, como é o PSDB, e o PT, que é um social-democrata um pouco mais progressista. Precisaríamos conseguir construir uma agenda das transformações necessárias na sociedade, um grande movimento amplo, mas com o apoio da cidadania. Movimentos se constroem no bê-á-bá, ouvindo as pessoas, extraindo, como diz Gramsci, o bom senso que está no senso comum.
(Por Patricia Fachin)
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Eleições 2014: “uma escolha maluca a fazer”. Entrevista especial com Cândido Grzybowski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU