17 Setembro 2014
Referência teórica entre integrantes do PSDB - é muito próximo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -, o filósofo José Arthur Giannotti diz que o partido não conseguiu se articular como oposição durante os governos petistas, razão pela qual está virtualmente fora do 2.º turno da eleição presidencial. Para o futuro, o filósofo prevê uma divisão ideológica entre os tucanos. De um lado, mais à esquerda, José Serra, líder nas pesquisas para a vaga paulista no Senado. De outro, mais à direita, o governador Geraldo Alckmin, favorito na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Aécio Neves, diz Gianotti, deixará o topo da pirâmide partidária.
A entrevista é de Pedro Venceslau, publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 14-09-2014.
Eis a entrevista.
Como explica o fato de Marina Silva ter roubado do PSDB os eleitores antipetistas, como mostram as pesquisas de intenção de voto da disputa presidencial?
Em primeiro lugar é preciso esclarecer que sou um "tucanoide", e não um tucano. Já fui petista e agora meu voto é útil. Estávamos com um cenário polarizado entre PT e PSDB. Mas o PT veio para o centro, se corrompeu e criou uma situação em que o adversário não existia como força política. Quando você não tem uma oposição organizada, em geral quem ocupa esse espaço é uma dissidência da própria base aliada (como ocorreu com Eduardo Campos e Marina Silva, ex-ministros do governo Lula). O PSDB não conseguiu se articular como oposição.
Por quê?
Porque não teve discurso. Na medida em que o PT foi para o centro, ele roubou o discurso do PSDB. O PT virou o grande interlocutor com as forças capitalistas e populares, o que era o projeto da social democracia.
Mas embora tenha sempre poupado o ex-presidente Lula, Aécio se posicionou claramente como candidato de oposição a Dilma durante a campanha...
Ficou com uma imagem meio ambígua. Tanto é assim que ele precisa agora sair correndo para Minas Gerais para salvar a candidatura que ele apoia. Aécio não afirmou uma liderança realmente decisiva. E no Senado demorou. A oposição ficou apenas verbal e não teve força para fazer a luta política entre amigos e inimigos. Quando isso acontece, ou há dissidência na base aliada ou surge a demanda por um salvador da pátria. Já assisti ao Fernando Collor e ao Jânio Quadros.
Dá para compará-los com Marina, como fez Dilma?
Não, mas dá para lembrar deles na medida em que vem alguém religiosamente para salvar a pátria e depois tem uma enorme complicação na montagem do governo. A Marina não é um Collor, mas no sistema ela estava isolada. Não soube organizar o partido dela, a Rede, e foi obrigada a se aliar ao Eduardo Campos. Quando o avião cai, ela se acha predestinada a salvar a pátria e começa com esse discurso. A partir do desastre, ela lembra Jânio e Collor ao dizer que veio para salvar a pátria. O resultado é que o Aécio começou a murchar. Ao meu ver, essa tendência é irreversível. Agora temos um problema muito sério: uma crise de Estado.
Há uma crise de Estado?
Nossos analistas, que estão fortemente marcados pelo sociologismo, não veem essa crise. Quem viu e disse isso foi uma jurista, a Carmem Lúcia. Uma crise de Estado acontece quando você decide em cima e a decisão não chega embaixo. E o Estado, dessa forma, não funciona. Já temos uma crise de decisão. Ela continua se Dilma ou Marina vencerem.
E se o Aécio vencer?
O Aécio não vai ganhar.
Como seria um segundo mandato de Dilma?
O PT e particularmente o Lula vão interferir muito mais no governo. Ele vai interferir na política econômica. Já obrigou a Dilma a dizer que o novo governo terá uma nova equipe.
E o governo Marina?
Ela teria que organizar sua base e sua equipe de governo. Obviamente não vai precisar desta base aliada enorme que destruiu o Estado para ser construída e criou 39 ministérios. Nem a Dilma lembra quais são os ministros. Marina precisa encontrar uma nova funcionalidade.
O que será do PSDB depois da eleição?
Teremos um PSDB estilhaçado, mas tenho a impressão que o partido sairá com governadores e senadores fortes.
Aécio deixará de ser a grande liderança tucana nacional?
Ele voltará ser o que sempre foi: uma liderança do PSDB, mas não mais a ponta da pirâmide. Ideologicamente, o partido aparece com duas pontas: o Alckmin bem mais à direita e o Serra bem mais à esquerda.
Aécio disse que, em caso de derrota, vai para a oposição. Acha que isso vai acontecer?
Tenho a impressão que não. Nem ele nem o PSDB. Ele vai compreender que para fazer o antipetismo é preciso que ele apoie a Marina. Há um fenômeno interessante. O antipetismo está bem instalado na política brasileira hoje. É uma tremenda força. E não venham dizer que é esquerda contra direita.
A pauta evangélica tem grande peso na campanha presidencial. Como avalia isso?
Estamos assistindo à montagem de uma enorme bancada evangélica. Quando há uma crise de Estado, os conflitos religiosos aparecem. Quando não há uma estrutura do poder central organizando a sociedade, Deus aparece como o centralizador. Isso está evidente no Oriente Médio. O avanço evangélico é um sintoma da crise de Estado.
O fato da Marina ser evangélica pesa nesse sentido?
Isso colabora para que ela venha na onda da salvação da pátria e do Estado.
Por que as manifestações de junho não formaram líderes ou candidatos?
Movimento popular desse tipo é como fogo-fátuo. Ele surge e desaparece. Essas redes sociais são extremamente importantes, mas não criam líderes. As lideranças políticas são, na verdade, formadas pelo processo partidário.
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PSDB não soube atuar na oposição, afirma Giannotti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU