05 Abril 2024
"Pode até ser que Dom Georg mereça essas acusações, mas não é bonito que o próprio Papa o acuse, diante de todos, condenando-o sem misericórdia, sem possibilidade de se defender", escreve Lucetta Scaraffia, jornalista e historiadora italiana, em artigo publicado por La Stampa, 03-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O nosso Papa, mais uma vez, está liderando os rankings de vendas com o seu livro-entrevista biográfico, o mais recente de uma longa série. E para atrair novos leitores, que já sabem tudo sobre os pais emigrantes, sobre a avó, sobre as namoradas (às vezes uma, outras vezes duas), Bergoglio sabe inserir algo novo, pequenos furos que sempre servem para chamar a atenção. Sabemos muito bem: Francisco é realmente bom em criar e controlar a sua imagem, em despertar o interesse do público. Nunca antes houve um papa que, como ele, conseguisse se manter por anos nas telas. O próprio João Paulo II — que até foi ator e nos deixou lembranças de alguns momentos de grande dramaticidade e força vividos diante de audiências mundiais — jamais conseguiu alcançar tamanho sucesso midiático.
Mas é isso que queremos de um papa? Essa é a maneira certa de transmitir a mensagem evangélica para aqueles que a esqueceram ou nunca a conheceram?
Penso que tanto os crentes como os não crentes, que, no entanto, reconhecem o Papa como uma figura moral central e de grande importância, lhe peçam essencialmente uma orientação, um ensinamento para enfrentar os tempos difíceis e duros que estamos vivendo. Misericórdia e fé na infinita misericórdia de Deus Pai constituem o coração do seu ensinamento e se concretizam numa maior atenção por aqueles que podem ser considerados pecados contra o próximo — como a indiferença para com as vítimas das guerras, os migrantes, os pobres — que vêm substituir, como gravidade, os pecados individuais, ou seja, aqueles que tradicionalmente foram definidos como os pecados da carne, durante séculos considerados os mais perigosos para as almas. Misericórdia também significa perdão, renúncia a julgar os outros e por isso recusa a proferir calúnias e fofocas que possam prejudicá-los. O Papa Francisco repete frequentemente que as palavras más podem causar muitos danos e também maculam quem as profere. Surge a suspeita, porém, que Bergoglio pense que o Papa possa abrir mão de seguir essas sábias regras.
No último livro-entrevista, de fato, fala de Georg Gänswein, o secretário de Bento XVI, como de uma pessoa desprovida “de nobreza e de humanidade”. Uma acusação gravíssima, que de fato envolve também o antecessor, que o escolheu e manteve como secretário até o fim. Uma acusação que vem do chefe visível da Igreja, do homem mais poderoso da Igreja, contra um homem que o próprio Papa privou de todo encargo e que nem sabe exatamente que fim terá.
As palavras de Francisco são quase sempre nobres e belas, quase sempre ricas de ensinamentos, mas sabemos que o verdadeiro mestre transmite sobretudo através do seu exemplo pessoal, a sua capacidade de estar à altura das belas palavras que profere. Pode até ser que Dom Georg mereça essas acusações, mas não é bonito que o próprio Papa o acuse, diante de todos, condenando-o sem misericórdia, sem possibilidade de se defender.
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O marketing do bom pontífice. O ataque de Francisco ao “inumano” Georg. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU