12 Março 2024
O coração do Papa está angustiado pelas muitas vítimas da guerra na Ucrânia. É preciso “procurar os caminhos de paz". E, em primeiro lugar, a Rússia “deveria parar de matar”. Monsenhor Visvaldas Kulbokas, núncio apostólico na Ucrânia, contextualiza a declaração do Papa sobre a “bandeira branca" de Kiev.
“São questões muito sérias, não devem ser abordadas com perguntas isoladas”, afirma o arcebispo lituano. “O Papa deveria ter a oportunidade de se explicar de forma mais articulada. O Papa respondeu com linguagem espiritual a uma questão política. Mas tenho dificuldade para compreender como se possa começar perguntando se a Ucrânia deve ou não hastear a bandeira branca. Por que partir da vítima, do agredido? Mas que tipo de pergunta é essa?”.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 11-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
O Papa na sua resposta concordou com a pergunta, especificando que “a negociação nunca é uma rendição”…
Pergunto-me porque é que o jornalista usou a imagem da bandeira branca. Se significa o convite a todas as partes para procurar os caminhos para a paz, então é uma imagem que me parece corretíssima. Evidentemente, o coração do Papa está angustiado pelas muitas vítimas da guerra na Ucrânia, a começar pelas crianças. Para parar a guerra, o Papa é o primeiro a hastear a bandeira branca, no sentido de convidar todos ao diálogo, porque o derramamento contínuo de sangue causa-lhe aflição. Além disso, se o jornalista quisesse fazer um discurso equilibrado, deveria perguntar primeiro ao Papa o que ele acha que a Rússia deveria fazer. Basta abrir os olhos: de onde vieram os mísseis, os tanques e os soldados dois anos atrás? Da Ucrânia para a Rússia ou da Rússia para a Ucrânia? A resposta é empírica, não são necessárias nem a filosofia nem a teologia. Comecemos por isso: para acabar com a guerra o que o Papa diria à Rússia?.
Isso, o que o senhor diria à Rússia?
Que deveria parar de matar. A lei número um é não matar, muitos cristãos e muitos muçulmanos que vivem na Rússia também pensam assim. E, em vez disso, continuam a matar, mesmo esta noite, mesmo esta manhã. Não matar, não enviar soldados, mísseis, drones ou ameaças ao território ucraniano, esse é o ponto número um. Ao Papa, e também a mim, como seu representante, cabe um discurso espiritual, moral e humanitário e não político. A minha primeira tarefa é rezar por todos, por aqueles que agridem e pelos agredidos: quando rezo peço que a Rússia não mate mais e que a Ucrânia encontre a forma mais sábia possível de lidar com essa agressão, com essas dores imensas. É uma questão que os ucranianos se fazem”.
Como deve ser lido, sob esse ponto de vista, o convite do Papa para negociar?
A hipótese da negociação existe, é discutida pelos políticos e pela sociedade na Ucrânia. Mas essa hipótese também é acompanhada pela pergunta: o que levará a mais vítimas? Tentar enfrentar a guerra ou render-se? Os ucranianos conhecem a sua história, sabem o que aconteceu várias vezes, sabem que o custo de se submeter a um poder desse tipo na história custou muito mais: não só as vítimas, mas também as torturas pessoais e aquelas coletivas como o Holodomor. E então nos perguntamos: o que produzirá mais vítimas, tentar se opor ao agressor ou fazer algum acordo? E se sim, que tipo de acordo? Não pode ser uma submissão.
O que os ucranianos deveriam fazer?
“Não pretendo ter tanta sabedoria a ponto de ter uma resposta. Quando discutimos com os ucranianos, fazemos isso sob a forma de diálogo: trata-se de fazer perguntas uns aos outros e de refletir juntos. Fazemos perguntas uns aos outros, ouvimos, refletimos juntos: não tenho uma receita”.
Isso alinha-se com o convite a não fechar a porta às negociações?
Certamente, esse convite faz parte da missão da Igreja e da Santa Sé. Essa missão é por vezes chamada de "a arte da paz pelo diálogo". Encorajamos a abertura e o diálogo entre os povos, isso é indiscutível, e o Papa quis sublinhar esse aspecto. Para um crente, toda a humanidade deveria conviver como irmãos e o diálogo é uma das principais expressões da fraternidade, e também o instrumento para superar os obstáculos mais graves.
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“Francisco sofre pelas vítimas e pede para abrir caminhos de diálogo”. Entrevista com Visvaldas Kulbokas, núncio apostólico na Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU