Dom Erwin Kräutler, bispo emérito da diocese mais extensa da Amazônia, se levanta em defesa do Sínodo

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26 Julho 2019

Erwin Kräutler, 80 anos, diz que as mulheres, assim como os homens casados, devem ser elegíveis para o sacerdócio.

A reportagem é de Christa Pongratz-Lippitt e Robert Mickens, publicada por La Croix International, 24-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que será realizada em outubro próximo no Vaticano, não será desviada por aqueles que criticaram duramente o documento de trabalho da assembleia (Instrumentum laboris).

Essa é a promessa do bispo Erwin Kräutler, um Missionário do Preciosíssimo Sangue austríaco, que passou a maior parte de sua vida adulta servindo às pessoas da vasta floresta tropical brasileira. Ele é uma das 18 pessoas que o Papa Francisco nomeou no ano passado para o conselho pré-sinodal que vem preparando a próxima assembleia sobre a Amazônia.

O bispo de 80 anos se aposentou em 2015, após quase 35 anos como chefe da Prelazia Territorial do Xingu, a maior diocese geográfica da Amazônia. Abrangendo uma área de 368.000 metros quadrados, o Xingu seria o quinto maior Estado estadunidense, atrás apenas do Alasca, Texas, Califórnia e Montana.

“Estamos preocupados com as pessoas da nossa região”

Kräutler tem sido um árduo defensor dos direitos dos povos indígenas da região amazônica. E, por isso, ele tem sido odiado e criticado pelos ricos proprietários de terras.

De 2006 a 2015, ele foi presidente do Conselho Indigenista Missionário, apoiado pelos bispos brasileiros, uma organização cujo principal objetivo é apoiar os povos indígenas em sua luta pela recuperação, demarcação e integridade de seus territórios.

Por causa disso, e apesar de estar aposentado, Kräutler está desempenhando um papel ativo na próxima assembleia do Sínodo. E, em uma recente série de entrevistas com a mídia austríaca, ele defendeu o Instrumentum laboris da assembleia contra aqueles que se opõem ao texto e até mesmo à própria assembleia.

“Estamos preocupados com as pessoas da nossa região”, disse ele. “Mas, para os adversários do Sínodo, as leis e normas criadas pelos seres humanos são de importância primordial.”

O bispo, que é conhecido simplesmente como Dom Erwin, disse que a maioria desses opositores nunca esteve na região amazônica e não têm a intenção de abordar os problemas reais da assembleia sinodal.

Um dos mais agressivos dele tem sido o cardeal alemão Walter Brandmüller, um historiador da Igreja de 90 anos, que chamou o documento de trabalho de herético e de neopagão.

Mas Dom Kräutler rejeita a acusação e diz que a assembleia do Sínodo seguirá em frente e discutirá, em profundidade, a implacável exploração em curso da floresta tropical na região amazônica e a drástica escassez de padres. Ele disse que esses serão os principais pontos da pauta, acrescentando que também são de importância mundial vital.

Lutar pelos direitos dos povos indígenas

O bispo destacou que os cientistas provaram que a região amazônica desempenha um papel crucial no ciclo global de carbono que ajuda a moldar o clima mundial. Ele disse que, se a destruição e o desmatamento implacável atuais continuarem, as consequências serão sentidas não apenas na América Latina, mas também em todo o Hemisfério Norte.

Kräutler disse que a Igreja tem o dever de imprimir em todas as pessoas do mundo a sua responsabilidade para com as gerações futuras, repetindo as palavras do Papa Francisco da encíclica papal Laudato si’, de 2015:

“Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós” (LS 14).

Dom Kräutler disse que os europeus às vezes acham difícil entender o estilo de vida dos povos indígenas, mas disse que é muito importante aceitar que a sua base de vida (Lebensgrundlage) não é de modo algum menos valiosa do que a nossa.

“Isso demanda de nossa parte uma solidariedade amorosa e uma mente aberta para outras culturas”, disse.

“Evangelizar, em primeiro lugar, significa ‘reconhecer’ a presença de Deus nas diversas culturas. Significa comprometer-se com o tipo de serviço que Jesus realizou no Lava-Pés”, acrescentou.

O bispo missionário falou sobre um tipo de evangelização que é um “diálogo olho no olho, sem qualquer vestígio de arrogância ou de pressuposição religiosa”.

“Não queremos forçar o nosso estilo de vida sobre os povos indígenas, mas devemos lutar com eles pelos seus direitos, especialmente pelo direito aos seus territórios ancestrais, o que está estabelecido na Constituição”, disse.

Além das questões ambientais e territoriais, a assembleia do Sínodo também examinará questões relacionadas ao ministério pastoral, especialmente a extrema falta de padres.

Quem será ordenado para presidir a Eucaristia?

“Pede-se que, em vez de deixar as comunidades sem a Eucaristia, se alterem os critérios para selecionar e preparar os ministros autorizados para celebrá-la”, observa o Instrumentum laboris.

Uma proposta antiga, que nunca foi implementada, é ordenar homens casados de virtude comprovada (viri probati). Críticos dizem que os progressistas da Igreja esperam usar a assembleia sinodal para a região pan-amazônica para aprovar o plano e depois usá-lo como um “cavalo de Troia” para sancionar um sacerdócio casado em outras partes do mundo também, como na Europa.

Mas os mesmos críticos argumentam que, estatisticamente, a falta de padres em lugares como a Áustria é pouco significativa em comparação com a Amazônia.

Dom Kräutler disse que esse tipo de raciocínio falha em abordar a realidade.

Ele ressaltou que a situação na Áustria mudou “drasticamente” nas últimas décadas. Enquanto cada paróquia católica do país, por menor que fosse, tinha o seu próprio pároco (alguém que conhecia as “suas próprias ovelhas e tinha ‘o cheiro das ovelhas’, como diz o Papa Francisco”), hoje, frequentemente, um padre é responsável por várias paróquias.

“Como esses padres, que correm de paróquia para paróquia com luzes azuis piscando, podem possivelmente adquirir o cheiro das ovelhas hoje?”, perguntou o bispo.

Ele disse que é crucial lembrar que celebrar a Eucaristia significa que todos os membros de uma comunidade específica se reúnem em um espírito de conscientização comunitária (Gemeinschaftsbewußtsein).

“Quando dizemos ‘Anunciamos a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição’, a ênfase é no ‘nós’. O rito dominical consiste em duas partes: a Liturgia da Palavra e a celebração da Eucaristia. E não celebrar a Eucaristia é contra o mandato expresso de Jesus: ‘Fazei isso em memória de mim’”, disse o bispo.

Mulheres casadas de virtude comprovada?

Quanto à proposta de admitir homens casados de virtude comprovada ao sacerdócio, Kräutler disse preferir o termo “pessoas casadas” de virtude comprovada, porque é “menos específico em termos de gênero”.

Ele observou que mulheres casadas e comprometidas presidem muitas comunidades católicas indígenas na Prelazia Territorial do Xingu. Essas mulheres não só celebram a Liturgia da Palavra aos domingos, mas também batizam, preparam as pessoas para o batismo e a confirmação, e visitam os doentes.

“Por que não seria possível ordenar essas mulheres? Mas não apenas em casos excepcionais em que haja falta de padres. As mulheres não são tapa-buracos quando não há homens suficientes por perto!”, exclamou o bispo.

“O argumento de que não havia mulheres presentes na Última Ceia é simplesmente pouco convincente. Se isso fosse tão decisivo, as mulheres nem sequer poderiam receber a Eucaristia”, concluiu.

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