26 Novembro 2021
"Não existe pessoa que não queira viver. O instinto de sobrevivência é a força mais arraigada que existe. Se alguém como "Mario" chega ao ponto de querer o suicídio assistido, não é porque quer morrer, mas porque quer viver, viver inclusive a sua morte. É crucial entender isso. A morte é inevitável, mas pode ser encarada como pessoa consciente, mesmo em condições fisicamente dramáticas”. É com veemência que exclama isso Vito Mancuso, teólogo e filósofo católico considerado por grande parte da galáxia eclesial um "herege".
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 25-11-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como você define a decisão do Comitê de Ética sobre "Mário", tetraplégico há 10 anos?
Inevitável. Tinha que acontecer e aconteceu. Existe uma lógica dentro da qual a humanidade vive que se chama de evolução, processo, transformação. Portanto, penso que hoje o exercício da ética em nosso tempo não possa prescindir da autodeterminação sobre si mesmos que, aliás, como lembrava Hans Küng, não está em contraste com a doutrina católica.
"Inevitável" significa que chegou com atraso?
Talvez estejamos na hora certa. No sentido de que para obter um amplo consenso de nossa sociedade sobre questões tão delicadas era necessário passar por onde passamos. Esse reconhecimento é o que nossa comunidade precisa para que possa existir ética e liberdade. Do contrário, haveria apenas imposição.
A Igreja afirma que os cuidados paliativos são o caminho para casos como o de "Mário": isso é suficiente?
Para alguns doentes, sim. Para outros, não. E só a consciência do indivíduo envolvido em casos tão delicados pode dizer se eles são suficientes. Infelizmente, a Igreja em uma série de questões de moral individual e, mais ainda, de direitos humanos nem sempre brilhou por estar na vanguarda. Justamente a Igreja, que deveria ser impulsionadora e iluminadora no cuidado da vida consciente e livre, muitas vezes jogar uma partida na retranca.
Mas então, qual deveria ser o ponto de referência para um cidadão católico em tais questões?
É a consciência, que segundo o Concílio Vaticano II é o verdadeiro lugar onde o espírito de Deus fala ao homem, uma espécie de santuário que todo ser humano tem dentro de si. Quando estamos na presença de um Estado como o nosso que garante o exercício da liberdade de consciência, somos afortunados. Portanto, acredito que os católicos são chamados a serem fiéis à reta consciência. E o que é certo ou errado quando se trata da existência física em grave sofrimento só pode ser julgado por quem está na situação concreta.
Para a Igreja, a vida é sagrada e inviolável. E quanto à liberdade individual?
Mas de que vida estamos falando? Daquela de um ser humano, que não é apenas existência biológica, mas também espiritual. Então, o que é realmente sagrado e inviolável? A consciência, que é a expressão da alma espiritual, que às vezes também se determina contra a vida biológica, contra o próprio corpo. E esta é uma manifestação de liberdade, que deve ser igualmente inviolável.
Pode haver um compromisso em um estado laico?
Cuidar a liberdade de consciência. Eu concordo com a sacralidade da vida, mas devemos acrescentar da vida consciente e livre. E o respeito pela sacralidade da vida deve ser tão elevado que conduza ao respeito pela decisão de cada ser humano, especialmente quando se trata de sua existência marcada por uma dor lancinante provocada por uma doença irreversível.
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“Em questões de ética e direitos a Igreja não brilha. A vida é sagrada, mas só se for livre” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU