15 Março 2017
“Foi quando eu decidi dar mais uma volta de carrossel – como escrevia Tiziano Terzani – que eu cancelei o meu encontro com a morte em Zurique. Isso não significa que eu não estivesse e ainda não esteja irritado com a minha doença. Estou cada vez mais exausto, a cada dia as dores pioram, eu dependo integralmente dos outros. Mas estou obstinadamente apaixonado pela vida. E tenho a intenção de ficar, enquanto for possível, aqui na terra.”
A reportagem é de Maria Novella De Luca, publicada no jornal La Repubblica, 14-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mario Melazzini, diretor-geral da Aifa, a agência italiana dos fármacos, tem 59 anos e, há 10 anos, está em uma cadeira de rodas. É talvez o mais conhecido doente de esclerose lateral amiotrófica (ELA) da Itália, oncologista de renome que se tornou paciente, conselheiro regional em Milão, ex-presidente da Aisla, a associação dos pacientes com ELA.
No seu escritório muito ensolarado no último andar da sede da Aifa, Mario Melazzini conta como é viver com ELA. E por que o testamento biológico não é, na sua opinião, uma escolha de liberdade para os doentes.
Melazzini, o que o mantém vivo?
Eu tenho uma forma de ELA muito lenta. E não tenho vontade de me render. Um pouco como Stephen Hawking. Nós nos escrevemos. Eu compartilho o seu pensamento. A cada dia de vida há algo a se descobrir. Até mesmo em uma cadeira de rodas.
Você está doente desde 2003. Hoje, para viver, precisa de hidratação e alimentação artificiais e de ventilação para respirar.
Sim, e felizmente todas essas coisas existem. A ciência progride. Para mim, ser alimentado com uma bomba no meio da noite não é um ato médico, mas, justamente, a vida. Assim como comer e beber, para os outros. Por isso, estou convencido de que não podem ser interrompidos.
Sim, mas talvez, para outros, tudo isso seria insuportável. Não acredita que eles têm o direito de escolher?
Veja, eu não julgo ninguém, mas, talvez, antes de falar de testamento biológico, seria preciso assegurar a todos um verdadeiro acesso aos tratamentos, apoio à família, a medicina paliativa. A vontade de se render nasce do abandono do paciente.
Mas você estava pronto para o suicídio assistido...
Mas depois tive medo. Além disso, no dia 17 de janeiro de 2003, quando um dos meus colegas me olhou nos olhos e me disse: “Melazzini, você tem ELA”, eu me senti como todos os doentes graves: um náufrago desesperado. Como médico, tornei-me paciente e vi a impotência da medicina.
O primeiro sintoma foi um pé que não conseguia se encaixar no pedal da bicicleta.
Sim, faltava-me a aderência. E depois tantos outros sinais que eu tentava ignorar. Na terceira confirmação do diagnóstico, eu entendi que aquela palavra, ELA, dizia respeito a mim realmente.
O que você fez?
Fiquei furioso, irritado. Preparei-me para ir morrer na Suíça e, depois, ao contrário, desviei. Fui passar um ano sozinho na minha casa da montanha em Livigno. Eu e o Livro de Jó, que me tinha sido dado por um querido amigo jesuíta, Pe. Silvano Fausti.
Você não podia mais escalar aquelas montanhas.
Eu as olhava debaixo para cima e chorava sobre mim mesmo. Uma raiva surda. E levou meses, mas, depois, o meu olhar mudou. Eu entendi que havia coisas que eu não poderia mais fazer, mas eu poderia descobrir muitas outras... Recomecei a olhar para a frente. Por exemplo, a lutar pelos direitos dos pacientes de ELA.
Você fez isso pela sua esposa e pelos seus filhos?
Eu fiz isso porque acredito na vida. Mesmo com ELA.
Há dois anos, você se casou novamente com Monica.
O amor pode nos surpreender em todas as condições.
Você diz que o testamento biológico não é uma prioridade. Mas afirmou que nunca aceitará uma traqueotomia.
É verdade, e deixei isso escrito no meu computador. Mas também escrevi que a minha esposa é quem deverá decidir.
Mas, então, é um testamento...
É uma indicação. Mas, talvez, eu vou mudar de ideia. Assim como sobre a ventilação assistida. Há dez anos, eu nunca a aceitaria. Hoje, agradeço pela existência dessas máquinas.
Você não pode comer nem beber pela boca. Você sente muita falta disso?
Muito. Concedo-me um cappuccino com espessante. Mas você sabe o que eu gostaria como louco? Um panino com pancetta... Paciência. Comi muitos. Estou vivo, e a vida é bela, não só nos filmes.
Uma citação do seu último livro...
Sim, em que eu falo de esperança.
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"Por que eu disse não ao suicídio assistido na Suíça" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU