01 Março 2017
Fabo [músico italiano (DJ) de 39 anos que optou pela eutanásia na última segunda-feira, 28, na Suíça] partiu, lançando uma palavra que queima. “Vergonha” daquele Parlamento [italiano] que se demonstrou incapaz de legislar sobre o fim da vida. Vergonha de deputados e senadores que não assumem as próprias responsabilidades.
(Nota de IHU On-Line: Para saber mais sobre a carta-testamento de Fabo, que foi morrer na Suíça, leia, em italiano, aqui.)
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 28-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Assim, a palavra volta ao Parlamento italiano, que está arrastando a aprovação de uma boa lei sobre o testamento biológico, com o risco de criar uma confusão jurídica. Como denuncia o movimento Noi Siamo Chiesa, a organização dos cristãos de base, “o texto positivo votado em janeiro pela comissão de Assuntos Sociais da Câmara [italiana] foi modificado e piorado. Chegará ao plenário um texto que prevê que o testamento biológico não poderá ser contrário à deontologia profissional”. Com o perigo de que, depois, “se inicie uma campanha que use a deontologia para não respeitar os testamentos”. Uma sabotagem disfarçada de objeção de consciência.
É preciso dizer imediatamente que testamento biológico e suicídio assistido (eutanásia) são duas coisas diferentes. No primeiro caso, trata-se de interromper tratamentos que prolongam uma vida destinada, de outra forma, a terminar. No segundo caso, trata-se de interromper uma existência que um homem ou uma mulher consideram intolerável devido aos sofrimentos físicos e psíquicos.
Hoje, na Itália, o primeiro ponto na agenda é o testamento biológico, um caso que se arrasta há dez anos e para o qual – politicamente – invocar hoje a oposição de uma instituição chamada indistintamente de “Igreja” é apenas um álibi. É claro que existem parlamentares católicos integralistas que se referem a declarações de expoentes da Conferência Episcopal Italiana (CEI) ou a uma “tradição” genérica. Mas, para aqueles que querem se comprometer para enviar a bom termo a lei sobre o testamento biológico, esse é apenas um álibi.
Em primeiro lugar, porque o mundo católico, há décadas, está profundamente secularizado, laicizado e enraizado na convicção da liberdade de consciência e de escolha. Não existe mais há quase meio século um catolicismo monolítico. Ao contrário, existe, no seu interior, uma pluralidade de opiniões, e a maioria dos cidadãos católicos são favoráveis ao testamento biológico, assim como eram favoráveis às uniões civis.
Em segundo lugar, dentro da teologia até mesmo oficial amadureceram, nesses anos, posições claramente contrárias à obstinação terapêutica. Por isso, é inútil e indecente que parlamentares contrários à lei se escondam atrás de uma “Igreja” evocada indistintamente.
Em terceiro lugar, com a eleição do Papa Francisco, terminou a era wojtyliana-ratzingeriana-ruiniana, em que o Vaticano e a CEI intervinham direta e deliberadamente no processo legislativo italiano, até mesmo violando a lei com o apelo à abstenção por ocasião do referendo sobre a procriação assistida. O Vaticano de Francisco não mantêm mais laços sistemáticos com os partidos políticos italianos para impedir ou orientar uma lei.
Com efeito, a Itália, assim como outros países europeus, do ponto de vista confessional, entrou em uma “realidade de mosaico”. Portanto, será preciso se acostumar a ouvir vozes de católicos integralistas e expressões de católicos adultos que abordam laicamente os problemas. Haverá expoentes da CEI que falarão de um modo, e bispos, como Dom Matteo Zuppi, de Bolonha, que, com delicadeza, acompanhou a última viagem de Fabo: “Sobre o sofrimento pessoal, sobre as dificuldades que, infelizmente, são tão evidentes para aqueles que sofrem dessa doença, há apenas a solidariedade e a proximidade”. Acrescentando respeitosamente que “a vida é sempre importante, é sempre bonita”.
Não é o tom daqueles que vetariam o funeral religioso para Fabo ou para qualquer pessoa que tivesse feito a sua escolha, como, tristemente, aconteceu quando os familiares de Welby se viram impedidos pelo cardeal Ruini de realizar as exéquias na igreja de Piergiorgio (a mesma igreja que, em 2015, acolheria o faustoso funeral do “chefão” da máfia romana, Vittorio Casamonica).
É diferente o caso do suicídio assistido: mais correto chamá-lo assim. Eutanásia é uma palavra que embeleza e mascara. Enquanto, de fato, com o testamento biológico, interrompe-se um tratamento médico que, na prática, nada mais faz do que adiar um fim de vida já iminente, a operação eutanásica – o suicídio assistido –, ao contrário, caracteriza-se pela vontade individual de pôr fim à própria existência, considerada não mais suportável, independentemente de uma doença, chamemo-la assim, mortal.
Existe uma antiga tradição que, ao longo dos séculos, respeitou e exaltou aqueles que tiram a própria vida em nome da liberdade e dos valores próprios. Nesse sentido, “liberdade” também significa interromper uma existência considerada intolerável por causa de dores, impedimentos, impossibilidade de viver normalmente. Mas é uma questão que não pode ser abordada com slogans. Saindo do esquema que, durante 200 anos, nos acompanhou – luta da laicidade contra o dogmatismo das Igrejas – será preciso que nos acostumemos com um debate civil e razoável entre posições filosóficas, religiosas, éticas e de valores diferentes. O pluralismo é isso.
Quanto ao catolicismo, percebe-se uma dupla dimensão. Uma que nasce de uma história secular: a tradição da sacralidade da vida. A outra, inspirada em uma preocupação inserida no futuro. Mary Ann Glendon, ex-presidente da Pontifícia Academia das Ciências, observava que um dos problemas de massa do século XXI será (pelo menos no Ocidente) o envelhecimento “difícil” de centenas de milhões de pessoas. O que aconteceria se, nos muitos idosos que vegetam (assim é, infelizmente) em asilos públicos e privados, se instilasse gradualmente a ideia de que é melhor decidir “autonomamente” por acabar com tudo?
É uma interrogação para se refletir.
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Testamento biológico: é inútil e indecente que a política se esconda atrás da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU