02 Março 2017
Partir é doloroso para todos, sempre. Ninguém quer deixar esse lugar. Mas às vezes a vida torna-se um tormento tão insuportável que ficar é mais doloroso do que partir. O suicídio é o último grande tabu do Ocidente, mas nem sempre foi assim. Os estóicos não só o admitiam, mas, em determinadas situações, consideravam-no uma escolha adequada. Sêneca escreve isso claramente em uma carta a Lucílio: "Não é um bem viver, mas viver bem."
O artigo é de Mauro Covacich, publicado por Corriere della Sera, 01-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Então veio o cristianismo, dois mil anos de história que moldaram nosso DNA cultural.
Parafraseando Nietzsche, não é suficiente se chamar de ateu para deixar de ser cristão. O cristianismo impregna a nossa língua. "Um inferno de dor", escreveu o Dj Fabo. Culpa, pecado, vergonha, arrependimento, perdão, redenção, penitência, confissão: são palavras que orientam a nossa forma de estar no mundo. Mesmo o desejo poderia ser vivido diversamente, sem as coordenadas da luxúria e da traição. Portanto, crentes ou descrentes, não deixamos de ser cristãos. No entanto, tenho a impressão de que setores cada vez maiores da sociedade estão prontos para considerar como um direito a decisão sobre o tempo e a forma do próprio fim, em casos de sofrimento extremo e inevitável. Fato que, pelo menos no plano do senso comum (e não do dogma), está longe de ser incompatível com a crença religiosa.
O primeiro a enfatizar isso foi David Hume - empirista, não ateu - que considerava o suicídio uma hipótese viável e que não desrespeitava a Deus: "Quando o sofrimento e as dores ultrapassam a minha tolerância, a ponto de tornar-me cansado da vida, posso concluir que fui chamado a partir do lugar onde havia sido posto" (Do suicídio, de 1757). O raciocínio é claro: Deus, dando-me a vida, também me deu as faculdades que me permitem alterar à minha vantagem as leis da natureza. Aliás, não é justamente isso que a técnica faz desde seu surgimento? Deus aceita que o médico realize um transplante de fígado, ou seja, modifique o curso natural dos eventos estendendo a vida do paciente. Por que não se deveria aceitar que um médico, exaurida toda forma de cura possível, encurtasse o sofrimento de uma pessoa doente, se esta assim o exigisse?
Mas, principalmente, porque devemos aceitar a medicalização da morte? A morte não é uma doença, é a condição essencial de todo ser humano, tenha ele fé em Deus ou não. É uma questão pessoal. Por que a medicina deve dispor dela? A lei sobre o suicídio assistido, a diferença da eutanásia, permitiria subtrair a morte ao aparato hospital, permitiria que o doente mantivesse a sua autonomia de sujeito, devolveria a ele uma posição ereta fora das clínicas (kline, cama).
A possibilidade de uma morte suave, auto-induzida, não fere o juramento de Hipócrates, muito menos a sacralidade da vida. Aliás, seria blasfemo não poder sair de cena com dignidade.
Se eu estivesse nos últimos meses de uma doença incurável, aliviar-me-ia saber que existe uma dose letal de pentobarbital no meu armário de remédios. Ser capaz de decidir o momento em que as dores são insuportáveis, para mim, de acordo com a minha percepção, poder recusar mais uma intervenção cirúrgica paliativa, outra carga de sofrimento pós-operatório, as centenas de tubos invadindo o meu corpo, de novo, mais uma vez, em um quarto de hospital. Como eu gostaria de poder contar com uma dose de veneno que me permita adormecer lentamente, sem espasmos, sem tormento, quando eu não mais aguentar. Uma dose para ser tomada com tranquilidade, deitado na minha cama, na minha casa, talvez até mesmo abraçado à pessoa que eu amo. Não seria um verdadeiro ato de caridade, poder fazer isso? Por que é tão pouco cristão esse meu desejo?
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Que dilema para os católicos. Porque uma morte digna nega a sacralidade da vida? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU