21 Setembro 2021
"Sim, a esperança nasce quando se toma posição em relação ao futuro, quando se pensa que um devir ainda seja possível para um indivíduo, para uma sociedade, para toda a humanidade: trata-se de ver hoje para amanhã, de acreditar hoje possível o que acontecerá amanhã. Escolher ter esperança significa decidir por uma responsabilidade, por um empenho com o destino comum, significa educar as novas gerações transmitindo-lhes a capacidade de escutar e de olhar o outro: quando dois seres humanos se escutam e se olham com admiração e interesse, então a esperança pode nascer e crescer", escreve Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, na Itália, em artigo publicado por La Stampa, 20-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um livro do dominicano Adrien Candiard, num mundo que parece escapar ao nosso controle.
Há anos vivemos em um tempo colocado sob o signo da crise, primeiramente econômica, mas também ambiental e cultural, mas desde que a pandemia invadiu nossas existências, se acrescentou uma forte sensação da precariedade do presente e da incerteza do futuro: vivemos em um tempo em que o desconhecido que está à nossa frente nos assusta pela sua imprevisibilidade e, ao mesmo tempo, pelos horizontes estreitos que o caracterizam. O nosso é um "mundo em fuga" (Anthony Giddens), um mundo que parece escapar ao nosso controle e nos impede de entender para onde estamos indo. Esta situação causa uma profunda angústia, que parece confirmada também por um rápido olhar para as situações de guerra, migração, miséria e opressão que ocorrem em várias partes do mundo.
Por outro lado, não se deve esquecer que este é também o tempo habitado por aqueles que, como tantos homens e mulheres da minha geração, viveram uma grande época de esperança humana e cristã; hoje, porém, as ideologias políticas para alguns e as utopias sociais para outros desapareceram, enquanto as expectativas suscitadas nos cristãos pela renovação da Igreja que foi o Vaticano II parecem em grande parte frustradas. As esperanças em um mundo mais marcado pela paz e pela justiça, em uma Igreja mais evangélica, parecem desmentidas; pelo contrário, na nossa vida quotidiana somos obrigados a sofrer, com uma certa impotência, a propagação da barbárie, que invade também a esfera privada: a banalização dos temas da justiça e da legalidade, a justificação da desigualdade, a glorificação do mais forte, a rejeição de todo horizonte comunitário, a exaltação da competição selvagem, a lei da força que substitui a força da lei, e poderíamos continuar muito mais.
Se este é o ar que respiramos, só pode soar como corajosa e, em certo sentido, dramática, a pergunta que com grande dificuldade abre passagem em nossos corações: o que posso, o que podemos esperar? Mais precisamente, o problema não se reduz à escolha simplista entre esperar e desesperar, ou - pior - entre ser otimistas e pessimistas, mas sim à necessidade de encontrar um fundamento para a esperança, de modo a chegar à consciência daquilo que se pode realisticamente esperar, aqui e agora.
La speranza non è ottimismo. Note di fiducia per cristiani disorientati
Portanto, não causa surpresa que nos últimos meses tenham aparecido várias publicações sobre o tema da esperança: estou pensando em particular nos ensaios de Eugenio Borgna, Speranza e disperazione e de Giuseppe Goisis, Speranza. Mas um texto em particular me chamou a atenção, o de Adrien Candiard, A esperança não é otimismo. Notas de confiança para cristãos perplexos (Emi). O jovem dominicano francês - que descreve o mal-estar geral e a desconfiança generalizada tomando emprestado o expressivo anglicanismo de Jean-Paul Delevoye "born out da nossa sociedade" - se pergunta "o que poderia acrescentar a esperança, em tempos de desespero como os nossos?" bem sabendo que “a verdadeira esperança é o oposto do otimismo”. O mérito de Candiard é falar veementemente aos cristãos, lembrando-os de que são portadores de uma esperança e que seu papel é devolver uma esperança ao mundo.
O dominicano constata que em uma sociedade deprimida, em um cristianismo quebrantado e em uma Igreja em grandes dificuldades, até mesmo os crentes têm dificuldades para ter esperança, chegando a sofrer a tentação de ceder à ilusão. A pergunta feita ao profeta Isaías, "Vigia, quanto resta da noite?", é a mesma pergunta inquieta que, sem o saber, o nosso mundo coloca aos fiéis; um mundo que para Candiard “nos questiona sobre a nossa esperança, e não espera de nós discursos reconfortantes, teorias tranquilizadoras que provem que amanhã tudo será melhor; o mundo espera de nós que vivamos na esperança, que vivamos para o que realmente importa e que nunca passará”.
Se desde sempre pratiquei a reflexão sobre a esperança, hoje estou convencido de que o que caracteriza a esperança de todo ser humano, crente, não crente ou diversamente crente, é antes de tudo a consciência de que a esperança não anda sozinha, mas se situa no espaço da escolha, da laboriosa decisão; se a fé é um dom que se recebe, a esperança é uma decisão pessoal que empenha o esforço da própria vontade. É preciso decidir ter esperança, conceber uma decisão que gere a esperança e a faça nascer: só começando concretamente a ter esperança pode-se aumentar a esperança!
Sim, a esperança nasce quando se toma posição em relação ao futuro, quando se pensa que um devir ainda seja possível para um indivíduo, para uma sociedade, para toda a humanidade: trata-se de ver hoje para amanhã, de acreditar hoje possível o que acontecerá amanhã. Escolher ter esperança significa decidir por uma responsabilidade, por um empenho com o destino comum, significa educar as novas gerações transmitindo-lhes a capacidade de escutar e de olhar o outro: quando dois seres humanos se escutam e se olham com admiração e interesse, então a esperança pode nascer e crescer.
No entanto, existe um dever que os cristãos têm para com toda a humanidade e para todo ser que vive, o dever de praticar a esperança para todos. A Igreja, portanto, não pode ter esperança apenas para si mesma, nem pode incutir nos cristãos algum particularismo na esperança da salvação, porque a sua esperança está ao serviço de todos: os cristãos são chamados a ter esperança por todos os homens, justos e ímpios, bons e maus, inteligentes e sem conhecimento; além disso, são chamados a ter esperança para todas as criaturas, animadas e inanimadas, até desejar a transfiguração de toda a criação. “Quem não espera o inesperado, não o encontrará”, sentenciava Heráclito.
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A esperança não é um dom, mas uma escolha. Para os cristãos, é um dever perante a criação. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU