"É preciso, à luz das responsabilidades históricas e morais de Portugal e do Brasil, pedir perdão aos sobreviventes dos povos vítimas que sobreviveram ao genocídio e atender ao seu grito por condições mínimas de sobrevivência", escreve Egydio Schwade, filósofo e teólogo, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972.
No dia 28 de maio passado, a imprensa alemã publicou a seguinte resolução do Governo alemão, assinada pela 1ª. ministra Ângela Merkel e pelo ministro do exterior Heiko Maas: “Vamos qualificar os acontecimentos ocorridos na época colonial alemã na atual Namíbia contra as populações Herero e Namas e em especial as atrocidades ocorridas entre o período de 1904 e 1908, sem eufemismos ou atenuantes. Vamos chamar esses acontecimentos, agora também oficialmente, como aquilo que eles foram da atual perspectiva, um genocídio e à luz das responsabilidades históricas e morais da Alemanha, pediremos perdão à Namíbia e aos descendentes das vítimas".
Esta resolução do governo alemão inicia uma reconciliação com o seu passado. Os governos, português e brasileiro, necessitam ainda olhar e qualificar os acontecimentos ocorridos com os povos originários do Brasil, durante a História Colonial e após a independência, com foco especial, na História contemporânea. Só isto, levará o país à reconciliação, ao “o apregoado Brasil fraterno”.
O Brasil precisa olhar e “qualificar” “acontecimentos oficialmente, sem eufemismos ou atenuantes”, “acontecimentos que ocorreram” e que ocorrem.
Quando fui estudante de Filosofia na UNISINOS/RS, (1960-1963) tive oportunidade de me aprofundar na História do povo Guarani que já foi o dono de quase todo o lindo Estado do Rio Grande do Sul. Ainda em 1750, tendo até aderido à religião dos europeus chegantes e vivendo em seus aldeamentos a fraternidade, como reza a Bíblia destes, num bem-estar material, cultural, numa vida abundante que não se conhecia então em parte alguma das Américas, mesmo assim, os governos de Portugal e Espanha, se juntaram e, entre 1750 e 1757, massacraram o povo Guarani, praticando um genocídio.
Como estudantes discutíamos então os documentos do Concílio Vaticano II que se realizava em Roma, entre 1962 e 1965. Ali a Igreja se autodefiniu como a “Luz dos povos”. “Lumen Gentium”, assim inicia o documento sobre a essência da Igreja que abre o Concílio. “Luz dos povos” não são os belos amontoados de pedras e cimento, mas os olhos das pessoas humanas, capazes de iluminar a realidade que vivem as pessoas hoje.
Ao terminar o curso de Filosofia iniciei uma maratona pelo país, a fim de ver o que acontecia aos povos originários. Percorri o Brasil pelos interiores, de ponta a ponta, para conhecer, sentir e ouvir da boca dos sobreviventes o que lhes aconteceu outrora e o que ocorria agora. O que constatei ainda carece de ser qualificado oficialmente, como aquilo que foram da atual perspectiva: genocídio. E exige uma mudança de lugar dos governantes, à luz das responsabilidades históricas e morais e um pedido de perdão aos descendentes das vítimas.
Não foi apenas o povo Guarani do Rio Grande do Sul que sofreu um genocídio. Não foi apenas um ou dois Estados da federação que presenciaram o genocídio de um povo, mas todos eles. Dezenas de povos deixaram de existir, trucidados pelos invasores de seus territórios. Outros sobreviveram, mas seus descendentes continuam lutando contra o extermínio. Pisamos um chão ensanguentado do Sul ao Norte. Pessoas e povos, de santos mártires. Por toda a parte, povos inteiros foram e continuam sendo trucidados.
Em 1962, fui ao Noroeste de Mato Grosso. O que aconteceu ao povo Cinta Larga do Juina, conhecido como “Massacre do Paralelo 11”, em 1963, foi um genocídio. O crime teve cobertura oficial. Vi pessoas fardadas acobertando os seringalistas criminosos. Num caixote vi reunidas as armas usadas. E nelas vi gravado: “Exclusivo do Exército Brasileiro”. O que “ocorreu” aos Cinta Larga, aconteceu aos pais dos meninos, com quem convivi nos meus primeiros 3 anos de indigenismo naquele Noroeste de Mato Grosso. Aos povos Rikbaktsa, Nanbikuara, Kayabi, Apiaká, Manoki, Paresi, Xavante e Bororo: Genocídio.
Entre 1967 e 1970, período em que prossegui os estudos jesuíticos na UNISINOS visitei com o colega, Thomaz de Aquino Lisboa, os “toldos”, como são conhecidas as aldeias dos remanescentes dos povos Guarani e Kaingang do Rio Grande do Sul. O que estava ocorrendo ali naquele momento, foi um lento genocídio, praticado pelos governos, estadual e federal.
Durante as férias de 1967-1968, visitei o rio Arinos/MT. O médio Arinos era então domínio dos índios, Tapayuna ou Beiços de Pau, como eram chamados pela população envolvente. Índios então isolados, mas ameaçados por todos os lados pelo latifúndio. Falava-se de 1.000. No final daquele ano restaram 41 pessoas que o governo deportou para o Parque Nacional do Xingu, obrigados a ceder seu rico território a latifundiários. Um genocídio.
Em 1969 e 70 ampliei para Santa Catarina e o Paraná o meu olhar sobre a história dos povos Kaingang e Guarani. História igual a que encontrei no Rio Grande do Sul. E no Paraná ainda tive notícia da última família do povo Xetá. Extinto, como centenas de outros povos já o foram, Brasil afora.
1970 e 1971 visitei os remanescentes dos Pacaa Novo e Makurap no rio Guaporé/RO. Povos que foram encurralados e massacrados durante a construção da ferrovia e mais recentemente, da rodovia que ligam Porto Velho a Guajará-Mirim.
Em maio e julho de 1971, percorri o interior de São Paulo, visitando as aldeias dos remanescentes Kaingang em Bauru, Guararapes e dos Guarani no litoral: Itanhaém e Peroibe e dali fui ao Rio de Janeiro e Espírito Santo, sempre procurando notícias de remanescentes dos povos que já foram os donos destas terras e de suas lindas praias. A História, de ontem e de hoje, fala do que só pode ser “qualificado” de genocídio. O povo capixaba precisa olhar a sua história. Por que a capital se chama “Vitória”? A História dos Tupininquim, de Mem de Sá até a Aracruz Celulose, ainda carece de ser qualificada oficialmente o que de fato foi e continua sendo.
Em 1974 andei na aldeia Funil dos Xerente no Médio Tocantins; com os Apinagés do Bico do Papagaio; com os Guajajara e Kanela do Maranhão. Dali fui ao Pará, onde conheci a história dos Suruín e na Transamazônica, onde tive notícias dos Arara, dos Gavião e dos Parakanã. A rodovia e a UH-Tucurui trouxeram a estes um lento e sistemático genocídio em função dos interesses que o Estado Brasileiro vem instalando. Da Transamazônica me dirigi às aldeias dos Tiriyó e Kaxuiana no Rio Paru do Oeste, limite do Suriname. E ainda, no mesmo ano de 1974, passei um mês entre os Ticuna e os Kokama do Alto Solimões. E em dezembro/78, estive no Alto Rio Negro, onde se refugiou mais de uma dezena de povos, fugindo à morte, ao genocídio e ao etnocídio.
Em março de 1975, visitei os Suruí ou Paiter do Espigão do Oeste/RO. Uma aldeia de índios recém contatados, perplexa, perdida na margem de uma cidade “pioneira”. Um povo agredido, sendo extinto. Em abril visitei os Tapirapé, no rio Araguaia. Após anos de perseguição, ameaças e morte, estavam recuperado a sua terra, cultura e autonomia, incentivados pela presença amiga das Irmãzinhas de Jesus. Em maio fui à aldeia Cururu, no Alto Tapajós, dos índios Munduruku. Um povo que foi dividido geograficamente, em meio à sua intensa luta de resistência. Vive hoje, metade na bacia do Tapajós e metade na bacia do Madeira. E hoje continuam sendo agredidos lá pelo garimpo e cá no rio Madeira pela Polícia do Estado do Amazonas que há poucos meses ainda os agrediu gratuitamente e matou impunemente dois deles.
Em 1976 empreendi uma viagem pelo Acre. Visitei aldeias dos Madiha e dos Kaxinauá do Alto Purus. Estes me informaram sobre a existência de aldeias dos seus “patrícios” no rio Envira. Acompanhado por dois jovens da Operação Amazônia Nativa-OPAN, atravessamos então a floresta, entre o Purus e o Envira, para ver a situação desses povos ali. Topamos com uma aldeia em um curral, onde procurava sobreviver no meio do gado. No mesmo ano, Doroti, a minha futura esposa, completou a visão sobre o rio Envira até a fronteira peruana. Defrontou-se com os homens de duas aldeias: uma de Madiha e outra de Ashanika, escravos em uma fazenda, cujo dono era ministro da Ditadura Militar. Doroti viajou ainda por todo o rio Purus e médio rio Madeira e afluentes, deparando com a situação aflitiva de mais de uma dezena de comunidades de índios, em sua maioria dispersos pelos seringais.
O mês de novembro passei em Roraima, visitando os Wapitxana, Makuxi, Taurepang, Ingarikó e Yanomami. Em janeiro/1977, D. Tomás Balduino e eu, participamos, como convidados, de uma assembleia de mais de 200 lideranças destes povos, onde denunciaram as invasões e agressões que sofriam pelos fazendeiros e garimpeiros. E levantaram a necessidade de um território unido. Foi o início da luta pela Raposa Serra do Sol. A governo propunha “ilhas”. Um sistema que agradava os latifundiários, pois levava os índios, lentamente ao extermínio. A presença do CIMI, minha e de D. Tomás Balduino, não agradou ao governo, por representar apoio aos índios. Por isso, a FUNAI e a Polícia Federal, cercaram o evento e ordenaram o fechamento da assembleia. Mas a luta dos índios continuou e após 32 anos, Raposa Serra do Sol foi homologada como reserva unida pelo Pres. da República Luiz Inácio Lula da Silva. Mas as agressões aos índios continuam até hoje.
Abril/77 percorri o Mato Grosso do Sul. Primeiro, o território tradicional dos Terena e depois dos Kaiowa-Guarani, mais ao sul. Ambos vivem espremidos no meio do latifúndio, permanentemente ameaçados pelas milícias dos fazendeiros invasores que se julgam donos absolutos de todo o território desses povos. Uma agonia lenta que se prolonga até hoje. Uma vergonha nacional: um genocídio que clama aos céus.
Os meses de agosto e setembro passei sobre as águas do rio Juruá buscando remanescentes. Quando da passagem da expedição de Pedro Teixeira pelo rio Solimões, em 1640, os sinuosos rios da margem direita do rio Solimões: Purus, Juruá, Jutaí e Jandiatuba, estavam densamente habitados e abrigavam dezenas de povos felizes. Hoje são raras as aldeias. Apenas algumas aldeias Madiha dispersas. Tive notícias dos Deni do Rio Xiruã e de Kanamari no Alto rio Jutaí.
Em 1978 percorri, Minas Gerais e Bahia, onde visitei descendentes dos povos Maxakali, Krenak, Pataxó... E em Rodelas, senti a angústia dos Tuxá, ameaçados pelo lago da Hidrelétrica de Itaparica. A Ilha da Viúva, o último torrão de terra que lhes restava, no meio do rio São Francisco, ameaçado. Um chão comunitário, um oásis socialista, no meio do Nordeste privatizado. Ali os Tuxá “tinham tudo em comum e dividiam os seus bens com alegria”. No mesmo ano ainda procurei, em companhia de um casal da OPAN, outros povos que sobreviviam no Nordeste: os Fulni-ô de Águas Belas, os Xocó do Sergipe, os Xukuru de Alagoas e os Potiguara da Paraíba. Em Pesqueira subi a Serra do Ororubá, onde encontrei os Xukuru, espremidos no meio das montanhas lutando por uma nesga de terra para sobreviver.
Neste mesmo ano de 1978 empreendi junto com o companheiro Egon Dionísio Heck, uma viagem pelo Paraguai, Argentina e Bolívia. Nosso objetivo foi sentir um pouco da pujança de povos indígenas vivos, no Chaco e no Altiplano e animá-los a afirmarem a sua identidade, como povos: Guarani, Quetxua, Aimara... e com nossa experiência de CIMI, convencer os companheiros da Igreja, a proclamarem esta identidade. Não são apenas “campesinos”, mas povos: Quetxua, Aimara..., onde arde uma força transformadora do sistema capitalista vigente.
Em 1980, a convite de lideranças Sateré-Maué, participei com a família de uma assembleia de diversos povos indígenas da Amazônia, na aldeia Simão, terra do povo Sateré, naquele momento invadida pela empresa francesa Elf-Equitaine de prospecções petrolíferas.
Mais recentemente estive ainda em outras regiões do país, conhecendo a atuação ou omissão do governo junto a outros povos, como os Tembé ou Tenetehara do Pará e os Katukina em Cruzeiro do Sul/Acre.
Por todo o país localizei sobreviventes de um genocídio nacional. E fui seguido por algumas centenas de jovens de vários países e crenças que deram um passo adiante, encarnando-se na situação destes povos, identificando-se, buscando reerguê-los, reincendiar o seu ânimo, numa luta transformadora, de reconquista do direito à terra, à sua cultura e autonomia.
Em 1980, junto com Doroti Alice, minha querida esposa e com nossos filhos ainda pequenos, viemos para cá com o objetivo de conviver com o povo Kiña, ou Waimiri-Atroari, neste norte do Estado do Amazonas. Um povo que acabara de ter o seu território invadido pelo governo da Ditadura Militar, como se fosse um “vazio demográfico”. Pesava então sobre os Kiña um regime machista, comandado por soldados e homens da FUNAI que em 10 anos o reduziu de 3.000 a 332 pessoas.
Do governo de D. Manuel, rei de Portugal, em 1500, ao governo Bolsonaro de hoje, frente aos índios, prevalece uma história de soberba, uma atitude de superioridade, de desrespeito, de mentira, de traição, de preconceito, de donos absolutos sobre a vida, o território e os recursos naturais desses povos.
O “Tratado de Tordesilhas, assinado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, em 7 de junho de 1494, dividiu as terras "descobertas e por descobrir", entre ambas, como se fossem vazios demográficos. O simples olhar do português sobre uma nesga do litoral brasileiro, mesmo defrontado com a terra densamente habitada, achou-se dono de tudo o que existia por detrás. A 1ª. frase da carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel fala “do achamento desta vossa terra nova”.
A lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, transferiu toda a terra brasileira ao Estado, para que este procedesse a sua privatização por compra, como única forma de acesso à mesma. Com uma canetada os índios viraram posseiros nas terras do Estado. Onde está o Direito que legitima isto?
“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.” Assim se apresentaram os povos desta terra aos chegantes. Não escondiam as suas “vergonhas”. Mas os “visitantes” esconderam as suas “vergonhas”:
(Os índios) “Entraram. ... um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo (...).
“Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perantenós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro, que nós desejávamos saber se na terra havia.”
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.”
A carta de Pero Vaz de Caminha mostra como e onde o governo português e os governos seguintes, até o governo Bolsonaro, escondem as suas “vergonhas”. Na “vergonha” da “ganância”. Ignoram as pessoas. Seus olhos procuram “almoxarifados” de riquezas naturais: de ouro, prata... nóbio, tântalo, ítrio, colúmbio, criolita..., pau-brasil, especiarias, borracha, madeira de lei, correntes de água para produção de energia elétrica, para as suas cidades e indústrias. Na “vergonha” da “violência”. O dono da terra que reclamar ou não o ajudar no saque, é morto. Na “mentira”: falsos “descobridores” e falsos donos. Na “vergonha” do “preconceito”, contra a sua cultura, contra o seu modo de viver e a sua ciência. Aos sobreviventes oferece como única alternativa a “vergonha” da “integração à sociedade nacional”, sabendo que toda a “integração” passa essencialmente pela “desintegração”, ou seja, pelo etnocídio. E quando se trata de devolver um pouco da dignidade e do direito roubado, vem as PECs, PLs e leis e mais leis, que vao favorecendo gananciosos invasores.
Isto não foi um acontecimento da Namíbia, de 118 anos atrás. É o que sucede hoje, aqui, aos Waimiri-Atroari, onde o governo se acha no direito de passar um “Linhão” por seu território; e ali do lado, ao povo Yanomami; aos povos Kaiowá-Guarani e Terena no Mato Grosso do Sul; aos povos Guajá, Guajajara, Kanela, no Maranhão; aos Gavião, Parakanã, Tembé, Suruí, Arara e Apalaí no Pará; aos Xukuru, Fulni-ô e Atikum no Pernambuco; aos Potiguara da Paraíba e Rio Grande do Norte; aos Surui, Urueu-Au-Au, Nanbikuara, em Rondônia; aos Katukina, Madiha e Kaxinauá, no Acre; aos Kaingang, Guarani e Xokleng, em todo o sul do Brasil; aos Tupininquim do Espírito Santo, aos Pataxó e Truká na Bahia; aos Xukuru-Kariri e Xokó do Sergipe e Alagoas; aos Apinagé e Xerente no Tocantins; aos Tapayuna, Enauen-Nauê e vários outros no Mato Grosso; aos Galibi e Karipuna no Amapá.
E todos ouvimos, alto e bom som, a mais recente posição do Executivo: “Nem um centímetro a mais para terras indígenas”. E a posição do Presidente do Legislativo, Artur Lira, incentivando a aprovação da PL 490 que nada mais é do que a reedição da política indigenista do governo português, expressa na carta de Pero Vaz de Caminha há 521 anos.
O Governo federal, assim como todos os governos estaduais ainda reclamam um governante ou uma governanta que tenha a coragem de olhar de frente estes acontecimentos e qualificá-los pelo que foram e pelo que são, da atual perspectiva, sem eufemismos e sem atenuantes: uma atrocidade, um genocídio. Abrir os olhos sobre este “genocídio” cometido pelos governos europeus e americanos, incluído o Vaticano, é dever dos governantes que queiram uma sociedade reconciliada, fraterna.
É preciso, à luz das responsabilidades históricas e morais de Portugal e do Brasil, pedir perdão aos sobreviventes dos povos vítimas que sobreviveram ao genocídio e atender ao seu grito por condições mínimas de sobrevivência.
A partir de minhas vivências sob o governo dos povos indígenas, esporádicas e prolongadas, a sós e com a família, em especial, na aldeia Yawara dos Waimiri-Atroari, ou Kiña, afirmo, sem receio de exagerar que avaliando pelo interesse social, pelo carinho e bem-viver das pessoas, sempre me senti dentro de um paradigma de governo que desejo aos meus descendentes e às futuras gerações. Por isso, parafraseando o Salmo 51, almejo a chegada de um governante que com a humildade corajosa do rei Davi, que governou Israel 1.000 anos antes de Cristo, diga: “Tenho sempre presente este genocídio. Ó Deus, cria em mim um coração puro e renova-me por dentro! Livra-me do crime de sangue.” E como o profeta Ezequiel peça a Deus que “remova o coração de metal dos governantes e o substitua por um coração de carne”.(Ez 36.26)
Com o poeta e compositor chileno sigamos:
“Dale tu mano al índio, dale que te hará bien, y encontrarás tu camino”
Casa da Cultura do Urubuí, 07 de julho de 2021