21 Junho 2021
Em 2020, apesar da pandemia, o número de refugiados subiu para 82 milhões. Os “refugiados climáticos” representam o triplo das pessoas deslocadas por conflito ou violências.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 19-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ali tem 52 anos. Não demonstra nem um a menos. Ele está sentado em frente ao que costumava ser um mercado em Aden, no Iêmen. Ali conseguiu voltar, embora a guerra ainda não seja uma lembrança. E ele encontrou apenas escombros. Apesar da pandemia, em 2020 o número de pessoas em fuga de guerras, violências, perseguições e desastres climáticos aumentou para quase 82,4 milhões, pelo nono ano consecutivo. Enquanto isso, 99 países aproveitaram a Covid para virar as costas e rejeitar os refugiados.
O último relatório anual do Global Trends do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR-ACNUR) não oferece boas perspectivas. Apenas 251.000 refugiados e 3,2 milhões de deslocados internos voltaram para suas casas, com uma diminuição de 40 e 21 por cento, respectivamente, em comparação com 2019. Este é o resultado do colapso no reassentamento, que em 2020 afetou cerca de 34.400 refugiados, o nível mais baixo nos últimos 20 anos. A grande maioria dos refugiados no mundo - quase nove em cada dez (86%) - são hospedados em países próximos às áreas de crise e em Estados de baixa e média renda. Os países menos desenvolvidos concederam asilo a 27% do total.
O iemenita Ali conseguiu encontrar a casa, desde que as ruínas possam ser consideradas uma casa. “Morava aqui há mais de 15 anos e ver meu bairro assim me deixa chocado e me entristece. A guerra - disse ele aos operadores da ONU - nos forçou a sair e nos mudar. Agora estou de volta, mas faltam os serviços essenciais”. Sem eletricidade, sem água encanada, sem telefone e nem mesmo um médico. Com um aumento de 4% sobre o número recorde de 79,5 milhões de pessoas em fuga em 2019, aquela dos refugiados não é apenas uma das "nações" mais populosas do mundo. Ela também está entre as mais jovens e frágeis. 42% são menores. E entre 2019 e 2020, quase 1 milhão de bebês vieram ao mundo como refugiados. "A tragédia de tantas crianças nascidas no exílio deveria ser um motivo suficiente para fazer muito mais para prevenir e acabar com os conflitos e a violência", disse o alto comissário da ONU, Filippo Grandi.
Mais de dois terços de todas as pessoas que fugiram para o exterior provêm de apenas cinco países: Síria (6,7 milhões), Venezuela (4,0 milhões), Afeganistão (2,6 milhões), Sudão do Sul (2,2 milhões) e Mianmar (1,1 milhão). No final de 2020, havia 20,7 milhões de refugiados sob mandato do ACNUR, 5,7 milhões de refugiados palestinos e 3,9 milhões de venezuelanos que fugiram para o exterior. No total, 48 milhões de pessoas são consideradas deslocadas dentro de seus próprios países. Outros 4,1 milhões são requerentes de asilo, e não são apenas os problemas que determinam as rotas dos fugitivos.
2020 foi o ano em que as mudanças climáticas provaram ser um novo e poderoso impulsionador. Somente em 2020, os desastres resultaram em 30,7 milhões de novos deslocamentos internos em todo o mundo. O número mais alto em uma década, o triplo dos 9,8 milhões de novos deslocados por conflitos e violências. Temporadas intensas de ciclones nas Américas, Sul da Ásia, Leste da Ásia e Pacífico resultaram em destruição, milhares de vítimas e centenas de milhares de “refugiados climáticos”. “As dinâmicas de pobreza, insegurança alimentar, mudanças climáticas, conflitos e deslocamentos estão cada vez mais interligados e se reforçam mutuamente, levando mais e mais pessoas a buscarem segurança e proteção”, explica o documento da ONU.
Pelo sétimo ano consecutivo, a Turquia recebeu o maior número de refugiados (3,7 milhões), seguida pela Colômbia (1,7 milhões, incluindo os venezuelanos que fugiram para o exterior), Paquistão (1,4 milhões, principalmente afegãos), Uganda (1,4 milhão) e Alemanha (1,2 milhão). Os pedidos de asilo pendentes em nível global permaneceram nos níveis de 2019 (4,1 milhões), mas os estados e o ACNUR registraram 1,3 milhões de pedidos de asilo individuais, 1 milhão a menos do que em 2019 (43% a menos). “Entre as reduções dignas de nota no número de refugiados – consta no dossiê - houve uma diminuição de 79.000 unidades na Itália”. No ano passado, no momento de máxima expansão da pandemia, mais de 160 países tinham fechado as suas fronteiras. Em 99 deles, sem exceção para pessoas em busca de proteção. Não raramente deixando milhares de pessoas sem nem mesmo um pedaço de papel que certifique seu nome e procedência. São os apátridas, pelo menos 4,2 milhões de nacionalidade indeterminada.
A América Central também é um desafio crescente. No final de 2020, cerca de 867.800 pessoas de El Salvador, Guatemala e Honduras haviam sido deslocadas à força, quase 80.000 a mais que no ano anterior. “Aqueles que buscaram refúgio dentro de seus países ou cruzaram as fronteiras internacionais - explica o relatório - estavam escapando, entre outras coisas, da persistente violência das gangues, da extorsão e da perseguição”. Se as coisas não pioraram, foi devido a “milhares de pequenos atos de solidariedade que contribuíram - diz Filippo Grandi - a aliviar a dor do exílio causado pelos fracassos políticos”.
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Apesar da pandemia, cada vez mais em fuga. Agora também pelo clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU