Por que a Índia tem tanto medo de um velho jesuíta?

Padre Stan Swami, Jesuíta, ativista defensor dos direitos humanos, encarcerado na Índia. (Foto: Vatican Media)

26 Mai 2021

 

Por que o governo indiano tem tanto medo de um jesuíta de 84 anos que sofre de Parkinson a ponto de prendê-lo no meio da noite e o encarcerar por mais de oito meses? É uma pergunta que nem na sexta-feira o Supremo Tribunal respondeu, depois de mais um recurso dos advogados do padre Stan Swamy, o jesuíta indiano preso junto com 15 ativistas em outubro passado e ainda detido na prisão de Taloya, em Mumbai.

 

A reportagem é de Marco Grieco, publicada por Domani, 25-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Em 21 de maio, os juízes deram parecer negativo sobre sua libertação, apesar da deterioração de sua saúde: "O tribunal analisou o relatório dos médicos e depois falou diretamente com Stan, contatado por videoconferência", disse o advogado jesuíta padre Arockiasamy Santhanam. O próximo pedido de libertação sob fiança será avaliado em 7 de junho: por enquanto, o jesuíta continua na prisão por supostas ligações com os rebeldes maoístas, embora o próprio religioso sempre tenha dito não estar envolvido, com uma tese inclusive abalizada por uma investigação do Washington Post.

 

“Na realidade, a fiança poderia ser obtida por motivos de saúde, visto que também existem outros doentes, mas até agora a opção não foi considerada”, explica ao Domani o padre Ashok Ohlol, jesuíta da província indiana de Ranchi, e próximo ao Padre Swamy: "Desde que foi preso, não tive oportunidade de falar com ele", admite com amargura.

 

O jesuíta terrorista

 

Tudo começou com o incidente de Bhima Koregaon. Em dezembro de 2018, a poucos quilômetros de Pune, os nativos indianos Dalit e Adivasi estavam reunidos para comemorar o 200º aniversário da Batalha de Bhima Koregaon. Durante as manifestações, eclodiram algumas violências intercomunitárias que também envolveram agentes locais.

 

 

A Agência Nacional de Investigação (NIA), que trata de desentocar supostos dissidentes do governo, começou a prender ativistas e acadêmicos rotulando-os de terroristas com base em supostas ligações com guerrilheiros maoístas reconstruídas por meio de arquivos encontrados no laptop de um ativista.

 

As denúncias foram desmontadas em 2018 pelo Washington Post que demonstrou, com a ajuda de uma empresa forense digital, que o material considerado comprometedor havia sido inserido no PC por um hacker. As provas, entretanto, não pararam as autoridades locais que, em nome da famigerada lei antiterrorismo Unlawful activties prevenction act, deram início a detenções forçadas sem qualquer possibilidade de recurso legal. Em outubro passado foi a vez do padre Swamy, que foi levado sob custódia durante a noite, porque seu nome aparecia na questionável lista.

 

Protesto em Londres contra a prisão do sacerdote jesuíta. (Foto: Vatican Media)

 

De nada valeu o apelo de 2.500 indianos de renome, entre acadêmicos e políticos, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior da Marinha da Índia, Laxminarayan Ramdas: "O recente relatório do Arsenal, preparado com base em provas eletrônicas coletadas pela NIA, revelou como documentos falsos foram inseridos nos computadores dos acusados.

 

É preocupante que o tribunal tenha decidido ignorar essa prova”, diz a carta. Há oito meses, o jesuíta, sofrendo de mal de Parkinson e parcialmente surdo, está relegado na superlotada prisão de Taloya, em uma cidade que foi dizimada pela segunda onda da pandemia de Covid-19.

 

Em defesa dos nativos

 

Na Índia, o empenho da Companhia de Jesus desde sempre está enraizado nas missões sociais. Desde a década de 1990, o Padre Swamy está empenhado em acolher os marginalizados, como os nativos e os expulsos das castas. Sua atividade tomou o nome de Bagaicha, uma pequena comunidade constelada de casas de tijolos, que ainda acolhe as minorias descartadas pela sociedade indiana em rápida expansão, cega às instâncias de independência dos povos tribais.

 

Com o tempo, a atividade dos jesuítas foi assim se entrelaçando com aquela dos ativistas, única barreira social aos variados memorandos de entendimento estipulados entre governos locais e indústrias de mineração, ansiosas por colocar as mãos no subsolo das florestas, ricas em minerais como o alumínio e bauxita.

 

A exploração do subsolo tem um enorme custo social porque induz ao despovoamento as populações nativas como os adivasis, marginalizadas por um Estado que, pelo menos no papel, deveria protegê-las.

 

Falsa tutela

 

Nos anos 2000, com a sucessão de operações de evacuação e strategic hamleting para agrupar a população nativa e liberar as aldeias nas florestas para as mineradoras, o Padre Swamy combinou o acolhimento e a integração dos marginalizados com a formação dos nativos para que tivessem consciência de seus direitos, inclusive tutelados pelas leis sobre o desenvolvimento das comunidades rurais, como o Chota Nagpur Tenancy Act de 1906 ou a norma sobre direitos florestais de 2007.

 

Tarefa nada fácil: os interesses pela extração de minerais nas florestas são tão altos que o próprio Supremo Tribunal da Índia, ao longo dos anos, ratificou a política colonial que atribui aos governadores estaduais a gestão de seus territórios. Essa operação invalidou a histórica decisão "Samantha versus Andhra Pradesh", na qual o Supremo Tribunal em 1997 declarou as terras de propriedade dos tribais, proibindo seu arrendamento a terceiros, em nome do quinto programa da Constituição indiana que preserva a terra das minorias tribais.

 

Cinco anos depois, porém, na decisão "Balco Employees Union versus Union of India", os mesmos juízes expressaram ressalvas sobre a anterior, pois "o contencioso de interesse público não pode ser usado como arma para decisões econômicas ou financeiras que tenham sido tomadas pelo governo no exercício do seu poder administrativo”. Em outras palavras, o Tribunal Superior negava de fato o direito de propriedade aos nativos, considerando-os ocupantes abusivos.

 

Resistência nas florestas

 

Aqueles que se opunham às expropriações eram, assim, assimilados aos guerrilheiros maoístas, ou seja, os revolucionários que, inspirados pela revolução rural de Mao Zedong, a partir dos anos 1960 iniciaram uma resistência armada contra o exército do governo.

 

Ao longo dos anos, tiroteios e emboscadas tomaram a forma de verdadeiras execuções sumárias, envolvendo também as populações nativas que, reivindicando independência para si mesmas, eram catalogadas como unidades terroristas. Ainda hoje, em nome da luta implacável contra os maoístas, os militares invadem aldeias, perpetram violências e esvaziam as florestas, rotuladas como áreas "afetadas por terroristas".

 

Como lembra Marina Forti em Il cuore di tenebra dell’India (Mondadori, 2012), o Padre Swamy participou da primeira inspeção das florestas ocupadas pelas forças de segurança nas operações militares do governo Green Hunt e Anaconda.

 

Para conter essa violência cega, o jesuíta tentou, então, reportar-se aos princípios da própria constituição indiana como garantia de proteção para os nativos. Mesmo assim, ainda hoje 47% das pessoas que vivem em áreas rurais são pobres. Paralelamente, os governos locais assinam centenas de protocolos de entendimento com empresas industriais para a criação de polos de mineração, escondidos por atrás de centros de pesquisa ou sedes humanitárias de nomes retumbantes.

 

Igreja silenciosa

 

De acordo com o relatório do think tank independente Land Rights Initiative, os adivasis representam 8% da população da Índia, mas têm quatro vezes mais probabilidade de serem deslocados pelo desenvolvimento industrial. Em estados como Jharkhand, onde os nativos estão sob constante ameaça de despejo, 9 por cento são católicos.

 

No entanto, no passado, o jesuíta criticou o silêncio da Igreja Católica face às incursões e à violência dos militares nas aldeias: “Se a Igreja fica em silêncio, mais cedo ou mais tarde os adivasis irão revoltar-se. A igreja deve quebrar o silêncio e se unir aos movimentos populares, caso contrário, terá falhado a sua missão”, trovejou o jesuíta entrevistado em 2012 por Marina Forti. Agora que está preso e em condições precárias, a comunidade local faz sentir sua proximidade: “Há uma equipe que cuida de suas atividades enquanto ele está preso - admite o padre Ohlol, que acrescenta - até agora nenhum comentário chegou da Santa Sé. As informações chegaram certamente ao superior geral dos jesuítas e, muito provavelmente, também ao Vaticano”.

 

Na sua curta intervenção em vídeo, o idoso e debilitado jesuíta admitiu na sexta-feira um agravamento do seu estado, mas expressou a sua preocupação pelos outros reclusos, pedindo para permanecer perto da sua comunidade: “Stan está mais preocupado com os outros do que consigo próprio. O seu é verdadeiramente um espírito cristão”, disse seu advogado comovido.

 

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