18 Julho 2020
“A pandemia, não só marginalizou a religião e a Igreja, como também está deixando patente que uma situação tão grave como esta não precisa da religião, nem da Igreja, do modo como a religião e a Igreja vem funcionando há séculos”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Teología Sin Censura, 15-07-2020. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A pandemia que estamos padecendo, além de uma desgraça, também é uma grande mestra, que está nos ensinando coisas importantes, que não poderíamos imaginar. Por exemplo, uma das coisas que a pandemia está expondo é como as religiões representam e influenciam pouco nos problemas mais graves que afetam e preocupam a humanidade. Com o que a religião está contribuindo no desastre espantoso que um país como os Estados Unidos está sofrendo? Para que serviu a religião nessa potência mundial? Para que o presidente tire uma foto mostrando uma Bíblia que levanta com uma mão? E o que dizer da Espanha?
Quando os templos foram fechamos e as procissões proibidas, as “pessoas da Igreja” não sabiam o que fazer. Segundo os Evangelhos, Jesus não mandou construir um templo. Nem organizou procissões. E, no entanto, provavelmente, a imagem de Jesus Cristo seja a imagem mundial mais conhecida e presente no mundo. O que nos diz tudo isto?
Limito-me ao cristianismo. O que posso dizer, em minha idade avançada, é que o acontecimento mais importante vivido na Igreja, da Segunda Guerra Mundial até este momento, foi o Concílio Vaticano II (1962-1965). No entanto, este acontecimento tão importante, foi o mais influente?
Paradoxalmente, mais influente que o Concílio, para o futuro da Igreja, está sendo, não o Concílio, mas a crise do clero. Uma crise, que estamos apalpando, sentindo e vivendo, cada dia com mais força, justamente por causa da pandemia que nos açoita, sobretudo aos idosos.
Por que digo que a crise do clero será mais determinante para o futuro da Igreja que as decisões de governo que o Concílio tomou? Porque o Concílio disse muitas coisas sobre a teologia da Igreja e sua presença no mundo. Mas, na realidade, modificou bem poucas coisas importantes para a mudança que a Igreja precisava – e segue precisando – para ser uma presença influente neste mundo e na sociedade em que vivemos. Estamos sentindo isso: a pandemia, não só marginalizou a religião e a Igreja, como também está deixando patente que uma situação tão grave como esta não precisa da religião, nem da Igreja, do modo como a religião e a Igreja vem funcionando há séculos.
Cabe dizer – como escapatória – que nem a religião e nem a Igreja estão neste mundo para resolver (ou ajudar a resolver) situações e crises como a que estamos sofrendo? Então, para que a religião e a Igreja estão neste mundo? Para que sejamos “bons” e para “irmos para céu”? Isso está claro. Mas, isso é tudo?
Volto ao que disse antes. Um dos fatos mais evidentes que estamos vivendo e que está se acentuando com a atual crise mundial é que, além da crise sanitária e da crise econômica, estamos vivendo e sentindo que o futuro da Igreja, do modo como está organizada e como opera na atualidade, logo será relativamente insustentável. Por quê?
Porque o clero, da maneira como é legislado atualmente na Igreja católica, envelhece e diminui de modo que, dentro de poucos anos, não haverá homens celibatários suficientes e devidamente preparados para que seja possível que todos os fiéis cristãos possam participar da eucaristia, segundo a atual legislação da Igreja.
Esta questão se baseia, como é lógico, nos dois fatos que o governo supremo da Igreja pode modificar, sem a necessidade de modificar qualquer coisa da teologia dogmática da Igreja católica. O celibato eclesiástico não é dogma de fé. Assim como não é o fato de os presbíteros ter que ser necessariamente varões, não podendo ser mulheres de modo algum.
Por outro lado, a devida preparação de homens casados e de mulheres para exercer o ministério sacerdotal não pode ser improvisada. É uma formação que requer seu tempo. E já não se pode adiar mais. Os fiéis cristãos têm o direito de ser atendidos devidamente pela autoridade competente da Igreja. E chegou o momento desta decisão ser tomada o mais rápido possível.
Leia mais
- A liturgia depois do confinamento: O vírus está nos dizendo algo?
- Liturgia em quarentena: o mistério pascal sem um presbítero
- A volta difícil à Igreja após a quarentena domiciliar
- A Igreja em transformação. Razões atuais e perspectivas futuras
- Após um longo confinamento litúrgico, o que virá a seguir?
- O padre diante de casa para evitar a peste
- Como manter as igrejas seguras? Use máscaras, não cante e não comungue
- Fim do confinamento? É hora de sair da igreja...
- “A sala de casa virou uma igreja”: velórios online em tempos de coronavírus
- Crise do coronavírus. Uma oportunidade para “reconstruir uma Igreja que se tornou obstáculo para a evangelização”
- Divisões pré-existentes podem dificultar a recuperação católica pós-pandemia?
- Enquanto se discutem as regras de reabertura, o povo de Deus passa fome. Artigo de Phyllis Zagano
- Vaticano se prepara para o “mundo pós-coronavírus”
- O sacramento da máscara: forma e conteúdo do culto cristão. Artigo de Andrea Grillo
- Vírus e fé: tripla correspondência com Agamben. Artigo de Andrea Ponso e Andrea Grillo
- Após revogação da quarentena, igrejas serão os locais mais procurados por brasileir@s
- “Nossas paróquias estão prontas para acolher as hordas de pobres que vão surgir?”
- Pastor realiza culto em estacionamento de ginásio esportivo
- Igrejas fechadas são antecipação do futuro, alerta Tomáš Halík
- Liberdade religiosa e Covid-19: uma reflexão das Igrejas europeias
- Por uma Igreja desconfinada
- Missas (ainda) sem povo: bispos italianos contra a decisão do governo
- Reiniciar a vida normal da Igreja parece simples, mas é complicado
- Coronavírus, como será a missa da fase 2? Máscaras, distância e prudência: assim os padres da paróquia reabrem as igrejas
- Igrejas e espaço público. Artigo de Fulvio Ferrario
- “Devolvam-nos a Missa”. “Não vamos dar ouvidos a estes oportunistas que criam conflitos por motivos políticos e ideológicos”, afirma bispo
- “Bispos e políticos falam, mas eu prefiro os médicos especialistas”. Entrevista com Alberto Maggi
- A Igreja diante da pandemia e suas consequências. Artigo do cardeal Michael Czerny
- Igreja após o vírus: futuro plural
- O vírus sacode a Igreja. “Chega de egoísmo.” Entrevista com Francesco Montenegro
- Francisco propõe “um plano para ressuscitar” diante da emergência Covid-19
- Católicos continuam tropeçando liturgicamente durante a pandemia
- Confissão pelo Zoom? Pandemia reaviva debate sobre reconciliação a distância
- “Eu não gosto dessas missas em streaming”. Entrevista com Heiner Wilmer, bispo alemão
- Padre, a gente sabe rezar!
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A Igreja e a pandemia. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU