08 Junho 2020
"Voltar à missa é uma alegria, mas se isso se traduz em reduzir mais uma vez o povo de Deus a espectador, considerando os últimos meses como um parêntese vazio a ser esquecido rapidamente, seria um pecado, no sentido próprio do termo, uma oportunidade desperdiçada e por isso triste e míope. Nós mulheres não recomeçamos, vamos em frente", escreve Paola Lazzarini, socióloga italiana, fundadora e coordenadora de Mulheres para a Igreja, em artigo publicado por Gli Stati Generali, 26-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em uma vida anterior, socióloga e formadora no âmbito do terceiro setor, agora esposa e mãe que se dedica à reflexão. Fundadora e coordenadora de Mulheres para a Igreja.
Nestes dois meses em que os fiéis não puderam celebrar seus próprios cultos, nós católicos - ao contrário de muitos outros irmãos e irmãs de outras religiões e confissões - esperneamos, nos zangamos e indignamos, falamos de um atentado à liberdade religiosa, mas, acima de tudo, fizemos o que fazemos de melhor: nos separamos. Dividimo-nos ainda mais entre tradicionalistas e progressistas, entre aqueles do "não podemos viver sem missa" e aqueles do "agora que entendemos que podemos ser cristãos sem ir à missa todos os domingos quem vai voltar a frequentá-la?", enfim, nossas facções se fortaleceram e teólogos de ambos os lados afiaram as armas da disquisição, às vezes até os limites do incompreensível. Enquanto isso, alguns tentam aproveitar a oportunidade para construir: celebrações caseiras, pequenas comunidades informais reunidas na leitura da Palavra de Deus por meio do Zoom, Skype ou qualquer outro meio.
Alguns deles voltaram à missa neste domingo, outros não. Alguns não voltaram por medo, outros deram lugar a quem poderia desejar mais, outros ainda porque o espetáculo dado pelas altas hierarquias católicas nestes tempos arrefeceu seus ânimos.
Quando no domingo passado o presidente do CEI, cardeal Bassetti, disse que, graças à reabertura das missas ao povo, "o Senhor voltou entre nós", ficou claro que algo estava errado. Em muitos lares, esses meses estiveram longe de estar vazios da presença do Senhor; aliás, foram ocasiões para a redescoberta da oração em família; sentimos a responsabilidade de que, se o anúncio pascoal não tivesse brotado de nossos lares, o silêncio teria coberto o Aleluia. Pela primeira vez, fomos chamados a nos tornar protagonistas absolutos de nossa fé, sem possíveis delegações, uma oportunidade única para finalmente aprofundar a vocação que todos recebemos no batismo, quando em Cristo nos tornamos reis, profetas e sacerdotes.
Também foram meses de oração e comunhão com aqueles que sofrem, aqui e no mundo por infinitas razões (não apenas a Covid), talvez pela primeira vez realmente conscientes de como todos nós estamos ligados uns aos outros.
Para as mulheres de fé, foi acima de tudo uma oportunidade de nos experimentarmos como celebradoras, em nossas famílias e nas orações organizadas por vários movimentos católicos, que fazem parte da rede do Catholic women’s council, que reúne associações e grupos de mulheres católicas em todo o mundo.
Com uma função pascoal, uma oração semanal e uma programada neste domingo para o Pentecostes, como mulheres fortalecemos nossa união e a consciência de sermos sacerdotisas no batismo. Tenho no coração as palavras de uma amiga australiana que, durante uma de nossas reuniões organizacionais, disse com lágrimas nos olhos: "angustia-me pensar que preciso voltar à Igreja, voltar a ser espectadora desse espetáculo patriarcal, depois de meses de belíssimas celebrações familiares, pensadas e preparadas cuidadosamente por mim e por meu marido”.
Hoje, as feministas católicas representam um dos maiores fermentos, um dos movimentos mais animados e dinâmicos da Igreja, mas também um dos mais controversos, basta apenas pensar na recente autocandidatura da teóloga Anne Soupa como bispo de Lyon. Vistas com aversão pelos setores tradicionais e grande parte do clero, elas são admiradas, mas temidas com uma constante tensão para domesticá-las, pela maioria dos setores progressistas. Os verdadeiros amigos no clero são poucos, embora preciosos. Herdeiros de uma tradição "alta" e culta, mas não muito capaz de gerar movimentos das bases, hoje aprendemos a caminhar sem pedir permissão e a construir novas modalidades de criar comunidade, nas quais já podemos experimentar agora a igual dignidade de todos.
No último sábado, 23 de maio, a associação Mulheres pela Igreja que presido, viveu sua primeira conferência nacional, on-line, seguida por milhares de pessoas, algumas ao vivo no Zoom e FB, outras com a visualização de vídeos.
Embora, por enquanto, uma minoria esteja se colocando em jogo para mudar as coisas, o mal-estar gerado por uma igreja patriarcal e consequentemente clerical é generalizado e, por esse motivo, é suficiente acender um pavio para ver a luz se espalhar, de uma mulher para outra, de uma geração para a outra.
Na Alemanha, o incêndio já está atiçado, a greve do ano passado promovida pelo grupo Maria 2.0 foi recebida com gratidão por católicas alemãs de todas as idades e sua ação continua, e agora são os bispos a procura-las, pedindo para conversar, temendo perdê-las. Não o contrário.
Na Itália, ainda há muito trabalho a ser feito, muitos véus a serem retirados, medos a serem removidos. Neste país, à sombra da cúpula e com uma conferência episcopal que nesta crise parecia preocupar-se mais do que qualquer outra coisa com a sustentação econômica e de status dos padres, é difícil falar com verdadeira liberdade. Aqui, apenas falar que o que impede o acesso às mulheres à ordenação é contrário a qualquer princípio de igualdade, é inconstitucional (art.3), tem fundamentos teológicos e bíblicos muito frágeis, é controverso historicamente... parece uma blasfêmia que faz o sangue ferver nas veias. E, em vez disso, é apenas uma gota no mar do clericalismo, o grande mal que o Papa Francisco denuncia, mas não corta pela raiz.
O problema fundamental é que o anúncio libertador de Jesus Cristo se tornou uma instituição com sua casta, os diferentes graus de acesso ao mistério, um conjunto de regras que formalizam até as mais minúsculas e sagradas escolhas individuais, especialmente para as mulheres: nos dizem como viver a sexualidade e até a nossa saúde ... a congregação para a doutrina da fé escreveu recentemente um documento sobre os casos em que é legítimo que uma mulher faça uma histerectomia total, são escritos documentos para "ensinar" para as freiras como devem usar a internet e assim por diante, em um número infinito de exemplos possíveis. Como Doris Wagner disse em uma conferência em Roma em outubro passado: a Igreja Católica é "um sistema de dois estados, no qual o clero tem o status de soberano enquanto nós leigos nos qualificamos como plebeus". Em tudo isso, as mulheres, idealizadas e celebradas enquanto se resumiam a estátuas de madeira nos ambões laterais, ou quando morrem no parto, são simplesmente espectadoras e funcionais sempre que necessário. E quando é permitido que algumas – por bondade masculina - entrem nas salas de saber ou do poder eclesial, temem se tornar um pé-de-cabra para permitir que outras entrem e acabam mantendo para si, com gratidão, o pouco espaço que lhes foi permitido. Assim, as mulheres mais obedientes e funcionais acumulam cargos, tomando todo o cuidado para não questionar nada e, ao fazê-lo, se transformam em armas nas mãos de homens que querem despotencializar a luta pela igualdade.
Mas as mulheres também sabem como se unir e, quando o fazem, tornam-se poderosas.
Estes meses longe dos altares nos devolveram grande parte de nossa dignidade batismal e não deve ser perdida, porque "onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou entre eles" (Mateus 18,15 -20) e esses dois ou três eles são irmãos e irmãs, todos empenhados em celebrar com nossa pobre força e pobre fé... sem delegar a alguém para celebrar em nome de todos do altar. Voltar à missa é uma alegria, mas se isso se traduz em reduzir mais uma vez o povo de Deus a espectador, considerando os últimos meses como um parêntese vazio a ser esquecido rapidamente, seria um pecado, no sentido próprio do termo, uma oportunidade desperdiçada e por isso triste e míope. Nós mulheres não recomeçamos, vamos em frente.
Se não nos encontrarem no banco de sempre, agora já sabem o porquê.
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No lockdown celebramos, não vamos voltar a ser espectadoras na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU