04 Março 2020
“Embora a masculinização tenha sido um processo que, com a ocidentalização do mundo, a partir de 1492, alcançou um formato em escala global, a atual crise climática nos abre a possibilidade de repensarmos a nós mesmos como seres vivos, e é o tempo certo para visibilizar e conectar noções e experiências que possam ser alternativas reais ao momento atual, e não meras soluções das e para elites”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 02-03-2020. A tradução é do Cepat.
No marco de uma nova comemoração do dia da mulher trabalhadora, em meio a uma crise climática e civilizatória, será feita uma tentativa de refletir sobre como o processo de masculinização, iniciado há milhares de anos, foi capaz de penetrar em todos os âmbitos da vida.
Um processo de masculinização que, de acordo com o que foi levantado pelos feminismos ecoterritoriais, coloca a revolução neolítica como ponto de partida de um período marcado pela passagem do nomadismo ao sedentarismo, que terá as bases materiais e simbólicas para gerar uma divisão sexual do trabalho, sustentada por um binarismo de gênero, onde as mulheres serão tratadas como um bem de uso e troca, durante as guerras pelo controle das terras.
Daí que com o nascimento das grandes civilizações, essa masculinização só será possível se desenvolver com a agricultura e a pecuária, o que trará consigo a construção de um sistema heteropatriarcal de dominação hierárquica e autoritária, onde a criação do estado, da família e a propriedade privada assentarão as bases para a desigualdade social, mental, sexual e racial, onde certos grupos serão inferiorizados com o passar do tempo, por sua maior proximidade com o “natural” (mulheres, indígenas, negros, queer, loucos, migrantes, pobres, crianças).
Isso em contraposição ao período anterior, marcado pela existência de grupos de caçadores-coletores, que duraram mais de 290.000 anos na história do Homo Sapiens (97% da história humana), que tiveram a característica de estar inseridos de maneira muito mais sustentável em seu entorno, ao provir de formas de ser animistas e cooperativas, onde a divisão humano-não humano, mulher-homem, não existia da forma como se impôs a partir do período neolítico. No período pré-neolítico, as comunidades se organizavam em torno de clãs matriarcais, onde o centro estava no cuidado da vida.
Não obstante, com o sedentarismo, há uma demonização do feminino e controle de todas as formas de vida, como é o caso dos ciclos reprodutivos das mulheres, através da criação de castas sacerdotais e militares, controladas por certas elites. É assim que a masculinização do mundo se fortalecerá com as grandes guerras pelo controle dos territórios e por uma necessidade imperiosa de dominação e acumulação de recursos humanos e não humanos, onde o poder clerical, colonial, industrial e financeiro imporá suas lógicas de guerras, mas também através de grandes narrativas universalizantes, como a salvação, a civilização, o progresso e o desenvolvimento.
É esse último relato, o do desenvolvimento, que talvez seja o discurso masculinizado que mais penetrou no mundo, nos últimos 70 anos, e que mais dano causou à possibilidade de pensar um mundo onde caibam muitos mundos de vida, um pluriverso, como bem esboçou o movimento zapatista, nesses últimos 25 anos, ao questionar a perspectiva de colocar no centro a ideia de crescimento econômico infinito, em um planeta finito. Por isso, conceber a ideia de desmasculinização implica deixar para trás um processo que não apenas negou a experiência de milhões de mulheres, mas também de muitas outras alteridades historicamente silenciadas pelas elites.
Embora a masculinização tenha sido um processo que, com a ocidentalização do mundo, a partir de 1492, alcançou um formato em escala global, a atual crise climática nos abre a possibilidade de repensarmos a nós mesmos como seres vivos, e é o tempo certo para visibilizar e conectar noções e experiências que possam ser alternativas reais ao momento atual, e não meras soluções das e para elites, como são as Cidades Inteligentes, a Economia Verde, a Geoengenharia,o Ecomodernismo, o Transumanismo, entre outras.
É por isso que para desmasculinizar o mundo, é necessário coletar toda a diversidade de olhares e experiências existentes em muitos mundos da vida, que vão desde a Agroecologia, Amor Queer, Biocivilização, Agdales, Decrescimento, Direitos da Natureza, Democracia Ecológica, Ecoaldeias, Agaciro, Movimento Slow, Sumak Kawsay, Suma Qamaña, Küme Mongen, Ubuntu, Teko Kavi, Shiir Waras, Permacultura, Soberania Energética, Minobimaatasiiwin, Nayakrishi Andolon, Novos Matriarcados, Kyosei, Swaraj, Kametsa Asaike e muitas outras formas de viver sustentáveis e ecocêntricas necessárias para esses tempos.
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Desmasculinizar o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU