02 Dezembro 2019
A prática da Black Friday vem dos Estados Unidos. Acontece no dia seguinte ao Thanksgiving, dia de ação de graças para os católicos que, supõem-se, deveriam agradecer a Deus, especialmente pelas oferendas. Vemos o que o capitalismo faz... “Um frenesi de gastos”, resume a ministra da Transição Ecológica Elisabeth Borne, que também enfatiza um enorme custo ambiental.
O artigo é de Christian Chavagneux, economista francês, publicado por Alternatives Économiques, 29-11-2019. A tradução é de André Langer.
Na noite de 25 para 26 de novembro, na França, a deputada Delphine Batho (Geração Ecologia), apresentou para votação na Comissão do Desenvolvimento Sustentável uma emenda de lei anti-desperdício que será discutida em plenário no dia 9 de dezembro. A ex-ministra do Meio Ambiente quer proibir as práticas comerciais questionáveis da Black Friday, que de fato se espalham por vários dias, uma “Black Week”, e, portanto, mais que uma Black Friday. Indignado, Eric Woerth, presidente da Comissão de Finanças da Assembleia, protestou contra a medida em nome da liberdade. “Na França, ainda temos o direito de consumir e de comprar o que queremos comprar!”, exclamou, como se a economia administrada à moda dos soviéticos estivesse na esquina...
No entanto, seria errado ver por trás desses confrontos uma simples batalha política. De acordo com o Center for Retail Research, a Black Friday representou quase 6 bilhões de euros em gastos em 2018 e deverá ultrapassar esse valor este ano. Isso é importante? As compras referem-se a produtos direcionados: roupas, eletrodomésticos, eletrônicos e informáticos, cuidados pessoais (que representam 60% dos cuidados pessoais, de acordo com o INSEE; o restante corresponde a cabeleireiros, esteticistas etc.).
De acordo com os dados do INSEE, em 2018, o total desses produtos de consumo chegou a cerca de 86 bilhões de euros. Então, estamos falando de 7% das compras desse tipo de artigos em alguns dias, o que é significativo. Por outro lado, não se sabe em que proporção eles são uma mera antecipação dos presentes de Natal e, portanto, uma concentração de dias de consumo que teriam se espalhado por um período maior, ou se as promoções tentadoras postadas incitam a um superconsumo. No entanto, de acordo com uma pesquisa realizada para o Observatório Sociedade e Consumo, 57% dos que vão participar desses dias acreditam que é uma operação que leva à compra de produtos que não correspondem às suas necessidades. O debate merece ser posto, porque ele é comercial, ecológico e social.
Do lado comercial, as últimas décadas viram o desenvolvimento de práticas que não são pura fraude, mas que são destinadas a enganar o consumidor, como mostra claramente o professor de administração Yves Frédéric Livian em um livro recente. Segundo pesquisas realizadas pelo UFC-Que Choisir, esse seria o caso da Black Friday.
O Observatório do Consumo da associação analisou os preços de vários tipos de mercadorias antes e durante a Black Friday de 2018. O resultado de sua análise é inapelável: “No final, duas observações se impõem. Em primeiro lugar, a proporção dos produtos promovidos pela Black Friday é baixa: apenas 8,3% dos 31.603 produtos acompanhados viram seu preço realmente cair. Depois, a escala dos descontos é mais do que limitada: todos os descontos combinados, os preços caíram apenas 7,5% em média, ou seja, muito longe da redução de 50%, 60% ou mesmo 70% proposta pelos comerciantes”.
A mesma opinião vem de Thomas Huriez, o CEO fundador da 1083, que produz jeans fabricados na França. Ele explica que os descontos têm um significado econômico real quando permitem vender os estoques de uma temporada para financiar a próxima. Ele condena as operações do tipo Black Friday para as quais “os preços das vendas, excluindo os descontos, são amplamente exagerados pelos estabelecimentos comerciais para propor grandes descontos”.
O problema, que mobilizou a deputada Delphine Batho, é que, diferentemente dos descontos cujas práticas estão enquadradas, esses dias de promoção evoluem em uma imprecisão legal que permite inflar os preços de referência para fazer passar por grandes descontos o que na verdade são pequenas reduções nos preços. O poder de compra das famílias, portanto, não recebe especial apoio nesses dias. No ano passado, Que Choisir havia demonstrado que era possível encontrar produtos mais baratos alguns dias após as chamadas promoções especiais.
De acordo com o Center for Retail Research, dos 6 bilhões de euros gastos na Black Friday, cinco serão em lojas, e a marca do bilhão deverá ser ultrapassada através do comércio eletrônico. Numa época em que a emergência climática exige a redução dos custos do digital, o debate concentra-se no impacto ecológico das vendas via intermediários digitais, explica a jornalista Charlotte Anglade em uma notável síntese.
O transporte é a principal fonte de emissões de CO2. O frete urbano aumenta com as distâncias que devem ser cobertas entre os depósitos e os clientes. Além disso, um quarto das encomendas são devolvidas pelos menores de 30 anos, dobrando assim a distância percorrida, pontua um estudo alemão. Além disso, uma pesquisa britânica mostra que um quarto do volume das encomendas está vazio, metade para brinquedos, o que aumenta o número de contêineres e o volume do transporte.
Sem mencionar o desperdício. Segundo a pesquisa do jornalista Benoît Berthelot sobre a Amazon, a empresa destruirá mais de 3 milhões de produtos na França por ano. Um estudo estadunidense apontou que a entrega em um dia aumentou significativamente as emissões das transportadoras tipo UPS e Fedex, além dos Correios. Emissões anuais equivalentes às de 7 milhões de carros.
Finalmente, a France Nature Environnement observa que em Ile de France, 20 milhões de metros quadrados de terra são ocupados por armazéns logísticos, o equivalente a um quarto do parque imobiliário francês! Isso representa um enorme problema de artificialização do solo, porque em mais de 60% dos casos são terras de boa ou muito boa qualidade agronômica. Finalmente, os armazéns são iluminados e refrigerados, e gastam, portanto, energia.
Se a Black Friday entrou no debate político é porque traz à tona fortes questões sociais. Que sociedade de consumo queremos?
Os defensores da Black Friday sonham em prolongar os anos 1960: uma distribuição em massa que dá a ilusão de consumo de massa, analisa o sociólogo Claude Wagner em um livro recente. Diante da dificuldade de viver de uma parte crescente da população, presa entre o poder de compra a meio mastro e o aumento das restrições de gastos – apontado pelos coletes amarelos –, precisamos encontrar o caminho para gastar sempre mais.
Cadeias de comércio eletrônico como a Amazon estão ampliando o desenvolvimento de super e hipermercados. Eles oferecem a mesma acessibilidade a um grande número de produtos, mas tecendo mais facilmente o território graças à internet e oferecendo tempo aos seus clientes pela entrega a domicílio. Eles parecem oferecer a abundância a um bom preço em um “todos unidos contra a vida cara”, jogando no próprio método comercial: a ilusão do bom negócio. Tudo, como os super e hipermercados, em detrimento do varejo.
Esse modo de consumo, no entanto, tem cada vez menos apelo: seu custo ecológico é menos aceito e os franceses preferem cada vez mais o comércio físico local. De maneira mais geral, a recusa do hiperconsumo de bens não ecológicos leva ao crescimento das ofertas alternativas, como o bio, e ao apelo ao desenvolvimento de circuitos curtos e à economia do reciclável.
A questão não é mais ecológica, mas política. Como apoiar essas operações promocionais? Elas destroem não apenas o significado do sinal preço: se podemos vender o produto em pelo menos 50% ou 70%, o que significa o preço? Mas elas representam ganhos no poder de compra limitados e contribuem para manter um estilo de vida ultrapassado que contribui para o aquecimento global.
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Black Friday ou Block Friday? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU