16 Fevereiro 2019
Ontem à noite, aconteceu uma manifestação luminosa em frente à Basílica de Santa Maria Maior em homenagem ao para padre Paolo Dall'Oglio, que nasceu em Roma e foi missionário jesuíta na Síria, onde desapareceu em 2013, juntamente com os milhares de pessoas detidas ou sequestradas desde a eclosão da violência no país, em 2011.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 14-02-2019. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O Papa Francisco encontrou a família do colega jesuíta no dia 30 de janeiro em sua residência, a Casa de Santa Marta, no Vaticano, em um gesto que, segundo um porta-voz, tinha o intuito de demonstrar "afeição e proximidade" a Paolo Dall'Oglio e seus familiares.
O Papa conheceu a família em 2014, perto do primeiro aniversário do desaparecimento do padre.
Assim como grande parte dos jornalistas que trabalharam em Roma, eu conheci Paolo Dall'Oglio. Ele foi uma grande autoridade no universo católico italiano por muito tempo quando o assunto era a Síria e a guerra civil do país.
Ele morou lá por 35 anos, grande parte do tempo para reconstruir o Deir Mar Musa, um mosteiro do século VI abandonado, e transformá-lo num centro de convivência muçulmano-cristão. Ele fundou a comunidade al-Khalil, ou comunidade "Amigo de Deus", promovendo uma compreensão mais gentil do Islã entre os cristãos e vice-versa. Os moradores o conhecem como "Abuna Paolo", que significa "Padre Paolo" em árabe.
Por seu compromisso com as relações inter-religiosas, ele conquistou o Prêmio Nobel para missionários, concedido pela associação missionária Cuore Amico Fraternità, após seu desaparecimento, em 2014.
Mas nada disso fez com que ele ficasse famoso. Na verdade, o que trouxe fama foi o fato de ter sido expulso do país em junho de 2012 pelo apoio à oposição a Bashar Assad.
No exílio, o jesuíta de 64 anos tornou-se um guerreiro incansável em nome do que chamava "democracia consensual" na Síria, pedindo abertamente a expulsão de Assad. Para repórteres, Paolo Dall'Oglio foi uma dádiva de Deus. Ele tem conhecimento e não perdeu tempo no circuito corporativo e diplomático em Damasco. Estava nas trincheiras, onde estão as pessoas de verdade.
Paolo não tinha medo de desafiar quem considerasse irresponsável. Em junho de 2013, apenas um mês antes de desaparecer, eu vi Paolo em um painel, em Roma, com o ex-ministro do exterior italiano Franco Frattini, em que ele zombou abertamente quando o ouviu dizer que não sabia se a Síria melhoraria com a mudança de regime. Ele virou para Frattini e deu uma minipalestra sobre a realidade da vida no governo de Assad.
Paolo chamou muita atenção no início de 2013, quando perguntado sobre a fraca oposição do Papa Francisco ao uso de força militar na Síria para tirar Assad do poder.
"Se eles não acreditam que as tropas estrangeiras às vezes têm um papel legítimo, o que os guardas suíços estão fazendo na Praça de São Pedro?", rebateu.
Essa opinião não é muito popular com a liderança cristã na Síria, cuja maioria tende a ser a favor de Assad por vê-lo como a única alternativa à teocracia e ao radicalismo islâmico.
Em uma carta a Francisco escrita pouco antes de desaparecer, Paolo aborda essa realidade de frente.
"Infelizmente, o regime sírio foi muito inteligente em usar alguns religiosos e religiosas para fazer propaganda de si no Ocidente, onde se representa como o único e derradeiro bastião da defesa dos cristãos perseguidos pelo terrorismo islâmico."
Quando desapareceu, Paolo Dall'Oglio tinha voltado rapidamente à Síria, para negociar a libertação de uma equipe televisiva que tinha sido sequestrada, e acabou sendo pego. Realizar sequestros é uma das principais formas de gerar lucro das várias facções armadas do país. Segundo o site Ora Pro Siria, que é mantido por missionários italianos, o preço para liberar um clérigo cristão na época girava em torno de US$ 200.000.
O sequestro de Paolo ocorreu apenas dois meses depois de outros dois prelados ortodoxos: o siríaco Youhanna Ibrahim, Bispo Ortodoxo de Alepo, e o grego Boulos al-Yaziji, Metropolita de Alepo e Iskenderun. Ambos foram pegos por homens armados enquanto viajavam para Alepo de carro, em abril. O motorista, diácono da Igreja Ortodoxa Siríaca, foi morto a tiros.
Hoje, alguns acreditam que Paolo Dall'Oglio já foi executado pelos radicais do ISIS, enquanto outros suspeitam que o regime de Assad pode ter encontrado uma forma de se livrar de um padre intrometido. Outros dizem que ele está vivo e bem, ainda nas mãos dos sequestradores, aguardando pagamento ou algum ganho político.
Na verdade, ninguém sabe, e apesar de funcionários italianos insistirem na ideia de estarem trabalhando incansavelmente pela libertação de Paolo, o otimismo foi se esvaindo com o tempo.
Claro, ele não é a única figura capturada pelo conflito da Síria. As forças do governo e os grupos armados não estatais sequestraram, prenderam e sumiram com dezenas de milhares de pessoas, e, em muitos casos, seus destinos são totalmente desconhecidos.
No momento, há muito pouco a fazer para ajudá-lo diretamente ou até mesmo para esclarecer sua condição. Porém, o que pode ser feito é fazer ressoarem os pedidos reiterados por Francisco para que a comunidade internacional leve a sério a promoção da paz e da estabilidade na Síria.
Talvez depois de alcançar a paz, possa haver relatos do que aconteceu durante a época de violência - começando pelo destino das pessoas desaparecidas, para quem Paolo Dall'Oglio pode muito bem servir como santo padroeiro.
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Roma lembra célebre missionário jesuíta sequestrado na Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU