14 Agosto 2018
“É necessário mais transparência. Os bispos devem adotar uma política de que não haverá acordos confidenciais com relação a eles mesmos - exceto quando a vítima os pedir - e mesmo assim, os demais bispos devem ser informados sobre o fato de que um acordo foi feito”, escreve Michael Sean Winters, jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 13-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
A raiva ocasionada pelo escândalo em torno do ex-cardeal Theodore McCarrick é compreensível, embora equivocada. Como observei na sexta-feira, acusações sobre “quem sabia o que” surgem como rumores. Compreendo a raiva e o sentimento de traição - com certeza -, mas é impossível não pensar onde estava o ultraje quando, por exemplo, soubemos que um relatório sobre má conduta sexual do arcebispo John Neinstedt não só foi anulado, mas que o núncio na época, arcebispo Carlo Maria Viganò, também ordenou a destruição de documentos, contrariando a lei dos Estados unidos. Antes não era ultrajante e agora é?
Também estou perplexo e surpreso. Um padre - amigo - de Washington me visitou neste verão. Em um jantar, alguns amigos perguntaram se ele estava surpreso com as notícias sobre seu ex-arcebispo. "Bem, deixe-me dizer uma coisa. Eu acredito que as pessoas são capazes de qualquer coisa - boa ou ruim. Eu certamente não tinha motivos para pensar que McCarrick estava envolvido nesse tipo de coisa", observou o padre, sabiamente.
É surpreendente a rapidez com que deixamos para trás a primeira realidade quase bíblica, cuja a traição de confiança e abuso de poder - para não falar de pecados sexuais -, é encontrada em Gênesis, e de alguma forma sempre nos surpreendemos quando alguém conhecido está a frente desses velhos crimes. De qualquer modo, a lamentável história do ex-cardeal McCarrick, é totalmente humana.
Uma importante discussão surgiu sobre como os bispos deveriam abordar os problemas que o episódio de McCarrick revela: A quem se deve relatar uma alegação de má conduta contra um subordinado - maior de idade - como um seminarista, por exemplo? Quais penalidades devem ser anexadas? Somos a religião mais organizada e, portanto, políticas e procedimentos não devem ser ridicularizados. As normas são parte de como uma cultura se formaliza.
Neste caso, os bispos que protestam respondem apenas apenas à Roma e devem insistir que Roma se responsabilize perante a eles: os bispos dos EUA devem exigir que o Vaticano explique quem recebeu relatórios sobre McCarrick e o que foi feito com essa informação em Roma. Eu gostaria que pudéssemos intimar os cardeais Angelo Sodano e Stanislaw Dziwisz, que eram os grandes protetores de McCarrick, mas duvido que eles aceitariam. Onde quer que seja, a questão deve ser levantada: quem foi informado sobre os acordos e que ação foi tomada? Como observei na semana passada, o ex-arcebispo de Newark, John Myers e o ex-bispo de Metuchen, Paul Bootkoski deveriam saber sobre eles, assim como o núncio na época.
No entanto, há algo mais profundo aqui que precisa ser discutido: uma cultura clerical hierárquica doentia.
Há quase seis anos, ao fim de uma reunião plenária da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, escrevi uma coluna que lembrava algo do qual meu mentor, Mons. John Tracy Ellis, escreveu para seu amigo jesuíta Pe. John Courtney Murray, em 1953:
"Algo bom e estimulante foi tirado da Igreja Americana e é difícil ver como isso pode ser recuperado". A coluna enfocou o papel que a romanização da hierarquia dos EUA tinha desempenhado na criação de certas patologias dentro da cultura hierárquica. Algumas delas se manifestam no momento atual.
O principal problema da ‘Romanização’ que toca neste escândalo é que os bispos não se sentem responsáveis uns pelos outros, e nem por seu clero. Ao longo do século XIX, a primeira terna propondo nomes para um novo bispo vinha dos sacerdotes da diocese vaga. A segunda terna vinha dos bispos da província eclesiástica. A escolha de um bispo ao longo do século XX - e até hoje - tem a ver com quem está de acordo com Roma, que tenha um padrinho poderoso. Às vezes a competência mínima não é esperada.
Para ser claro, suspeito que haja uma proporção maior de homens inteligentes entre os bispos do que entre um bando de políticos ou em uma Câmara de Comércio. É surpreendente para mim que tantas pessoas medíocres cheguem a posições de autoridade em todas as esferas da vida. Nenhum sistema de seleção de bispos impedirá por completo a aprovação de um fracassado. Mas, no mínimo, precisamos de um sistema que encoraje um senso de responsabilidade mútua, e retornar ao método de ternas do século XIX seria um começo.
A outra sugestão, que fiz antes e farei novamente, é retornar à antiga prática de nunca mudar um bispo para outra diocese. Do ponto de vista teológico, a relação de um bispo com sua diocese é, ou deveria ser, semelhante à de um homem para com sua esposa. A ideia de o transferir para outra diocese é tão ruim quanto a perspectiva de divórcio. Eu entendo que todos os nossos bispos mais proeminentes hoje serviram de antemão em uma diocese menor. O Cardeal Sean O'Malley está em sua quarta! Retornar à prática antiga não apenas iria reduzir a ambição na cultura hierárquica, como também significaria que um bispo iria tomar suas decisões e arcar com as consequências - diferentemente de um oficial romano no poder.
Eu acredito que ordenar um homem a servir como bispo em uma diocese implicaria profundamente em uma série de mudanças: os bispos iriam repensar os valores de liderança na Igreja e de como o seu papel de líder ordenado difere dos outros, além de como eles podem trazer melhor a realidade sacramental de sua liderança para assumir todas as suas decisões. Dessa forma, eles podem deixar de ser advogados e contadores organizacionais quando más decisões os colocam em problemas.
É necessário mais transparência. Os bispos devem adotar uma política de que não haverá acordos confidenciais com relação a eles mesmos - exceto quando a vítima os pedir - e mesmo assim, os demais bispos devem ser informados sobre o fato de que um acordo foi feito.
Eu resisto à ideia de abrir a nomeação dos bispos para o escrutínio. Como se evitaria que isso se tornasse algum tipo de campanha? Já passou da hora de haver leigos qualificados na Congregação para os Bispos e, mais especialmente, mulheres. Como o número de bispos em todo o mundo cresceu, não é hora de estabelecer seções regionais da Congregação que realizam o processo inicial de verificação? Estes poderiam, com o tempo, servir como um “contrapeso” à autoridade romana que foi fornecida pelos governos locais durante séculos até que as revoluções americana e francesa difundissem a ideia de separar Igreja e estado. Ironicamente, foi essa separação que levou Roma a ganhar controle total sobre a seleção de bispos, um desenvolvimento que se provou pouco saudável.
Esse escândalo teve de tudo: bode expiatório, culpa por associação, conspirações na ausência de fatos, além de ser usado para ganho ideológico ou autopromoção. Isso é tanto uma parte da essência humana - propensa a erros -, quanto a capacidade de má conduta sexual e abuso de poder. O único remédio institucional seriam mudanças na cultura que promovem transparência e responsabilização. Isso pode não impedir que um homem doente suba na hierarquia, mas a responsabilização e a transparência tornam isso menos provável. É tudo que nós, meros mortais, podemos fazer.
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Cultura hierárquica dos bispos precisa ser responsável e transparente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU