30 Junho 2018
“Nenhum de nós na imprensa simplesmente deveria rejeitar a necessidade de se fazer distinções. Ainda precisamos de fontes, não de boatos e rumores. E precisamos de fontes credíveis, aquelas não tendenciosas. Os repórteres sempre devem considerar a fonte de uma alegação”, escreve Michael Sean Winters, jornalista, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 29-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Na semana passada foi noticiado que o cardeal Theodore McCarrick, arcebispo aposentado de Washington, havia sido mandado a se abster de qualquer Ministério por causa de uma credível e justificada alegação de abuso sexual contra um menor.
Também se ficou sabendo de que dois acordos feitos em Nova Jersey envolvendo adultos que alegaram terem sido assediados pelo cardeal quando ele serviu como bispo e arcebispo nesse estado. Cardeal Joseph Tobin, que agora é o arcebispo de Newark, também anunciou que estava retirando a exigência de confidencialidade desses acordos, e disse que as vítimas poderiam se apresentar se desejassem fazê-lo. Mantenho o que escrevi na época em que a notícia veio à tona.
Depois disso, algumas pessoas na mídia decidiram que só esta informação justificaria a torrente de rumores e especulações posta em circulação, não só sobre McCarrick, mas também sobre repórteres que fazem a cobertura sobre a Igreja Católica. Phil Lawler, escreveu no CatholicCulture.org: "Como o segredo do cardeal McCarrick durou tanto tempo?". Ele conclui esse breve ensaio sugerindo que a imprensa era ou preguiçosa ou tendenciosa. "Por que tantos jornalistas estavam dispostos a deixar rumores sem investigação? Ou, se eles investigaram, porque eles estavam tão dispostos a desistir da história num momento em que tantas outras alegações se tornaram manchete?” questiona Lawler.
Rod Dreher foi um dos jornalistas que tentaram investigar sobre os desvios sexuais de McCarrick no início deste século. Ele usou a nova revelação para publicar rumores sobre comportamento de McCarrick que ele não havia publicado anteriormente. Dreher rejeitou a alegação de inocência de McCarrick, escrevendo no The American Conservative, "Inocência? Eu acredito que McCarrick está mentindo, e ele sabe que está mentindo. Esperei por esta história vir a público desde 2002". O poder de denegação em termos de matéria sexual é muito mais forte do que pensa Dreher, e McCarrick poderia muito bem achar que está dizendo a verdade, caso tenha reprimido este incidente.
No New York Times, Ross Douthat viu o surgimento do caso de McCarrick como parte do movimento #MeToo, embora eu suspeite que a razão pela qual a notícia só saiu agora, é que a arquidiocese de Nova York lançou seu Independent Reconciliation and Compensation Program (Programa de Reconciliação e Compensação Independente) em 2016.
Douthat, contudo, fez um comentário que precisa de esclarecimento. "Para os repórteres que investigavam a história, foi um caso onde ‘todo mundo sabia’, mas nenhuma fonte queria ser identificada — então as histórias se evaporavam."
Eu proponho duas perguntas: quem é "todo mundo" e o que entendemos por "saber"?
Para ser claro, muitos dos boatos que têm circulado talvez possam ser comprovados. Outros talvez não. Da mesma forma, molestar sexualmente alguém é ruim e merece punição, e acredito que molestar um adulto subordinado, como um seminarista, é quase tão ruim quanto molestar um adolescente, embora isso não receba a atenção que o abuso sexual de menores tem alcançado, e também não é considerado um crime canônico. Abusos de poder fazem o abuso sexual subjacente ainda mais repugnante.
Mas nenhum de nós na imprensa simplesmente deveria rejeitar a necessidade de se fazer distinções. Ainda precisamos de fontes, não de boatos e rumores. E precisamos de fontes credíveis, aquelas não tendenciosas. Os repórteres sempre devem considerar a fonte de uma alegação. Em 2001, pouco tempo depois de McCarrick chegar a Washington, uma repórter secular me contatou. Ela recebeu um fax que continha alegações de comportamento lascivo por parte do cardeal, incluindo as histórias sobre os seminaristas na casa de praia, e como sempre faltava uma cama, de modo que aquele que sobrava acabava dormindo com McCarrick. As alegações não vieram de um seminarista que tinha estado na casa de praia. Elas vieram de outro bispo que há muito tinha contestado McCarrick em questões ante a Conferência Episcopal e que mais tarde se recusaria a cumprir com as auditorias prescritas pela Dallas Charter (Carta de Dallas) em 2002. Em suma, a fonte era suspeita.
A repórter não tinha interesse em "proteger McCarrick" tampouco se preocupou em ofender as pessoas gays, embora seja chocante o grau em que Dreher e outras pessoas estejam fazendo sugestões sobre uma suposta seita gay na Igreja e na imprensa, que estaria protegendo McCarrick. Não, ela largou a história porque era só fumaça e não havia fogo. Os repórteres não só precisam encontrar o fogo, eles precisam ligar um determinado fogo com uma fumaça particular.
Essa experiência de 17 anos atrás certamente determinou a maneira em que recebi os rumores sobre McCarrick nos anos seguintes. As notícias na semana passada sobre os acordos também me fazem mais disposto a acreditar nas acusações de tanto tempo atrás. Mas, - e um enorme ‘mas’ -, nós dos meios de comunicação só devemos informar as alegações como verdadeiras quando temos fontes que consideramos suficientemente credíveis, e quando sabemos que não estamos agindo irresponsavelmente.
Eu perguntei Cathleen Kaveny, professora de teologia e direito na Universidade de Boston, o que ela pensava sobre o "todos sabiam" que estava circulando na imprensa. "Sabemos que houve uma conclusão em relação ao menor que era bem fundamentada", disse ela. "Sabemos que houve dois acordos com adultos, mas não sabemos com quem. Se alguma pessoa me dá uma sensação assustadora, talvez eu prefira ficar longe dela, e previno os meus amigos para fazerem o mesmo. Mas num caso de tribunal civil, o ônus da prova é 'uma preponderância de evidência', e em um caso criminal, o ônus probatório está 'acima de qualquer dúvida'. Essas distinções importam. O grau de certeza que se tem, afeta as consequências que devem seguir". Distinções importam.
Dentre essas distinções, uma é especialmente complicada. Sabemos que as vítimas de abuso sexual são relutantes em vir a público por uma variedade de razões. Sabemos que muitas mulheres foram ameaçadas de demissão do seu emprego caso falassem sobre a má conduta de um chefe, e não é difícil imaginar que o mesmo possa acontecer entre um padre subversivo e um seminarista subordinado. Temos de ouvir as vítimas e avaliar a sua credibilidade. Essa avaliação deve levar em conta o poder cultural dos agressores sexuais para evitar que o caso seja descoberto, mas permanece a necessidade de uma avaliação.
Questões permanecem no caso McCarrick. Uma vez que os acordos foram feitos, porque foi permitido que McCarrick continuasse em um papel tão relevante? Aqueles que não vieram a público mais cedo não o fizeram porque foram ameaçados? O abuso de poder se estendeu somente para atos sexuais, ou também para o encobrimento destes atos, como sabemos que tem acontecido em muitos casos de assédio no local de trabalho?
A cultura do clericalismo permanece sob acusação e assim continuará por muito tempo. Um leitor me lembrou de que os militares americanos, que, como a Igreja, transmitem um sentimento corporativo de identidade aos seus membros, realmente faz um trabalho muito melhor de policiamento de seus membros do que a Igreja Católica. Nenhum prelado deve ser capaz de usar sua posição para intimidar as vítimas de relatar o assédio que receberam.
Mas, na medida daquilo que interessa a imprensa, não podemos fazer circularem boatos que prejudicam as pessoas, a menos que tenhamos alguma prova, a menos que tenhamos fontes credíveis. Usar as notícias da semana passada para publicar rumores que ainda são infundados me pareceu assustador. Se as fontes permitirem identificação, publique as histórias, é claro. Não importa o quão impressionantes ou prováveis são os rumores, só devemos dizer que "sabemos" algo quando realmente temos conhecimento a respeito.
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Caso McCarrick: Rumores são irresponsáveis até que sejam provados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU