07 Agosto 2018
Steve Bannon cria em Bruxelas uma fundação para promover o voto radical populista. Ele esteve com o filho do candidato brasileiro em Nova York.
A reportagem é de Pablo de Llano, publicada por El País, 06-08-2018.
As eleições para o Parlamento Europeu costumam ser um anódino conflito no meio dos acalorados apelos das instituições comunitárias à participação e da indiferença de uma grande parte da opinião pública. Mas o próximo encontro com as urnas, em maio de 2019, promete ser mais quente que nunca, graças ao crescimento dos partidos populistas, que contarão com o apoio de um personagem completamente alheio à arena continental: Steve Bannon, ex-braço-direito de Donald Trump, expulso da Casa Branca e em busca de novas batalhas, que pode incluir,também as eleições brasileiras.
Na semana passada, um dos filhos de Jair Bolsonaro (PSL), candidato à Presidência nas eleições de 2018, se encontrou com Bannon em Nova York. Eduardo Bolsonaro publicou em sua conta de Twitter uma foto ao lado do ex-braço-direito de Trump e afirmou que Bannon é um entusiasta da campanha do pai. "Conversamos e concluímos ter a mesma visão de mundo", escreveu o filho do candidato do PSL.
Bannon ficou órfão de poder desde que Trump o demitiu, em agosto de 2017, e mais ainda quando, em janeiro, o presidente disse que seu ex-assessor tinha “perdido a cabeça” ao criticar seus filhos em um livro. Em seguida, a família Mercer, seu mecenas, o deixou no vácuo, e o site radical Breitbart lhe mostrou a porta da rua. Mesmo como maldito, continua aparecendo nos meios de comunicação, respaldando Trump apesar de tudo, e provocando. Ao The Hill, disse que a separação de pais e crianças imigrantes na fronteira foi “uma solução muito humana”. Rondará a política do seu país até as eleições legislativas de novembro, e depois se dedicará a tentar influenciar o pleito na União Europeia, em suas palavras “o primeiro cara a cara entre o populismo e o partido de Davos”.
As manobras europeias de Bannon, de 64 anos, são conhecidas há alguns meses, mas só em julho ele falou pela primeira vez sobre o Movimento, uma fundação inscrita em 2017, segundo documentos oficiais em Bruxelas, por Mischaël Modrikamen, advogado e membro do minoritário Partido Popular belga (sem vínculo com o Partido Popular Europeu, principal bloco conservador no Parlamento Europeu). O Movimento será seu veículo para apoiar a partidos nacional-populistas na eleição parlamentar continental, com a aspiração de formar um “supergrupo” eurocético. Um cavalo de Troia para desintegrar a União: essa é a fantasia de Bannon. “O que vem é o populismo de direita. Isso governará”, disse ao The Daily Beast. Imagina uma volta à Europa dividida dos Estados-nações, “com suas próprias identidades e suas próprias fronteiras”. Embora diga que gostaria de ter a capacidade de influência do magnata George Soros e sua Open Society Foundation, a equipe de 10 funcionários do Movimento indica que por enquanto sua aventura é mais um desejo napoleônico que um embate real.
Seus críticos desdenham dos seus planos. Kurt Bardella, ex-colaborador de Bannon convertido em democrata, escreveu que a Europa, para o ex-conselheiro áulico de Trump, é só uma via para alimentar seu personagem: “Por si só ele não é nada. Não é um líder. É um organismo que necessita de outro para viver, como um parasita”. O especialista holandês em extremismo Cas Mudde dizia numa coluna que “é tão ridículo que ele proclame que quer unir a direita radical europeia quanto que a mídia publique isso acriticamente”. Acrescentava que Bannon não tem nada “de Rasputin nem de prodígio político”, apenas sabe “vender-se a investidores e jornalistas como um operador político bem-sucedido”. John Judis, autor de The Populist Explosion (“a explosão populista”), diz ao EL PAÍS que Bannon é “um intelectual sem habilidades burocráticas” e duvida dele como “organizador”.
Entretanto, sua entrada em cena preocupa a elite comunitária. “Bannon tem o plano e o dinheiro necessários para influenciar as próximas eleições europeias”, avisa o grupo liberal do Parlamento Europeu, que inclusive lançou um abaixo-assinado para demonstrar sua rejeição às ideias do norte-americano. “Quer unir os Orbans, LePens, Wilders e outros extremistas com o objetivo de acabar com os valores europeus”, acusam os liberais, quarto maior grupo parlamentar, com 68 dos 751 assentos.
Fontes comunitárias dizem aceitar o desafio e ter confiança de que a UE resistirá. Inclusive contemplam a possibilidade de uma derrapagem espetacular. “Veremos o que ele vai fazer quando descobrir que a legislação europeia não é tão tolerante com a exploração de dados pessoais”, comenta um alto funcionário europeu, em referência às artimanhas digitais de captação de voto que ele usou como chefe de campanha de Trump. “E vai se deparar com normas muito mais restritivas de financiamento partidário e de campanhas”, tranquiliza.
Matthew Goodwin, estudioso britânico do populismo, diz a este jornal que Bannon é “uma figura certamente influente e com capacidade para, no mínimo, colocar uns em contato com os outros”. Mas relativiza que “resta ver se seus esforços podem evoluir para um movimento pan-europeu sério”. Yascha Mounk, autor de The People vs Democracy (“o povo contra a democracia”), avisa que os partidos populistas europeus demonstraram nos últimos anos “ser capazes de aprender uns com os outros em um nível assombroso”, e a bagagem de Bannon poderia contribuir para isso. A grande dificuldade que ele enfrenta, segundo Mounk, é que as eleições europeias “têm muito menos relevância pública, e não há um único candidato em torno do qual mobilizar o fanatismo, como nos EUA”.
Bannon apenas começa a despontar com seus planos incertos, mas nas capitais europeias a inquietação se difunde. Não tanto pela força do propagandista, mas pela fragilidade da UE, que, segundo fontes diplomáticas, se encontra num dos momentos mais delicados da sua história. Seria uma cruel ironia que a participação nas eleições aumentasse pela primeira vez graças a Bannon, e que isso servisse para tentar demolir a UE.
O poder político de Bruxelas saiu de férias consciente de que, ao voltar, pode encontrar um inimigo estranho, que terá de ser mensurado. Há 40 anos, o Parlamento está dominado pelas duas grandes famílias europeias (populares e socialistas), com os liberais e verdes completando um bloco pró-UE. Os eurocéticos e a extrema direita vêm ganhando peso, mas somam apenas 170 assentos, insuficientes para ditar ou obstruir a pauta parlamentar. Esse lado perderá, depois do Brexit, os apoios britânicos (38 votos), mas Steve Bannon espera coligar grupos de vários países e inclusive atrair a ala mais dura do Partido Popular Europeu (PPE).
Desde que Bannon começou a flertar com a Europa, apenas dois partidos marginais e sem a menor presença em nível comunitário – o espanhol Vox e o belga Partido Popular (sem vínculo com o PPE) – se mostraram disposto a trabalhar com ele. Na França, conta com a simpatia de Marine Le Pen e sua Reagrupação Nacional, mas membros do partido descartaram qualquer plano “supranacional”. Tampouco o Alternativa pela Alemanha (AfD) pensa em cooperar com ele.
Onde é mais ouvido é no núcleo duro do Brexit, no Reino Unido, que não participará mais das eleições europeias. Ali conta como aliado com o eurófobo Neil Farage, ex-líder do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP), e se dá muito bem com Boris Johnson, o chanceler tory que se demitiu em julho e desponta como potencial candidato à sucessão da primeira-ministra Theresa May. Em Londres também opera seu sócio Raheem Kassam, de 32 anos, um dândi de origem muçulmana, mas anti-islâmico, que participa do Movimento.
O modelo de sucesso na Europa, para Bannon, é o Governo italiano, formado pela Liga e o Movimento Cinco Estrelas, com o ministro do Interior, Matteo Salvini, aplicando seu ideário xenófobo. “A Itália é o coração palpitante da política moderna”, disse ao The Daily Beast. É o mesmo Stephen Kevin Bannon que em março, no congresso da então Frente Nacional, exclamou: “Deixem que chamem vocês de racistas, xenófobos ou o que for. Recebam isso como uma medalha de honra”.
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Ex-estrategista de Trump avança na frente europeia e entra na mira da campanha de Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU