07 Julho 2017
“O sinal que o Papa Francisco parece ter dado ao mundo inteiro com a nomeação de Ladaria é o de uma brusca freada do já tímido processo reformador.”
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado porl Il Fatto Quotidiano, 04-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A prudência, nestes casos, é sempre uma obrigação, mas a escolha papal de Luis Ladaria Ferrer como novo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé poderia se revelar drasticamente equivocada. E não só porque, como escrevem a L’Espresso e o La Repubblica (o mesmo jornal que, com a assinatura de Alberto Melloni, exaltava mais uma escolha “revolucionária” do papa), ele é acusado de ter encoberto as atividades de um padre pedófilo, ordenando a não revelar a existência de uma condenação canônica contra ele e, portanto, permitindo-lhe continuar molestando de crianças, também sem a batina.
Lembremos que Francisco já teve que se privar, por razões análogas, ligadas à pedofilia, do ministro da Economia, o cardeal George Pell, que renunciou ao cargo e emigrou para a Austrália para se defender perante um tribunal.
O outro problema, a propósito de Ladaria, é que ele é conhecido nos ambientes jesuítas e eclesiais por ser um conservador tenaz, como assinalado pelo fato de ter sido posto na Congregação por Joseph Ratzinger. Ladaria foi, durante anos, o vice de Müller e, em 2014, e não há 100 anos, em resposta a um padre francês que perguntava se um padre podia absolver um divorciado em segunda união, permitindo-lhe o acesso à comunhão, ele escrevia: “Não se pode absolver validamente um divorciado em segunda união que não tome a firme resolução de ‘não pecar mais’ e, portanto, abstenha-se dos atos próprios dos cônjuges, e fazendo, nesse sentido, tudo o que estiver em seu poder”, ou seja, assumindo o compromisso de viver com o novo cônjuge em plena continência, como irmão e irmã.
É uma frase que não surpreende, porque reitera o ditado da Familiaris consortio de João Paulo II e porque, negando toda abertura à readmissão à Eucaristia dos divorciados em segunda união, defende exatamente o que o torpedeado cardeal Müller saiu dizendo e escrevendo depois da aprovação da exortação apostólica Amoris laetitia: isto é, que não mudou nada em relação ao passado, que as aberturas da Amoris laetitia são um parto da fantasia de alguns visionários e que a Igreja está alinhada, sobre esses problemas, com as posições intransigentes de sempre.
O sinal que o Papa Francisco parece ter dado ao mundo inteiro com essa nomeação é o de uma brusca freada do já tímido processo reformador. O que pesou mais na mente do papa, a nós, não é dado a saber: pode ser que ele entreviu a mobilização agressiva de tantos conservadores, e que isso o induziu a ceder e a nomear um deles na delicadíssima posição de número três da Igreja mundial (o número dois é o secretário de Estado, Pietro Parolin).
Pode ser, em vez disso, que ele mesmo tenha se assustado, como aconteceu com Paulo VI, com as consequências das mudanças, mesmo que mínimas, introduzidas até aqui para a capacidade geral da Igreja. Pode ser ainda que, fascinado pelos efeitos da comunicação pessoal e do seu carisma, ele não leve em conta alguma (veja-se o recente livro de Gian Enrico Rusconi sobre o papa “teólogo narrativo”) os aspectos teológicos, privilegiando os pastorais e os gestos surpreendentes e, portanto, considere inofensivo um conservador como Ladaria na cúpula do órgão que estabelece a rota doutrinária e ideológica da grande barca eclesial.
Seja como for, a escolha parece regressiva e parece induzir um decisivo enfraquecimento das esperanças que alguns ainda alimentavam no papado argentino.
Francisco está se revelando, com as suas gigantescas ambiguidades, um maravilhoso investimento para a Igreja Católica: por um lado, ele assegura o renascimento de uma imagem desgastada, graças à sua simpatia efervescente, à simplicidade da sua linguagem e à eficácia de algumas frases lançadas como que por acaso no meio de uma coletiva de imprensa (a mais famosa, obviamente, foi aquele “quem sou eu para julgar um homossexual?”, que deu a volta ao mundo e que, depois, se revelou, por admissão do próprio Francisco, uma citação do catecismo); por outro, ele não provoca um único arranhão no aparato institucional, ao contrário, preserva-o e protege-o de todo ataque externo, em absoluta continuidade com os antecessores, que, porém, cometiam o equívoco de serem menos amigáveis e de parecerem mais severos, mais rudes. E de se mostrarem menos modestos, mais solenes ao caminhar, mais sérios e distantes dos humores populares do que esse extraordinário pastor argentino. Que consegue esconder magnificamente o fato de ser o chefe de uma organização que continua não mudando.
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A perigosa escolha do Papa Francisco. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU