Com um foco acentuado no
Papa Francisco e na reação da Igreja a
Donald Trump, às vezes é fácil esquecer que o catolicismo é uma religião mundial de 1.2 bilhão de fiéis.
A seguir apresentamos um resumo das questões que desafiam a Igreja em todo o mundo, da
Venezuela à
Argentina, de
Israel à
Inglaterra.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 12-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Com tantas coisas acontecendo em Roma e nos EUA ultimamente, às vezes é fácil esquecer que a Igreja Católica é uma instituição mundial, com padres e missionários presentes praticamente em todos os países e com representantes papais acreditados aos governos locais em mais de 180 nações.
Na rotina diária das notícias, onde o
Papa Francisco e Donald Trump invadem as manchetes, vale dar um passo atrás para ver o que está acontecendo em outras partes do planeta, de maneira semelhante ao líder da Igreja Católica faz quando profere a bênção “urbi et orbi” dirigida à cidade e ao mundo.
Seja a imigração, seja a violência social, o
abuso sexual clerical ou os escoteiros, todos são assuntos que um escopo internacional e que a Igreja, frequentemente, responde a eles de um jeito local.
Imigrantes e refugiados sofrem em muitos lugares, não só nos EUA
Em Israel, quatorze jovens filipinos de 11 anos, nascidos em Israel de pais trabalhadores imigrantes, estão prestes a ser expulsos do país por não possuírem residência legal.
O padre jesuíta
David Neuhaus, vigário patriarcal do Patriarcado Latino de Jerusalém, mandou uma carta para o ministro do Interior israelense instando-o a cancelar a deportação.
“O senhor decidiu que não há lugar para eles no Estado de Israel”, escreve o jesuíta. “Estes adolescentes nasceram, todos eles, aqui, falam praticamente só o idioma hebreu, veem este país como a sua terra natal e têm somente um sonho: fazer deste lugar o lar deles, contribuindo para o desenvolvimento e prosperidade do país”.
Na carta, o padre recorda o presidente filipino Manuel Quezon, sob cujo mandato o país recebeu mais de 1.300 judeus fugidos da Europa, salvando-os dos campos de extermínio nazistas.
“Prezado Sr. [Aryeh] Deri, não estou somente elogiando os atos do Sr. Quezon para chamar-lhe a atenção, mas principalmente estou apelando ao senhor, como judeu, israelense e ser humano, em nome de quatorze crianças de 11 anos”, afirma Neuhaus.
Os avós destas crianças, continuou, chegaram a Israel para cuidar dos nossos idosos, deficientes e doentes, o que fizeram com devoção e amor.
“Muitos deles deixaram para trás os seus próprios pais idosos, parentes deficientes e doentes, e estão a cuidar dos nossos”, escreveu.
Na Inglaterra, o governo decidiu encerrar o programa para crianças refugiadas chegadas à Europa.
A expectativa original era de que o governo ajudasse a realocar três mil menores que chegaram ao continente desacompanhados através de países como a Espanha, a Grécia e a Itália. No entanto, somente 350 serão aceitas, 200 das quais já estão na Inglaterra.
Justin Welby, arcebispo de
Canterbury, falou que ficou “chocado e entristecido” com o anúncio do governo.
Em entrevista à Rádio BBC, o prelado anglicano disse que os pais não “acordam por acaso num certo dia” e decidem que o mais fácil a fazer é mandar os filhos viverem por conta própria.
Menores migrantes desacompanhados, segundo Welby, são o sintoma de uma situação mais extrema. Ele pediu que a vulnerabilidade destas crianças seja reconhecida: “A alternativa vai ser que elas sejam traficadas”.
“Estas crianças não vão deixar de ser traficadas; elas acabarão em bordéis, em lugares onde serão exploradas, mal-tratadas, manipuladas e, muitas vezes, mortas”.
O
Cardeal Vincent Nichols, de
Westminster, igualmente se colocou contra a decisão tomada pelo governo de
Theresa May, dizendo que, ao cancelar este programa, o governo está “abandonando o seu dever estatutário e moral de assumir uma ação efetiva para a proteção dos menores refugiados, vulneráveis e desacompanhados”.
Em sua conta no Twitter, o prelado declarou: “Desejo que o governo trabalhe com um vigor renovado, em âmbito nacional e internacional, para auxiliar os menores refugiados vulneráveis”.
No primeiro dia do mês, centenas se reuniram à beira da praia em Barbate, município litorâneo na província de Cádiz, na Espanha, para orar por Samuel, menor congolês com 6 anos de idade que recebeu este nome depois de ser encontrado morto no final de janeiro.
Gabriel Delgado, diretor do setor diocesano para a migração, conduziu uma oração lendo uma mensagem enviada pelo bispo de Cádiz y Ceuta, Dom Rafael Zornoza Boy.
“Nesta manhã, mais do que nunca, devemos despertar da anestesia egoísta de conforto e individualismo que caracteriza as relações humanas para unirmos as nossas forças em oração e ação. Digamos todos em voz alta a palavra que expressa o que vemos e sentimos: Vergonha!”, Zonroza Boy escreveu.
O banho de sangue na Venezuela
Ao tentar reacender o diálogo entre o governo e a oposição, o
Papa Francisco sugeriu que ambas as partes realizassem uma reunião no
Vaticano em janeiro passado. Na sexta-feira, membros do grupo oposicionista disseram que não haviam descartado a ideia.
Pouco depois, o Cardeal Jorge Urosa Savino, de Caracas, disse que a possibilidade não está mais disponível porque a Igreja acredita que as condições necessárias para um eventual diálogo não estão garantidas ainda.
Em entrevista a uma rádio local, o prelado falou que, em 1º de dezembro, o
Vaticano havia “muito claramente” expressado a decepção com o governo do presidente
Nicolas Maduro. Uma das condições era a libertação de prisioneiros políticos como um “sinal de boa vontade”.
Não só não foram libertos prisioneiros, mas o governo na realidade acrescentou nomes à longa lista, incluindo Leopoldo López, um dos políticos mais conhecidos do país, e Antonio Ledesma, prefeito de Caracas, capital nacional.
No mesmo dia, a Veppex (ONG de Venezuelanos Politicamente Perseguidos no Exílio) enviou uma carta ao papa instando-o a abandonar as negociações porque eles estão apenas “fortalecendo a ditatura dominante” que governa o país.
O grupo também chamou o diálogo de uma “farsa” que mantém um regime “opressor de um povo a morrer de fome”.
Devido à falta de medicamentos, venezuelanos estão morrendo de doenças curáveis, como a gripe.
Durante uma visita recente à Espanha, Dom Ubaldo Santana, ex-presidente da Conferência dos Bispos da Venezuela, disse à revista Alpha and Omega que “há já um banho de sangue, de consideráveis proporções, na Venezuela”.
“Estamos falando de aproximadamente 30 mil pessoas mortas por ano, e se não conseguirmos encontrar meios pacíficos para entendermos uns aos outros, esse número poderá aumentar”, disse Ubaldo Santana.
Além da violência crescente e da falta de disposição, por parte do governo, de dialogar, cada vez mais a Igreja local tem sido alvo de ataques ideológicos – uma resposta direta aos apelos feitos por padres e bispos de pôr um fim à crise.
Dom Diego Padrón, atual presidente da Conferência dos Bispos, falou que a Igreja não vai se intimidar com os ataques. Desde 29 de dezembro, dois bispos, um mosteiro e duas igrejas foram atacadas, seja por apoiadores do governo, seja por militares, com missas sendo interrompidas.
Na Argentina do Papa Francisco: abuso sexual e teoria de gênero são problemas também
Na quinta-feira, o papa telefonou para
Rufino Varela, cidadão de 52 anos que fora abusado sexualmente por um padre em
Buenos Aires, membro da Congregação dos Irmãos Cristãos que trabalhava em uma escola local chamada Colegio Cardenal Newman.
Por cinco anos, a começar quando tinha 11 anos de idade, um homem que trabalhava como funcionário doméstico na casa de Varela o abusou sexualmente. Quando tinha 16 anos, Varela conversou sobre isso com um padre, que, em vez de ajudá-lo, levou-o para a sua sala, onde bateu no menor com um chicote e acabou abusando-o também.
Quando terminou, segundo Varela, o padre disse: “Agora você está em paz, isso é um segredo entre nós e Deus”. O abusador morreu em 1997.
No ano passado, Varela foi a público com as acusações, em princípio porque a escola se recusou a emitir um pedido público de desculpas. Desde então ele vem dizendo que existem vários casos parecidos.
Francisco telefonou para Varela em seu telefone celular depois de receber uma carta escrita por
Paula Aranoa, prima da vítima, em que explicava o que o parente havia passado.
O sobrevivente tornou o telefonema público via Facebook, onde postou que havia ficado sem palavras quando percebeu quem estava do outro lado da linha. “Nos alamos por vários minutos sobre coisas muito importantes que vou guardar em meu coração para sempre”, escreveu.
Varela também disse que queria estender as bênçãos do papa a todos os que estão na luta contra abusos e maus-tratos. “Sinto uma grande esperança! Obrigado, Papa Francisco!”.
Em entrevista à agência noticiosa EFE, a vítima falou que era como que a pessoa mais importante do mundo, de quem precisava de uma mensagem, estivesse se apresentado via telefone. “Acho que esse é o telefonema mais importante da minha vida”.
Entre outras coisas, ele falou que Francisco pediu desculpas em nome da Igreja. Varela disse que conversaram sobre o sentimento de se sentir abandonado pela Igreja e pela imprensa, e sobre a vulnerabilidade de outros sobreviventes.
Membros da Congregação dos Irmãos Cristãos foram acusados, e muitos considerados culpados, de abusar sexualmente menores na Austrália, no Canadá, na Irlanda, nos EUA e na Inglaterra.
Também na Argentina, o Cardeal Mario Poli, escolhido pelo Papa Francisco para sucedê-lo como arcebispo de Buenos Aires, anunciou que a Igreja não vai mais apoiar os escoteiros por causa do apoio do grupo “à teoria de gênero” e ao aborto.
Quando foi designado para Buenos Aires, Poli era o líder espiritual do grupo em nível nacional, e vários grupos escoteiros estiveram presentes quando ele tomou posse da arquidiocese.
No entanto, depois que Dom Héctor Aguer, de La Plata, anunciou que a diocese não iria mais apoiar os escoteiros pelos motivos apresentados, Poli enviou-lhe uma carta reconhecendo que, na realidade, o movimento havia perdido os seus “valores cristãos fundacionais”.
Na missiva, Poli escreve sobre “o avanço da
ideologia de gênero”, que alcançou o seu auge na Assembleia Nacional, onde se votou para redefinir o conceito de família. Ela não é mais “formada por um homem e uma mulher” que têm crianças, mas por “pessoas”, a fim de incluir casais homoafetivos.
“Para defender essa alteração, claramente usaram os princípios e as ideias da ideologia de gênero, incluindo o ‘direito ao aborto’”, escreveu Poli.
Essa mudança, falou o religioso, foi adotada como uma forma de aceitar a legislação educacional argentina, que foi alterada depois que se aprovou o casamento gay em 2010. Isso aconteceu a despeito do fato de que, no país, 96% dos escoteiros são católicos.
Segundo o sítio eletrônico do Ministério da Educação do país, a “desnaturalização dos estereótipos de gênero” começaram em 2010, quando a terra natal natal do Papa Francisco legalizou o casamento gay, tornando-se o primeiro país latino-americano a aprovar uma tal lei.
Os escoteiros argentinos publicaram uma nota no sábado em que categoricamente negam que a organização rompeu a relação com a Igreja Católica local. Segundo o texto, eles também não afirmam ser o aborto um direito, reconhecendo, no entanto, que, realmente, o texto do projeto educativo do grupo foi modificado porque buscaram prestar respeito “a todas as religiões” dos diferentes escoteiros, e porque a “espiritualidade” é uma parte central e indissolúvel do Método Escoteiro”.
Em entrevista à imprensa local no domingo,
Juan Manuel Salvado, diretor executivo dos Escoteiros da Argentina, declarou que a mudança na constituição não é em apoio ao casamento gay, mas em atenção aos filhos que apenas têm uma mãe ou um pai.
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Refugiados, pedofilia e gênero: preocupações católicas globais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU