Votos do Natal 2025. Artigo de Flávio Lazzarin

Foto: Ben White | Unsplash

Mais Lidos

  • Dossiê Fim da escala 6x1: Redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6x1: Desafios e estratégias sindicais no Brasil contemporâneo

    LER MAIS
  • Celular esquecido, votos mal contados. O que aconteceu no Conclave. Artigo de Mario Trifunovic

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Assine a Newsletter

Receba as notícias e atualizações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em primeira mão. Junte-se a nós!

Conheça nossa Política de Privacidade.

Revista ihu on-line

Natal. A poesia mística do Menino Deus no Brasil profundo

Edição: 558

Leia mais

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

19 Dezembro 2025

"É esta história, aparentemente fadada a se repetir que o menino Jesus enfrenta vitoriosamente; é a Luz de Deus Pai que cria um espaço aberto à totalidade e radicalmente alternativo ao sistema de morte", escreve Flávio Lazzarin, padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Eis o artigo.

O Menino Jesus nos diz e nos faz ver claramente que o mundo – e a forma como vivemos e o vemos – mudou radicalmente com a sua chegada.

Aqui está uma luz muito mais forte e abrangente do que a estrela de Belém, que nos diz amorosamente que é tolice e impotência ainda acreditar que são os poderosos e violentos que dominam a vida e a história.

'Tigres de papel' foi como Mao Tsé-Tung definiu os capitalistas mas, infelizmente, contradisse a si mesmo ao repropor, com a vitória da revolução, a ditadura do Estado e da guerra. E até hoje, de fato, parece que nada mudou e somos forçados a repetir a mentalidade e o comportamento de nossos ancestrais do neolítico. Aprendemos isso, na escola, desde o ensino fundamental, com a proposta acrítica da história da humanidade, reduzida a uma sucessão de eventos bélicos, sempre justificados por 'Deus' ou por suas reduções seculares da modernidade jacobina.

A ilusão de poder é um tema constante da arte e da filosofia. Muitos mostraram efetivamente o quão frágil, efêmera e ridícula é a presunção dos poderosos. O segredo de seu suposto poder baseia-se na vulnerabilidade de um consenso ilusório ou no medo.

E alguns pensadores decifraram e denunciaram a violência e a guerra, processos constitutivos de todo poder tanto no contexto das relações familiares quanto no contexto das sociedades mais amplas. Poder dominador e ilusório, que não se revela apenas em estruturas políticas, onde os governantes são reduzidos a caricaturas grotescas, incapazes de administrar a realidade, mas se oculta - e deve ser desmascarado - no sistema religioso e familiar do patriarcado, machista e racista.

Agora, porém, a história trágica do exercício do poder, que a maioria aceita como um legado indiscutível e invencível, se configura como um teatro vacinado contra o riso, a ironia e a sátira, porque, dentro e fora de casa, há muito tempo, os políticos monopolizam o farsesco e não se preocupam em esconder sua aparência tragicamente caricatural, ridícula e grotesca. E, fato indiscutível, o poder constituído mostrou-se capaz de contaminar todas as tentativas revolucionárias que quiseram usar para vencer as mesmas ferramentas do poder: violência, guerra, estado.

É esta história, aparentemente fadada a se repetir que o menino Jesus enfrenta vitoriosamente; é a Luz de Deus Pai que cria um espaço aberto à totalidade e radicalmente alternativo ao sistema de morte. É o poder definitivo e desarmado dos pobres, dos pequeninhos e das pequeninhas, que testemunha o Reinado em que Justiça e Paz, Verdade e Misericórdia podem em fim se abraçar. Este ‘território’ é o lugar em que o Pai revela o seu projeto e fundamenta a nossa alegria.

É a partir desta alegria de sermos chamados a nos aliarmos a Abba, que “Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (Lucas 1,52-53). que podemos forjar uma aliança com às vítimas e enfrentar o poder dos impérios e dos estados que mata, massacra e extermina. Somos nós, discípulos e discipulas de Jesus, que podemos organizar e articular uma rebelião desarmada contra quem ainda hoje mata também as crianças.

Somos servidores do Reinado de Deus, que nos alerta, porém, que a alegre esperança da Ressureição da humanidade e da Criação provoca o ódio e a perseguição que nos reservam os inimigos da vida. Não pode existir discipulado sem a Cruz. Seria a “Graça barata”, de que nos falava, no contexto do nazismo, Bonhoeffer[i], a “graça sem discipulado, graça sem a cruz, graça sem Jesus Cristo vivo e encarnado”. Ilusão infiel e blasfema da possibilidade de conciliar o antirreino com a pessoa e a Palavra de Jesus.

Jesus Menino. Penso em todas as crianças assassinadas... nas crianças desalojadas devido às guerras e perseguições, abusadas e exploradas sob os nossos olhos e o nosso silêncio cúmplice; seja ainda nas crianças massacradas nos bombardeamentos, inclusive onde o Filho de Deus nasceu. Ainda hoje o seu silêncio impotente grita sob a espada de tantos Herodes. Sobre o seu sangue, estende-se hoje a sombra dos Herodes do nosso tempo. Verdadeiramente há tantas lágrimas neste Natal que se juntam às lágrimas de Jesus Menino!” [ii]

Notas

[i] Bonhoeffer Dietrich, Sequela, Queriniana, Brescia, 2004. (Nachfolge, 1937)

[ii] papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, Natal, Quinta-feira, 25 de dezembro de 2014.

Leia mais