Epifania: Luz da Luz no Seu nascimento, no vai e vem da vida, sem perder o brilho da Luz na Luz! (Mt 2,1-12). Artigo de Jacir de Freitas Faria

Foto: Wikimedia Commons

06 Janeiro 2025

"E nossa liturgia, com a celebração da epifania fecha o ciclo natalino, mas a luz de Deus que brilha em nós tem a função de iluminar o nosso ano que se inicia com as suas lidas e labutas, dores e alegrias, no vai e vem de dias ensolarados, na luz de Deus que mora dentro de nós até o dia em que voltaremos para a morada eterna da Luz que não se apaga".

O artigo é de Frei Jacir de Freitas Faria, OFM. 

Frei Jacir de Freitas Faria é Sacerdote Franciscano, doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, professor de Exegese Bíblica e presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Autor de doze livros e coautor de dezesseis. Sua última publicação é Os murais do Santuário Santo Antônio, de Divinópolis (MG), no simbolismo do Três na Trindade e na Crucifixão de Jesus: interpretação bíblica, teológica, catequética e franciscana das pinturas de Frei Humberto Randag. Belo Horizonte: Província Santa Cruz, 2024. Canal no Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos

Eis o artigo. 

O texto sobre o qual vamos refletir hoje é Mt 2,1-12. Trata-se da visita dos reis magos à gruta de Belém, levando presentes para o Menino Jesus que havia nascido, bem como a investida do rei Herodes, o Grande (39 a.E.C. a 4 E.C.), para localizar o Salvador, supondo que ele seria o seu rival no governo da Judeia. Essa passagem de Mateus, inspirada em Is 60,1-6, é utilizada na celebração da festa da Epifania. “Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz!” Seguindo a tradição de Miqueias (Mq 5,1), a comunidade de Mateus descreve como a luz de Deus brilhou em Belém, a menor de todas as cidades da Judeia. A exegese moderna defende que o nascimento de Jesus foi em Nazaré, aquela que guarda o rebento, e não em Belém.

Celebrada no dia 6 de janeiro, a Epifania, termo latino derivado do grego, significa visível, manifesto. Para os cristãos, é a encarnação de Deus no meio de nós em Jesus Cristo. Na igreja do Ocidente, ela acontece com a visita aos reis magos ao Menino Jesus, na gruta de Belém. Já na igreja do Oriente, a epifania ocorre com o batismo de Jesus por João Batista, no rio Jordão.

Epifania tem relação direta com a ideia da luz e do sol. A celebração do sol como um deus invicto que nunca se apaga, no dia 25 de dezembro, começou no império romano, no 274 E.C., com o decreto do imperador Aureliano. O Sol Invencível era adorado pelos romanos, mas eles também, no dia 25 de dezembro, uma divindade persa, o deus Mitra, aquele que vence a escuridão da noite. A partir do ano 313 E.C., quando o cristianismo passou a ser a religião oficial do império romano, a festa do Sol, deus-Invicto, que nasce no dia 25 de dezembro, foi transformada na celebração do Natal de Jesus. Mais tarde, veio a festa da epifania como visibilidade de Deus encarnado. Portanto, celebrar a epifania nos coloca na dimensão da luz. Que luz? A de Deus, em primeiro lugar, e como Ele se manifesta em nossa vida. Como está o brilho de sua luz? Como Deus se manifestou no nascimento de Jesus? Natal é a festa da encarnação epifânica de Deus. No Natal, Jesus não faz aniversário, mas pede passagem para continuar sendo luz em nossa vida. Pena que a sociedade moderna entende o Natal como aniversário. Por isso, vende e troca presentes. Natal e Epifania são sinônimos de luz.

Deus é luz. O substantivo Deus é de origem latina. Seria a transcrição da divindade maior do panteão grego, Zeus, a divindade suprema que venceu seu pai, o Cronos, e governa o cosmos, o universo, desde o monte Olimpo? Pode ser! O substantivo Deus, conforme seu tronco linguístico, pode ser God em inglês, Gud em holandês, Gott em alemão, assim como Dieu em francês), Dios em espanhol, Dio em italiano etc.

Na verdade, Deus tem sua origem em sânscrito, a antiga língua da Índia e do Nepal e considerada proto-indo-europeia, isto é, a origem de muitas línguas europeias. Em sânscrito, Deus se diz deiwos, dêva ou dywe, que vem de div e significa brilhar, e dew, luz, brilho. Deiwos ou Deus significa brilhante. Da mesma raiz, temos dia. Portanto, ao dizer bom dia, estamos desejando que Deus seja luz na sua vida. Jesus é Deus! Deus é Luz! Jesus é a luz no caminho de nossas vidas.

Compreendido o sentido de Deus como luz, vejamos o que a tradição conservada na literatura apócrifa, aquela que não foi considerada inspirada, mas que faz parte de nossa fé, deixou registrado o dia nascimento de Jesus e sua relação com a luz, Deus encarnado.

No apócrifo, História de José, o Carpinteiro, Jesus conta como foi o seu nascimento, da seguinte forma:

E Maria, minha mãe, trouxe-me ao mundo de um modo misterioso, que nin¬guém entre toda a criação pode conhecer, com exceção de mim, meu Pai e o Espírito Santo, que formamos uma unidade. Eu nasci quando meus pais retornavam de Belém, perto do túmulo de Raquel, a mulher do patriarca Jacó, a mãe de José e Benjamim. O meu pai tinha ido com minha mãe a Belém, por causa de um recenseamento, que ordenara o imperador Augusto. [1]

Outros apócrifos também complementam a narrativa do nascimento de Jesus como luz para o mundo. Ao aproximar-se o momento do nascimento de Jesus, segundo a tradição apócrifa - no dia 20 de maio do ano 5.500 depois da criação do mundo [2], o sol estava começando a se pôr, Maria disse a José que sua hora havia che¬gado e que não poderia ir até a cidade. Ela propôs que eles entrassem em uma gruta. José saiu para procurar uma mulher que assistisse o parto de Maria. Quando José chegou com a parteira, de nome Zelomi, o sol estava se pondo, mas o local resplandecia com uma claridade que supera¬va a de uma infinidade de labaredas e brilhava mais do que o sol do meio-dia. Eles entraram na gruta e viram uma criança enrolada em fraldas, deitada numa manjedoura, mamando no seio de sua mãe Maria. Ambos ficaram surpresos com o aspecto daquela claridade, e a anciã disse a Maria: “És tu a mãe desta criança?”. [3] Ela também disse: “Eu te rendo graças, ó Deus, Deus de Israel, porque os meus olhos viram a natividade do Salvador do mundo”. E Zelomi teve o Menino Jesus em seus braços. Ele não pesava como as crianças recém-nascidas. Era leve e radiante, e não chorava. O menino Jesus sorriu para a parteira. [4] Ele não tinha manchas de sangue no corpo. [5] Maria louvou a Deus pelo fato de seu filho ser diferente de todas as crianças do mundo. E ela o tomou no colo e lhe disse: “Te amo e dou graças a Deus por ter-te comigo”. [6]

Os pastores também chegaram, acenderam o fogo e se alegraram com o fato. Os magos, sendo eles três irmãos: Melquior, Baltazar e Gaspar, chegaram da Pérsia, Índia e Arábia, onde reinavam respectivamente, chegaram numa comitiva formada por doze mil homens, quatro mil para cada um deles [7], no exato momento em que Maria se tornara mãe [8]. Eles trouxeram-lhe presentes: ouro, incen¬so e mirra, objetos guardados por Adão em uma caverna, tendo em vista o nascimento do segundo Adão. Conforme um costume antigo, o primeiro presente do Menino Jesus teve os seguintes significados: o ouro representava a realeza do menino; a mirra, que ele morreria como os humanos e que seria enterrado; o incenso, que tudo isso aconteceria com um Deus, o Menino Jesus [9]. E os reis magos adoraram o bebê Jesus, rendendo-lhe homenagens.

Como retribuição aos reis magos, Maria pegou uma das faixas, na qual estava envolvida a criança, e deu-a para eles. Os reis magos conversaram com José, enaltecendo a criança, dizendo que ela seria importante, venceria os infernos e salvaria a muitos. E nessa mesma hora, apareceu aos magos um anjo sob a forma de uma estrela, a mesma que já lhes havia servido de guia. E eles partiram, seguindo sua luz, de volta para a sua pátria. Quando reis lhes interrogaram sobre o ocorrido, como tinha sido a viagem e o que haviam visto, eles pegaram a faixa e a jogaram no fogo que haviam acendido. As chamas envolveram-na. Quando o fogo se apagou, eles retiraram a faixa e viram que as chamas não haviam deixado sobre ela nenhum vestígio. Eles se puseram então a beijá-la e a colocá-la sobre suas cabeças e sobre seus olhos, dizendo: “Eis certamente a verdade! Qual é, pois, o preço deste objeto que o fogo não pode nem consumir nem danificar?”. E pegando-a, depositaram-na com grande veneração entre seus tesouros. [10]

No terceiro dia depois do nascimento de Jesus, Maria saiu da caverna, foi até ao estábulo e colocou a criança numa manjedoura. Um boi e um burrico, tendo o menino no meio deles, o adoravam sem cessar. E assim, o que foi dito por meio do profeta Isaías se cumpriu: “O boi conhece seu proprietário e o burrico a manjedoura de seu senhor”. Bem como o que dissera o profeta Habacuque: “Tu serás conhecido entre os dois animais” [11].

As narrativas apócrifas confirmam que Deus é Luz em Jesus no seu nascimento. Deus é a Luz que veio morar entre nós, de modo que, quando no fim de nossas vidas, quando a nossa luz apagar nessa realidade terrena, voltaremos para Deus, a Luz que jamais se apaga.

O grande segredo do viver é nunca deixar que a luz se apague em nós. Cada um tem que encontrar o seu brilho. Ninguém brilha por nós! Muitos, pelo contrário, fazem de tudo para apagar o brilho do outro.

Há os que encontram a sua luz na pessoa amada. “Luz da minha vida, mulher adorada, dona dos meus beijos”, canta o Trio Parada Dura. Olhando no ‘Retrovisor’ da vida, na canção de Fagner, o desejo da luz é forte:

Onde a máquina me leva não há nada. Horizontes e fronteiras são iguais. Se agora tudo que eu mais quero já ficou para trás. Qualquer um que leva a vida nessa estrada. Só precisa de uma sombra para chegar. A saudade vai batendo e o coração dispara, mas de repente a velocidade chora. Não vejo a hora de voltar para casa. A luz do teu olhar no fim do túnel. E no espelho, a minha solidão. O céu da ilusão que não se acaba. A música do vento que não para. Será que a luz do meu destino vai te encontrar? Vejo a manhã de sol entrando em casa iluminando os gritos das crianças. Os momentos mais bonitos na lembrança não vão se apagar. Ai quem me dera encontrar contigo agora e esquecer as curvas dessa estrada. Eu prefiro sonhar com os rios e lavar minh'alma.

Os reis magos, termo grego para dizer pessoas eruditas e sábias, preferiram visitar a Luz, Deus encarnado em Jesus de Nazaré na Belém teológica dos profetas. Desde a Idade Média, as folias de reis, custodiam a bandeira do brilho da luz que se revelou aos magos e ao mundo.

E nossa liturgia, com a celebração da epifania fecha o ciclo natalino, mas a luz de Deus que brilha em nós tem a função de iluminar o nosso ano que se inicia com as suas lidas e labutas, dores e alegrias, no vai e vem de dias ensolarados, na luz de Deus que mora dentro de nós até o dia em que voltaremos para a morada eterna da Luz que não se apaga.

Permita-me terminar com um mantra, composto por Frei Luiz Turra: “Oh luz do Senhor que vem sobre a terra, ilumina o meu ser, permanece em nós!” Amém!

Notas:

[1] História de José, o Carpinteiro, 7. In.: FARIA, Jacir de Freitas. Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2025, p. 262.

[2] Vida de Adão e Eva, 42; Clemente de Alexandria, Stromata 121, 145.

[3] Evangelho árabe da infância, 3. In.: FARIA, Jacir de Freitas. Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2025, p. 85.

[4] Evangelho da infância do Salvador, código de Arundel, 84. In.: FARIA, Jacir de Freitas. Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2025, p. 123.

[5] Essa afirmativa vai ao encontro da defesa da quase totalidade dos apócrifos marianos da virgindade de Maria antes, durante e depois do parto. O evangelho de Filipe, ao contrário, defende que o parto e concepção de Jesus ocorreram de forma natural.

[6] Evangelho árabe da infância, 4.

[7] Evangelho armênio da infância, 11,1. In.: FARIA, Jacir de Freitas. Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2025, p. 115.

[8] Evangelho armênio da infância, 9.

[9] Orígenes, Contra Celso, 160.

[10] Evangelho árabe da infância, 7-8.

[11] Evangelho do Pseudo-Mateus da infância,14. In.: FARIA, Jacir de Freitas. Bíblia Apócrifa – Segundo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2025, p. 73.

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