06 Dezembro 2025
"Pessoalmente, não estou convencida da existência de qualquer diferença essencial no exercício do poder entre homens e mulheres (temos exemplos claros sem sair de casa). Mas talvez Mullally nos surpreenda não tanto por exercer seu poder segundo o "gênio feminino", mas sim por fazê-lo, desta vez, segundo o Evangelho", escreve Selene Zorzi, professora do Instituto Teológico Marchigiano e membro da Coordenação das Teólogas Italianas (CTI), em artigo publicado por Rocca nº 23, 01-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
"Não tenho bombas comigo, pelo menos não no sentido literal da palavra. E, no entanto, estou ciente de que, como a primeira bispa mulher de Londres, serei necessariamente uma subversiva."
Assim se manifestou Sarah Mullally, em seu primeiro discurso como Bispa de Londres, em 2018. Ela estava bem ciente de que sua ordenação não havia sido apenas uma questão interna da Igreja da Inglaterra, mas era parte de uma jornada mais longa de reconhecimento dos direitos das mulheres na sociedade britânica. Com essas palavras, Mullally reconhecia as sufragistas que se acorrentaram aos portões de Westminster no início do século XX exigindo o voto, ou aquelas que, em 1913, com um atentado com dinamite, explodiram a própria cadeira em que Mullally agora se senta, como sendo as mães espirituais de todas as que hoje vestem a estola e casula.
Sarah Mullally, 63 anos, ex-enfermeira e ex-Bispa de Londres, com um certo aplomb britânico, desferiu uma sonora bofetada em um sistema que construiu sua identidade na exclusão sistemática do feminino dos lugares de poder. Ela se tornou a primeira mulher a ocupar a cátedra episcopal de Canterbury desde sua fundação como sede inglesa em 597 e 500 anos após o cisma ordenado por Henrique VIII. Depois de 1500 anos de cristianismo inglês, um ser humano, dotado de livre-arbítrio, capacidade de raciocínio e apto a assumir responsabilidade moral e decisória, criado à imagem de Deus, na versão com ovários, lidera hoje 85 milhões de anglicanos, homens e mulheres, espalhados pelo mundo inteiro. É uma conquista para todas, mas também um evento que obriga a repensar não apenas a relação entre gênero e autoridade religiosa, mas sobretudo a complexa interseção entre emancipação política e renovação eclesial.
A nomeação de Mullally encarna muitas das contradições e do potencial deste momento histórico e eclesial. Sua eleição ocorre após a renúncia forçada de seu antecessor, Justin Welby, por ter acobertamento por anos escândalos de abusos sexuais de menores em uma Igreja Anglicana dilacerada por divisões internas e pela necessidade de uma renovação crível. Em suma, essa eleição parece seguir o padrão habitual: quando a casa cai, é hora de chamar as mulheres para limpar os escombros.
Mulheres e poder entre o passado e o presente
É claro que os ingleses estavam acostumados a que o poder pudesse estar nas mãos das mulheres: Elizabeth I proclamou-se rainha virgem não tanto para tornar público seu compromisso sexual, mas para firmar publicamente sua determinação de não ceder seu poder a outros (no caso de um marido). Elizabeth II, com a mesma determinação, não se deixou tirar o poder pelo marido. Elas são antecedentes simbólicos importantes que prepararam a cultura e a sociedade britânicas para a combinação mulheres-poder.
Vemos cada vez mais mulheres à frente de importantes instituições governamentais, mesmo que nem sempre exerçam esse poder de maneira substancialmente diferente dos homens. E enquanto as mulheres nos EUA estão abandonando o mundo do trabalho, novos sites abomináveis reúnem milhares de homens prontos para despir os corpos das mulheres com a IA, uma masculinidade reacionária está emergindo entre os jovens (veja-se o movimento Incel), e meninas são cada vez mais vítimas de extorsão sexual e pornografia de vingança, no Irã a filha do conselheiro de Khamenei casou-se sem véu.
O caminho que levou a primeira mulher a Canterbury faz parte de um movimento mais amplo de abertura das igrejas protestantes às mulheres, impossível de separar do sufragismo feminino e das lutas pela emancipação civil, como bem sabe Mullally. Kari Elisabeth Børresen, teóloga católica e pioneira nos estudos de gênero, já apontava que a história do reconhecimento da idoneidade cultual das mulheres segue cronologicamente a história do reconhecimento progressivo do direito de voto das mulheres.
Uma longa história de resistências eclesiais
Embora algumas comunidades protestantes já ordenassem mulheres desde 1918, foi no segundo pós-guerra que o fenômeno se disseminou: as luteranas escandinavas a partir da década de 1950 (a Finlândia foi o primeiro país da Europa a conceder o direito de voto às mulheres em 1907), as episcopais estadunidenses a partir de 1976 (voto feminino em 1920), as anglicanas australianas (voto feminino em 1902). Naturalmente, sempre o mesmo roteiro: décadas de resistência, anátemas, cismas e, por fim, a abertura mais arrancada do que concedida. Como se a cada vez fosse necessário demonstrar do zero que as mulheres são seres humanos completos, capazes de pensamento teológico e direção espiritual.
Também Ludmila Javorová, ordenada sacerdotisa na Igreja Católica clandestina da Checoslováquia para prestar assistência espiritual aos fiéis, foi silenciada após a queda do comunismo e proibida de exercer qualquer ministério sacerdotal pela Igreja Católica, que não reconheceu a validade de sua ordenação.
O Anglicanismo começou a admitir mulheres ao sacerdócio somente em 1994, o ano em que "Pulp Fiction" era lançado, o PlayStation nascia e João Paulo II publicava a Ordinatio Sacerdotalis.
Como que para conter uma maré crescente, o texto declarava que a questão dentro da Igreja Católica estava "definitivamente" encerrada. Muitos consideraram o documento definitivo e infalível, um assunto ainda debatido entre teólogos e teólogas, não apenas por razões formais e de conteúdo (não posso me alongar sobre isso aqui), mas sobretudo porque sob a superfície oficial as tensões teológicas continuam latentes, e é sabido que uma decisão magisterial sem consensus fidei não pode certamente ser considerada infalível. O documento concluía que a Igreja "não tem a faculdade" de ordenar mulheres. Um uso curioso do verbo "poder", como se existisse alguém acima da Igreja que estivesse impedindo isso. Deus certamente nunca se pronunciou com tanta clareza sobre o assunto. Em vez disso, sempre foram os homens que interpretaram a vontade divina e, curiosamente, sempre a interpretaram de forma a manter um controle rígido sobre as alavancas do poder.
Voltando à abertura da ordenação de mulheres na Igreja Anglicana, é preciso dizer que o evento provocou divisões internas e conversões em massa ao catolicismo. Sim, porque é preciso lembrar que entre as Igrejas Católica e Anglicana existe um (quase) pleno reconhecimento sacramental.
A permissão para a ordenação episcopal feminina veio em 2014, tornando a eleição de Mullally a primeira em que uma mulher pôde concorrer ao cargo de primaz. A demora na Itália — onde as mulheres só conquistaram o direito ao voto em 1946 — vê a Igreja Católica entrincheirada em posições fechadas.
Na Itália, o atraso político coincide perfeitamente com o atraso eclesial (católicos do norte da Europa, como o Cardeal Koch, saúdam cordialmente a recém-eleita). Na Itália, juntamente com o lema "Deus, Pátria e Família", está retornando a antiga arte de fazer passar o que é conveniência masculina por vontade divina. A Itália tornou-se mestra nisso: catolicismo e partidos de direita em todo o mundo estão construindo uma sólida aliança contra os direitos civis, usando a religião como um porrete político. Porque, vamos lembrar: se você se distancia voluntariamente da fé, você é um apóstata; se você discorda, mas está em minoria, você é herege; quando você discorda, mas detém o poder, cria um cisma. Mas quem pode conter a heresia de uma maioria no poder?
Liderança que desafia fronteiras e identidades
A nomeação de Mullally também traz consigo outra dimensão disruptiva: seu claro posicionamento a favor dos direitos das pessoas LGBTQ+. Como Bispa de Londres, ela apoiou ativamente a introdução das "Orações de Amor e Fé", que permitiram a bênção litúrgica de casais do mesmo sexo nas igrejas anglicanas. "Nossos olhos se abriram para o mal que causamos, especialmente às pessoas LGBTQ+", disse ela em certa ocasião.
Quinhentos anos depois de Henrique VIII romper com Roma para se casar quantas vezes quisesse, a Igreja Anglicana faz uma abertura para casais do mesmo sexo. Isso não pareceria uma contradição. No entanto, essa posição a colocou no centro de tensões globais. Enquanto as províncias anglicanas no Norte do mundo têm progressivamente adotado políticas inclusivas, as Igrejas africanas — particularmente influentes numericamente — mantêm posições fortemente conservadoras.
O Arcebispo da Igreja Episcopal do Sudão do Sul (primeiro voto das mulheres foi em 1964) já declarou que não reconhece "uma liderança não bíblica e não ortodoxa", e outros líderes africanos ameaçaram rupturas formais com a igreja. Um paradoxo estranho, especialmente considerando que foi justamente o colonialismo britânico que impôs o anglicanismo naqueles territórios, e agora essas igrejas no Sul do mundo, apoiadas por financiamento evangélico estadunidenses ultraconservadores, se veem atuando como um baluarte contra o que percebem como derivas secularistas ocidentais. Essa ruptura revela como as questões teológicas estão inextricavelmente ligadas aos contextos sociopolíticos.
A eleição de Mullally levanta assim questionamentos críticos sobre a permeabilidade entre as esferas religiosa e política. A Igreja da Inglaterra é uma Igreja firmemente entrelaçada com o poder político: o monarca britânico é seu "governador supremo", o primeiro-ministro propõe candidatos a bispo e os arcebispos têm assentos na Câmara dos Lordes. Essa permeabilidade é precisamente o que sustentou a abertura anglicana às mulheres, mas seria hipócrita negar seus aspectos críticos. O confronto torna mais claro como a rigidez católica em relação ao sacerdócio feminino e aos direitos LGBTQ+ é profundamente política: a sobreposição entre fundamentalismo religioso e saudosismos autoritários é agora evidente em muitos contextos, inclusive na Itália.
Mas, como feministas crentes, somos chamadas a navegar por essa ambiguidade sem ceder nem ao cinismo nem à ingenuidade. Celebramos a eleição de Mullally como um passo à frente significativo, embora mantenhamos um olhar crítico sobre as limitações que inevitavelmente acarreta. A eleição de Sarah Mullally é um passo à frente significativo no árduo caminho rumo à igualdade de gênero nas igrejas cristãs. Mas cada vez que um teto de vidro é quebrado, torna-se um pouco mais difícil argumentar que a exclusão das mulheres é vontade divina e não simplesmente uma construção humana.
Cada vez que uma mulher alcança um ponto nunca antes alcançado por nenhuma mulher, cria-se um espaço de possibilidades para todas as outras. Mas não, isso não basta. Nomear uma mulher não é suficiente se depois as estruturas e as modalidades de gestão do poder permanecerem as mesmas.
Por isso é interessante notar que Mullally foi enfermeira-chefe no Serviço Nacional de Saúde Britânico (NHS): uma mulher de cuidado, de escuta e de gestão concreta das fragilidades. Em seu episcopado, essas competências se traduziram em um profundo cuidado pastoral, capaz de combinar autoridade, acolhimento e compaixão.
Pessoalmente, não estou convencida da existência de qualquer diferença essencial no exercício do poder entre homens e mulheres (temos exemplos claros sem sair de casa). Mas talvez Mullally nos surpreenda não tanto por exercer seu poder segundo o "gênio feminino", mas sim por fazê-lo, desta vez, segundo o Evangelho. Aí sim, ela seria realmente subversiva!
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