As pedras geladas e o Papai Noel. Artigo de Dirceu Benincá

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05 Dezembro 2025

"Serão as emergências climáticas naturais, tão naturais como se usava falar há não muitos anos atrás? Não, absolutamente não. Elas têm forte contribuição humana, de uns menos, de outros mais. A retirada de muita cobertura verde da Casa Comum em tantos lugares, é uma das causas de múltiplos fenômenos climáticos indesejados", escreve em artigo Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do mestrado em Ciências e Sustentabilidade da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Autor de diversos livros, entre os quais citamos Em tempos de ebulição (2023) e Terra Sem Males dos Males da Terra (no prelo).

Eis o artigo.

Para a fé cristã, é tempo de advento, de esperançar, preparar, celebrar a vinda do Messias, o Salvador. Alguns, no entanto, mais esperam pela figura folclórica do Papai Noel. Esse ano antecipou-se? O que nos trouxe? Pedras brancas vindas com força brutal sobre a cidade. Pedras geladas e grandes. Por que Papai Noel essas pedras assim tão subitamente? Tão tragicamente, por quê? E não poupaste nem as luzes e enfeites que anunciavam a alegria de mais um Natal que se aproxima; de um Messias que vale a pena acolher. Por que assim, Noel Papai? Presentes não esperados, não queridos, não bem-vindos. Inquietantes presentes, numa tarde de domingo que passava tranquilamente.

As telhas de barro, do barro vermelho do campo pequeno. Do Erechim, que agora já é grande. Que foi planejado, construído e depois depredado. Uma pequena amostra de um cenário de guerra, como comentam moradores e passantes. Não daquelas guerras com armas de fogo. Mas, com armas das emergências ambientais. Fato ocorrido dois dias após o término da COP30, que tratou das mudanças climáticas, uma realidade que se agrava e é repetidamente comprovada. Quanto à COP, observou-se que houve avanços pontuais, mas, em geral, o resultado ficou abaixo do necessário.

Com o granizo, resultou que, por todas as ruas e avenidas da cidade, há amontoados de telhas perfuradas, arruinadas, descartadas, à espera de outro destino. Erechim das pedras descidas do céu, das lonas colocadas às pressas e agora do muito aluzinco que se faz nova cobertura. Aluzinco que, embora térmico para o interior das residências, reflete uma parte significativa do calor solar de volta para o ambiente externo. E vale verificar, de ora em diante, os impactos para o microclima sobre a cidade e seus desdobramentos. Telhas de barro, de cimento amianto e de fibrocimento foram retiradas de repente. Em parte, pelas pedras geladas; o restante pela força humana aplicada mesmo a contragosto.

As telhas mais antigas de brasilit ou eternit continham amianto (asbesto). O amianto foi proibido em todo o Brasil desde 2017, embora ainda haja disputas judiciais pela sua extração e utilização. A proibição deve-se ao fato de que a substância pode causar diversos tipos de câncer e doenças respiratórias crônicas, como a asbestose, além do mesotelioma. Deixado progressivamente de ser usado para acondicionar água e alimentos, agora foi extirpado repentinamente da cobertura de casas e de outras construções.

Onde colocaremos tanto amianto, com seu passivo ambiental? Difícil calcular o montante. Nem a montante, nem a jusante parece ser um bom lugar. Contudo, não obstante tantos sinais, alertas e orientações, ainda há os que, à revelia de tudo, lançam esses destroços e outros detritos nos rios que já não andam limpos e nem saudáveis. Como “implantar” educação ambiental, ou, mais adequadamente, ecopedagogias sustentáveis, em certas mentes poluídas e poluentes? Como superar essas e outras cegueiras coletivas que ainda persistem?

Os prejuízos econômicos com a recobertura de casas e estabelecimentos são de grande monta. Também com danos em veículos e perdas de plantações. De outra parte, é verdade, a solidariedade uma vez mais foi posta à prova. E foi expressiva. Segue sendo. Em muitos casos, manifesta-se mais forte que os episódios climáticos. Com jeito e sorte, os operários em reconstrução saem ilesos. Alguns, porém, dada a situação de urgência, colocam em risco a própria integridade física, ferindo-se até gravemente.

As lonas, em sua maioria, pretas, aludem aos acampamentos de sem-terra, questão histórica, polêmica e, não raro, combatida. Aqui sem telhado, muitos sem dinheiro para repor, se recompor, consertar, recomprar móveis e outros pertences perdidos. Mas, recobrir, refazer, rearrumar, proteger mais a casa particular e a Casa Comum, isso ficou novamente evidente ser necessário. Também refletir, firmar políticas públicas, acordos internacionais, compromissos empresariais, coletivos e pessoais.

Conforme relatório divulgado em setembro de 2025 pelo Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK), a Terra já rompeu 7 de seus 9 limites planetários, indicadores que medem as condições seguras do planeta. Os 7 limites já ultrapassados são: mudanças no uso da terra do planeta; mudanças climáticas; biodiversidade; ciclo do nitrogênio e fósforo; uso de água doce; poluição química por compostos como microplásticos; acidificação dos oceanos. Apenas duas fronteiras ainda permanecem dentro dos limites seguros: a carga de aerossóis (poluição do ar) e a camada de ozônio estratosférico.

Serão as emergências climáticas naturais, tão naturais como se usava falar há não muitos anos atrás? Não, absolutamente não. Elas têm forte contribuição humana, de uns menos, de outros mais. A retirada de muita cobertura verde da Casa Comum em tantos lugares, é uma das causas de múltiplos fenômenos climáticos indesejados. Não naturalizar o que muito se repete, só pelo fato de se repetir, é o primeiro passo. E pensar mais profundo e mais largo sobre o ecocídio que nós, como humanidade, estamos produzindo. Esse é o caminho para ações e resultados mais sustentáveis. Não nos demoremos com as ações propositivas, preventivas, não negacionistas, antes que seja totalmente tarde demais. O futuro depende de outros presentes, com os quais nem nós, nem Papai Noel estamos contentes!

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