03 Dezembro 2025
Pescadores e moradores de Soure, Salvaterra e Cachoeira não assinam lista de presença e entregam moção de repúdio.
A informação é de Fernanda Couzemenco, publicada por ((o))eco, 02-12-2025.
O povo marajoara presente às três primeiras reuniões convocadas pela Petrobras desde a liberação da licença de operação para pesquisa exploratória, explicitou as contradições e precariedades do licenciamento ambiental de petróleo na Foz do Amazonas, já pontuadas pelo Ministério Público Federal e por organizações da sociedade civil brasileira. Mobilizados pela Campanha Nem Um Poço a Mais, firmaram posição antipetroleira e denunciaram a falta de respeito com que têm sido excluídos do processo decisório.
Com faixas e cartazes, palavras de ordem, moção de repúdio e um aceno de desobediência civil, moradores de Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari compareceram às respectivas reuniões, nos dias 24 e 25 de novembro, mas não assinaram as listas de presença, ou ironizaram o protocolo, escrevendo nomes como Pluto, Pateta e Nem Um Poço a Mais da Silva, este, em referência à Campanha Nem Um Poço a Mais, que na semana anterior havia realizado seu 10º Seminário Nacional da Vila do Pesqueiro. No balneário do município de Soure, entre outras atividades, foram discutidas possibilidades de resistência e protesto que as comunidades pesqueiras e tradicionais passariam a realizar para impedir que o licenciamento avance para a etapa de autorização para a exploração comercial.
Os registros dos três protestos foram enviados, em fotos e vídeos, pelos moradores à reportagem de ((o))eco. Em Soure, a doutora em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável e liderança ecofeminista Isabel Brito, diplomaticamente, chegou a reconhecer o esforço dos funcionários enviados pela Petrobras, em levar a mensagem petroleira para a Ilha, porém, nenhuma daquelas palavras, carregadas dos sotaques paulista e carioca, pareceu conseguir demover a certeza dos presentes quanto ao que realmente importa. “Estão aqui fazendo o trabalho deles, então a gente agradece, mas infelizmente não aceitamos, não consentimos, não queremos. Nem um poço a mais!”, bradou Isabel, ao final, sendo acompanhada por um coro robusto de dezenas de mulheres, homens e jovens que lotaram a sede da Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Marinha de Soure (Assuremas), no centro da cidade: “Nem Um Poço a Mais!”
“Nós não temos que pagar pela transição [energética]. Que a Europa pague. O Brasil produz petróleo para exportar, para as pessoas lá continuarem consumindo sem limites. E com isso, querem continuar colocando os modos de vidas das pessoas aqui do Marajó em risco. Fazer essa proposta aqui é não ter conhecimento do que é essa sociedade. É a sociedade das marés”, prosseguiu a especialista, sendo ovacionada pelos conterrâneos.
Antes dela, o pescador e extrativista Jorge Gabriel, do projeto Voz do Mangue, já havia entregue uma cópia da Moção nº 1/2025, do Conselho Deliberativo da Resex Marinha de Soure, lavrada em reunião extraordinária do dia 22 de outubro, em que denuncia a falta de transparência, de ausência de consulta prévia, livre e informada, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e outras irregularidades no processo de licenciamento. Os técnicos, no entanto, não assinaram o recibo que oficializava o recebimento da Moção. “Disseram que precisam perguntar aos superiores deles se podem assinar”, indignou-se.
O pescador reafirmou a denúncia da moção, dizendo que as comunidades pesqueiras e tradicionais não estão sendo devidamente informadas e que o risco é imenso. “Fomos ao Rio de Janeiro, vimos o óleo no mar, [exploração petroleira] causa prejuízo sim. Nossa fauna, nossa flora, nosso manguezal é rico. Pra que mais um poço? Por que mais um poço? Por quê?”, questionou.
Capacitações para compensar prejuízos da pesca
Na tentativa de responder, duas técnicas enviadas pela Petrobras disseram ter havido audiências públicas em 2017, pela então empresa responsável pelo empreendimento, a britânica BP, sendo uma Oiapoque, no Amapá, e outra em Belém. Importante ressaltar que, segundo o MPF, as reuniões públicas já realizadas não trataram devidamente as demandas da população.
A respeito dos prejuízos aos pescadores, informaram sobre um convênio da Petrobras com a Universidade Federal do Pará (UFPA), para realização de um diagnóstico participativo com as comunidades tradicionais, incluindo as de Soure. Mencionou também sobre um projeto da UFPA e da Prefeitura Municipal, que inclui “estudos de ganho social líquido, que vão elencar, vão trazer as demandas da população em relação a capacitação e vão disponibilizar algumas capacitações, que a UFPA já tenha”.
A professora Celina Albuquerque, da comunidade de Caju-una, frisou a falta de diálogo das empresas ao longo desses dez anos de licenciamento. “Na nossa comunidade, que é a sede da Resex de Soure, ninguém sabe [dos estudos a respeito da pesca]! A gente vai ter peixe para trabalhar? Como os pescadores vão sobreviver se os nossos peixes, nossos camarões, nossos caranguejos acabarem? Nem Um Poço a Mais!”, reforçou.
Em Salvaterra, os moradores sequer entraram no espaço da reunião, apenas entregaram uma cópia da mesma moção do Conselho Deliberativo da Resex Marinha de Soure. Segundo Isabel Brito, que, junto a outros companheiros marajoaras, acompanharam as mobilizações nos três municípios, até às 15h, uma hora após o início da reunião, nenhum morador tinha entrado, com exceção do secretário municipal de Meio Ambiente, que foi seguido um pouco depois de uma meia dúzia de pessoas.
“Em quanto tempo morre o mar?”
Em Cachoeira do Arari, relata, os pescadores foram atraídos por um comunicado a respeito do seguro-defeso. “Fizeram uma pegadinha com eles”, avalia. Atrativo que funcionou, pelo que se pode ver das fotos e vídeos enviados para a reportagem. Na sede da Associação dos Pescadores Artesanais e Aquicultores Rio Goiapi (ASPAARG), as pessoas ocuparam todas as cadeiras, com muitas ficando em pé no pequeno galpão de madeira e outras do lado de fora, acompanhando as explanações a partir da porta e janelas abertas.
O pescador Nelson Bastos, da comunidade tradicional de Jubim, em Salvaterra, coordenador da Rede GTA Marajó e pesquisador da UFPA, foi incisivo: “Quando a ANP leiloou os blocos e continua a leiloar, é o mesmo que nos vender no ‘bolo’”.
Nelson rebateu as falas dos técnicos da empresa, que seriam repetidas nas duas reuniões seguintes (Cachoeira foi a primeira da tríade), de que, em caso de derramamento de óleo na Foz, a costa marajoara nem do Oiapoque seriam atingidas. “A gente que pesca lá fora, no norte, que chamam de Foz do Amazonas, sabe que tem um vento que chama Geral. Eu já estudei o EIA Rima da Petrobras, estou debruçado sobre isso, eu vi as modelagens, que dizem que a água não vai tocar na nossa costa. Mas quando estoura uma boia nossa lá no norte, na costa do Oiapoque, a gente achava que essa boia nunca iria encostar na praia, no cabo Orange. Mas encosta, não sei como. O vento Geral é que traz essa boia para a beira e é o que pode jogar esse óleo para aqui, em caso de vazamento. O que vai sobrar pra nós? É sofrimento? É pobreza? É riqueza?”
Sobre esse questionamento, recitou um cordel escrito pelo pescador Manoel, de Bragança, conhecido como Poeta Pescador, cujo trecho final reproduzimos aqui:
“A extração de petróleo pode e muito nos prejudicar
Enquanto perfuram a crosta
Queria ouvir uma resposta:
Em quanto tempo morre o mar?
(…)
As brocas vão perfurando e penetrando em toda a beleza do lugar
Enquanto nasce a riqueza, para poucos,
Vai morrendo a natureza sem ninguém se preocupar e eu pergunto:
Em quanto tempo vão matar o mar que nos alimenta?”
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