Preparar a opinião pública para a guerra. Artigo de Julie Carriat

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01 Dezembro 2025

"Para preparar a opinião, o debate político é crucial."

O artigo é de Julie Carriat, jornalista, publicado por Settimana News, 29-11-2025. 

Eis o artigo. 

Preparar a opinião pública para a perspectiva de uma guerra. Com pequenos passos, Emmanuel Macron trabalha nisso há meses. Já em março advertia, na imprensa regional, que “a Rússia constitui uma ameaça existencial para os europeus”. Na quinta-feira, 27 de novembro, em Varces-Allières-et-Risset (Isère), após anunciar a instituição de um serviço nacional voluntário de dez meses, exclusivamente militar, a partir do verão de 2026, concluiu: “Nossa nação não tem direito nem ao medo, nem ao pânico, nem à falta de preparação, nem à divisão.” “O medo, aliás, nunca evita o perigo. A única maneira de evitá-lo é se preparar”, acrescentou.

Se as palavras são diferentes, o discurso do chefe de Estado se conecta ao que foi pronunciado diante dos prefeitos pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Fabien Mandon. Em 18 de novembro, Mandon gerou polêmica ao afirmar que a França deve “aceitar perder seus filhos”, uma frase de choque por trás da qual desenhava os contornos de uma batalha que também se joga no terreno da opinião pública, da coesão nacional e das “discussões familiares”. “É preciso aceitar que vivemos em um mundo arriscado e que talvez tenhamos de usar a força para proteger aquilo que somos. Isso havia desaparecido completamente de nossas conversas familiares”, declarou o general, convidando a “demonstrar” a determinação da França em se defender.

“Preparem-se”

Preparar os espíritos para a guerra significa quase já travá-la, numa época de conflitos híbridos e de intensidade variável que também se combatem nas redes sociais. Em matéria de preparação, no dia 20 de novembro o Secretariado-Geral de Defesa e Segurança Nacional publicou um folheto intitulado “Todos responsáveis”, destinado a organizar a “resiliência” dos civis diante de crises, sejam elas climáticas, sanitárias ou geopolíticas. “Preparem-se: vocês e seus entes queridos podem se ver diante de uma situação em que o funcionamento da sociedade estará perturbado”, lê-se, antes de uma série de conselhos sobre um “kit de emergência” a ser preparado, com alimentos, água, medicamentos…

A deputada ecologista Delphine Batho lamenta que esse folheto não tenha sido enviado a todos. “O governo se move numa espécie de ambiguidade: entre a vontade de dizer a verdade sobre a situação e um certo medo de alarmar”, afirma, considerando que o sistema presidencialista, que faz do chefe de Estado também o chefe das Forças Armadas, unido ao fim do serviço militar obrigatório em 2001, “removeu das conversas nacionais as questões relativas à defesa”.

Mais de duas décadas após o fim do serviço militar obrigatório, e embora o Exército goze de boa reputação (desde 2014 a pesquisa Fractures françaises registra anualmente uma taxa de confiança de cerca de 80% nessa instituição), restabelecer o vínculo com a defesa está longe de ser simples. O especialista em relações internacionais Bertrand Badie observa como tudo é mais difícil porque “não sabemos como representar essa nova ameaça”, a qual já não se reduz a um conflito entre dois exércitos no terreno, mas se estende às redes informáticas, elétricas e de transporte. “O mais angustiante é que, embora as pessoas compreendam que essa ameaça existe, nada nos é dito sobre como enfrentá-la.”

Os mais nacionalistas são os mais refratários

Cada guerra que a França enfrentou foi precedida por períodos de preparação da opinião pública. As fortificações da Linha Maginot foram imaginadas já nos anos 1920 e, durante a Guerra Fria, o “perigo soviético” era amplamente compreendido, dentro de uma narrativa “campista”. Diante de uma pedagogia atual que ele julga vaga demais, coexistem segundo Badie três possíveis reações: “a via da indiferença, a ideia de que uma guerra é impossível ou uma reação minoritária que beira o pânico.” Ou ainda “o retorno do Chemin des Dames” (palco de sangrentas batalhas em 1916-1918).

Ao falar em sacrificar “seus filhos”, ainda que se referisse a militares profissionais, o general Mandon pode ter reativado esse imaginário pacifista da Primeira Guerra Mundial, como se percebe na reação do secretário nacional do Partido Comunista Francês, Fabien Roussel. “Quando se viveram duas guerras mundiais, quando cada município da França tem um monumento aos mortos, é preciso agir com responsabilidade. Os franceses não estão prontos para perder seus filhos, essa não é a nossa guerra”, declarou em 24 de novembro à BFM-TV.

Falar de guerra é angustiante, e poucos responsáveis políticos se aventuram nesse terreno. Entre eles, os mais nacionalistas são hoje os mais refratários a um conflito com a Rússia e se apresentam como os mais tranquilizadores, como mostram as declarações, em março, da presidente da bancada do Rassemblement National na Assembleia Nacional, Marine Le Pen, segundo a qual Emmanuel Macron “exagera na ameaça russa”.

“Guerra alguma é inevitável e não serve de nada assustar os franceses”, afirmava por sua vez o líder da France Insoumise, Jean-Luc Mélenchon, em 20 de novembro. “Os partidos engajados na cruzada contra Putin o fazem mais por empatia com os oprimidos do que em nome do amor sagrado à pátria. Ao contrário, o patriotismo conduz ao recolhimento sobre si mesmo e sobre as próprias fronteiras, como mostra o fenômeno trumpista”, explica Badie.

Um debate político crucial

Mais do que o patriotismo, é agora a pertença europeia que pode justificar o engajamento para além das fronteiras francesas. Para a historiadora Annie Crépin, autora de Histoire de la conscription (Gallimard, 2009), “o restabelecimento de um serviço voluntário é uma meia medida para não chocar a opinião pública e, ao mesmo tempo, fazê-la aceitar a ideia de que a Ucrânia somos nós, que indiretamente aquela é a nossa nova fronteira”.

Em 1939, alguns se recusavam a “morrer por Danzig”, segundo a fórmula do colaboracionista Marcel Déat. Hoje, como a conscrição já não responde às necessidades dos exércitos modernos, a ideia de fazer sacrifícios por Kiev também provoca resistências que só uma passagem do “patriotismo nacional ao patriotismo europeu” pode superar, sustenta a historiadora.

Para preparar a opinião, o debate político é crucial.

Já em 5 de março Emmanuel Macron havia alertado que “nossa geração já não vai se beneficiar dos dividendos da paz”, expressão surgida nos anos 1990 quando a redução das despesas militares parecia inevitável. Com o fim desses dividendos, coloca-se necessariamente a questão dos compromissos orçamentários para a defesa.

Ao longo de 2024, o esforço financeiro para as Forças Armadas foi colocado em oposição aos gastos sociais, particularmente no momento do “conclave” sobre as aposentadorias. Isso alimentou slogans antimilitaristas e anticapitalistas baseados na oposição entre “nossas vidas”, “nossos filhos” e “os lucros e as guerras deles”. Nesse ponto, como em outros aspectos da preparação para conflitos, o debate democrático ainda está por ser construído.

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