27 Novembro 2025
Em um cenário de escalada da violência no campo, iniciou hoje em Brasília (25), o Seminário Nacional “Povos e Comunidades Tradicionais Contra a Violência e a Impunidade”. O encontro busca estruturar a luta contra os conflitos por terra, a grilagem e a impunidade que assolam os territórios em todo o país.
A reportagem é de Cláudia Pereira, publicada por Articulação das Pastorais do Campo, e reproduzida por Cimi, 26-11-2025.
Aproximadamente 50 participantes de diversas regiões se reúnem no Centro Cultural de Brasília (CCB) sob o lema “Lutamos pela paz, justiça e soberania”. O seminário, que se estende até o dia 27, terá em sua programação reflexões, debates e a exigência de justiça pelos casos de violência. Na manhã de quarta-feira (26), a pauta será o diálogo com parlamentares, com a apresentação de dados sobre a intensificação da violência que atinge povos do campo, das florestas e das águas.
Mística e Grito de Resistência Marcam o Início
O primeiro dia do seminário começou no período da tarde, com um momento de acolhida e mística. Lideranças de todas as regiões do país exaltaram seus “gritos” e bandeiras de luta, partilhando expectativas e alegrias.
Um exemplo de conquista foi a Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, no Norte de Minas Gerais, municípios de Buritizeiro e Ibiaí, que garantiu parte de suas terras com a outorga do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS).
A alegria pelo aprendizado e pela oportunidade de compartilhamento de experiências também foi manifestada por Isabel Francisca da Silva Dias, da Paraíba. Ela apresentou o algodão colorido ‘Rubi’, uma fonte de renda produzida em sua comunidade.
O início dos trabalhos foi marcado pela exibição de um vídeo que relembrou o encontro de 2024, resgatando a força da articulação dos povos. A tarde prosseguiu com trabalhos em grupo, onde os participantes puderam expor as situações de violência e os desafios enfrentados em seus respectivos territórios.
Desafios e expectativas da luta coletiva
Felipe Gabriel Mura, representante do território Mura em Autazes (AM), expressou sua expectativa com a participação no evento. Para ele, a diversidade dos povos reunidos fortalece a união na defesa da vida.
“Todos aqui passam por diferentes enfrentamentos em seus territórios e são violências semelhantes. A exploração de potássio em minha região, por exemplo, alimenta o agronegócio e é uma de nossas principais preocupações”, disse Felipe.
Ele também enfatizou a importância do encontro no contexto da realização recente da COP30. “A troca de experiências no seminário traz esperança, reencontros e um espírito de cooperação, com a expectativa de que a mobilização coletiva leve a ações concretas. Muitas decisões significativas foram tomadas sem a real participação daqueles que vivem a realidade da luta”, concluiu Felipe.
Estrutura e motivação do encontro
O seminário é motivado por um grave quadro de violência crescente, caracterizado por disputas territoriais, especulação imobiliária, ataques armados e crimes socioambientais. O objetivo central é aprofundar a escuta das comunidades afetadas e, a partir dessas narrativas, estruturar caminhos de incidência política eficazes para denunciar as violações.
A violência enfrentada pelos povos e comunidades tradicionais no Brasil é frequentemente gerada por grandes empreendimentos, muitas vezes permitidos ou incentivados pelo Estado. As consequências são a falta de acesso à terra, a escassez de recursos, o uso indiscriminado de agrotóxicos, a violência policial e o tráfico de drogas. Entre as propostas discutidas no primeiro dia de encontro foi a necessidade de avançar nas políticas de reconhecimento e reabilitação territorial, e na reforma agrária.
O Seminário é organizado pela Campanha Contra a Violência no Campo, que congrega mais de 70 entidades da sociedade civil, movimentos populares e pastorais. A Articulação das Pastorais do Campo também é protagonista na organização, incluindo organismos de peso como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), a Pastoral da Juventude Rural (PJR), o Serviço Pastoral do Migrante (SPM) e a Cáritas Brasileira.
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