A participação social como um divisor de águas na trajetória das Conferências do Clima

Foto: COP30

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26 Novembro 2025

Em cenário de expectativas altas, a realidade das deliberações em Belém dividiu opiniões, mas a força das mobilizações sociais fez história e ganhou destaque nas percepções gerais.

A reportagem é de Elizabeth Oliveira, publicada por ((o))eco, 25-11-2025.

Se por um lado, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP30) deixou a desejar, por entregar menos no seu fechamento no sábado (22) do que o esperado pelas altas expectativas que haviam sido geradas, por outro, a força dos povos nas ruas e em outros espaços de Belém encheu de esperanças os corações e mentes de quem luta por justiça climática. O clamor nas marchas e nos movimentos de protestos liderados por povos indígenas, quilombolas, extrativistas, jovens, mulheres e outros grupos sociais mais vulneráveis aos efeitos da crise climática não somente gerou ressonância nos veículos de comunicação nacionais e internacionais, como ecoou nas negociações e nos processos de tomadas de decisão do governo brasileiro. Nesse sentido, a COP das Florestas representou um divisor de águas na história das Conferências do Clima da ONU, segundo especialistas que acompanham essa agenda e estiveram na capital paraense durante duas semanas.

Para Maurício Bianco, vice-presidente da CI-Brasil, a participação social na COP30 “foi um grande diferencial e, talvez, um divisor de águas entre as COPs, já que além da Zona Verde [espaço de atividades da sociedade civil abertas ao público], nós tivemos outros inúmeros espaços na cidade que foram muito importantes e que expuseram um diálogo de alto nível, mostrando as soluções que estão na mesa para a gente lidar com os efeitos climáticos”.

Ainda segundo o ambientalista, “os povos indígenas tiveram uma participação massiva nesta COP, dentro e fora das áreas oficiais da ONU, mas também ribeirinhos, movimentos extrativistas, pequenos produtores e outros tantos representantes de formas que contribuem para a conservação das florestas e também para ecossistemas costeiros, entre outros”. Ele ressalta que “são essas comunidades que estão na linha de frente e que estão contribuindo para todo o planeta, para que a gente possa ter uma melhor qualidade de vida”.

Ainda sobre os resultados da COP30, para além das negociações diplomáticas, Bianco demonstrou otimismo no seu depoimento: “Há um balanço extremamente positivo que eu levo dessa COP, aqui no Brasil, na Amazônia. Nós participamos de inúmeras reuniões, painéis e eventos paralelos que ressaltaram o papel da natureza no combate à crise climática, além de outros benefícios adicionais de biodiversidade e socioeconômicos que a natureza proporciona”.

Em paralelo aos resultados oficiais, ele considera que há uma direção, “pelo menos macro do caminho, para diminuir o desmatamento, um dos vetores das emissões que é muito significativo, além dos combustíveis fósseis”. Além disso, reitera a percepção de que há “um conjunto de ações em escala, de muitos atores, para esse caminho, tanto da iniciativa privada comprometida, como no setor público, e logicamente da sociedade civil e da academia”.

Ciro Brito, analista de políticas climáticas do ISA, também destaca o protagonismo social como um marco na Conferência do Clima de Belém. “Essa COP foi marcada pelas pessoas, pela centralização e centralidade nos movimentos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais que tiveram seus atos, suas manifestações e seus pedidos”.

Dos melhores encaminhamentos das negociações, Brito destaca: “A gente sai daqui com um ótimo resultado com aprovação dos indicadores de adaptação, o que vai nos permitir, daqui para frente, conseguir mensurar se o mundo está conseguindo se adaptar mais e melhor”. Ele também enfatiza como conquista, “o reconhecimento da questão dos povos indígenas, seus saberes tradicionais, bem como afrodescendentes e comunidades locais”. Para o analista, “esse reconhecimento é muito importante porque esses são os grupos que mais têm sofrido com os impactos da crise climática”. Além disso, opina que por essa ter sido a primeira Conferência do Clima da chamada Era da Implementação, a COP30 dá a largada para que a questão desses povos não seja “colocada de lado”, pelo contrário, “seja olhada com centralidade”.

Como parte dos resultados das mobilizações do movimento indígena pelas ruas e outros espaços de debate em Belém, com participação recorde de cerca de 3 mil representantes do Brasil e do exterior, alojados na Aldeia COP (dos quais 900 credenciados pela ONU), o governo federal anunciou avanços nos processos de demarcação de dez Terras Indígenas, uma das bandeiras de luta para a COP30. Para essa Conferência, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), dentre outras representações, esperavam ver reconhecida a demarcação de territórios indígenas como política climática. A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) dos Povos Indígenas trazia esse enfoque como um dos seus principais encaminhamentos. Nesse contexto, outro avanço foi o anúncio do Programa de Proteção de Terras Indígenas.

Quanto ao reconhecimento no texto de mitigação resultante da COP30, pelo papel na gestão sustentável das florestas presentes nos territórios indígenas, esse resultado foi interpretado como uma resposta a essa demanda central pelas contribuições desses povos ao equilíbrio climático. Para continuar com esses esforços, povos indígenas e outras comunidades locais terão suporte direto e indireto de US$ 1,8 bilhão anunciados por doadores em Belém.

Reconhecimento às populações afrodescendentes é conquista celebrada

Especialistas do Geledés Instituto da Mulher Negra celebraram como conquista histórica a menção aos povos afrodescendentes em documentos que resultaram das negociações. “Pela primeira vez na história da UNFCCC [Convenção do Clima da ONU, na sigla em inglês], documentos centrais das negociações climáticas, relativos à Transição Justa, ao Plano de Ação de Gênero (GAP) e aos Objetivos Globais de Adaptação (GGA), foram aprovados em uma Conferência das Partes (COP30), em Belém, com menções explícitas a afrodescendentes”, ressalta a organização em comunicado.

“A menção também está no documento político da presidência da COP30, chamado Mutirão. Trata-se de um marco histórico construído por uma força-tarefa comprometida com a transformação, articulada por GeledésInstituto da Mulher Negra, organizações afrodescendentes e o Estado brasileiro”, celebra a organização que também considera que o “reconhecimento continua sendo essencial para a garantia de direitos”, “em um cenário internacional no qual muitos Estados ainda ignoram – ou evitam enfrentar – as raízes estruturais do racismo, especialmente no âmbito multilateral”. Nesse contexto foi analisado que “o protagonismo do Brasil ganha ainda mais relevância”.

Em cenário de agravamento da crise climática, o Geledés enfatiza que “as populações afrodescendentes na diáspora global estão entre as mais impactadas”, mas também “figuram como protagonistas de soluções, saberes e práticas de resiliência em seus territórios”.

De acordo com o Grupo de Trabalho de Especialistas da ONU, “a população afrodescendente no mundo soma cerca de 200 milhões de pessoas, descendentes das vítimas do tráfico transatlântico e mediterrâneo de pessoas escravizadas”. Nesse contexto, “o Brasil abriga a maior população afrodescendente fora do continente africano: mais de 56% da população nacional, cerca de 120 milhões de pessoas”, com base em dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022.

“O reconhecimento de afrodescendentes nos textos da UNFCCC abre caminho para políticas climáticas mais justas, eficazes e enraizadas nas realidades dos territórios historicamente afetados por desigualdades estruturais. Não se trata de um gesto simbólico: a presença explícita de afrodescendentes nesses acordos garante visibilidade, orienta o direcionamento de financiamentos, fortalece a participação e contribui para corrigir lacunas históricas na governança global do clima”, afirma o Geledés em seu posicionamento.

A ActionAid Brasil, organização que atua em defesa de direitos humanos, também destacou um posicionamento otimista em relação ao tópico de reconhecimento das populações afrodescendentes, nos textos finais da COP30, mas com ressalva de que se trata de “um avanço simbólico e histórico”. “Mesmo com a criação do novo mecanismo global de transição justa, considerado um legado importante da conferência, avanços decisivos continuam travados pela ausência de recursos e de compromissos firmes”, defende em seu comunicado.

Ainda segundo o comunicado da organização, “a inclusão do termo ganhou força após a proposta brasileira na Cúpula dos Líderes, apoiada pela Colômbia, que já havia impulsionado avanço semelhante na COP16 da Biodiversidade [realizada em Cali, na Colômbia, em 2024]”. “Para a ActionAid, esse reconhecimento resulta da mobilização de movimentos sociais e lideranças que há décadas denunciam os impactos desproporcionais da crise climática sobre povos afrodescendentes e reivindicam que seus saberes e direitos orientem as políticas globais”, acrescenta o posicionamento da organização.

Para Ana Paula Brandão, diretora Programática da ActionAid Brasil, “a inclusão do termo ‘afrodescendentes’ nos textos da COP30 era um dever, uma obrigação dos países do Norte Global”. Isso porque, “os afrodescendentes foram drasticamente e irreparavelmente impactados pelo processo de colonização no qual está ancorada toda a riqueza do Norte Global”.

Maryellen Crisóstomo, especialista em Justiça Econômica da ActionAid Brasil e mulher quilombola do território Baião (TO), enfatiza em seu depoimento sobre o tema: “Quando falamos de metas de adaptação e desafios climáticos, nós, povos e comunidades afrodescendentes, estamos sempre na linha de maiores danos e impactos, pelas condições históricas dos nossos territórios”. Para ela, “ver essa inclusão avançar na COP30 é o reconhecimento de uma luta longa”. No entanto, defende que o reconhecimento “só terá o sentido necessário quando resultar em políticas concretas, financiamento e participação real”.

Cobertura jornalística projetou a COP30 para o Brasil e o mundo

Entre a Zona Azul (área de negociações e eventos oficiais da ONU para pessoas credenciadas) e a Zona Verde (espaço de atividades da sociedade civil aberto ao público) foram contabilizados 513.848 acessos em 12 dias de programação da COP30. A Conferência do Clima de Belém também teve amplo destaque na cobertura jornalística nacional e internacional com 2.371 profissionais de comunicação credenciados, representando 1.090 veículos de comunicação. Mas estima-se que mais de 4 mil jornalistas tenham atuado na difusão de informações sobre as discussões envolvendo a agenda climática em Belém quando considerados também os profissionais não credenciados.

“A presença de mais de quatro mil profissionais de imprensa mostra que o mundo voltou os olhos para Belém. A COP30 projetou a Amazônia e o Brasil para o centro do debate climático internacional e garantiu que cada etapa das negociações fosse acompanhada com transparência, rigor e alcance global”, afirma o secretário extraordinário da COP30, Valter Correia, em comunicado à imprensa.

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