25 Novembro 2025
"Aceitar o não licenciamento ambiental da silvicultura, porque uma Lei Federal isentou injustificadamente essa atividade, é assinar embaixo do processo de negacionismo ambiental e de ataques inconstitucionais às leis que protegem o meio ambiente e a qualidade de vida no Brasil."
O artigo é Paulo Brack, professor titular do Departamento de Botânica da UFRGS, membro da coordenação do INGÁ, entidade que faz parte da Coalizão Pampa publicado por Sul21, 24-11-2025.
Eis o artigo.
A ciência nunca teve tantos argumentos para demonstrar a situação de perda de biodiversidade, mas o negacionismo segue dobrando a aposta.
O Projeto de Lei nº 332/2025, do deputado Carlos Burigo (MDB), foi aprovado na Assembleia Legislativa nesta terça-feira, 18 de novembro, em modificação à Lei 14.961/2016 que trata da silvicultura no Estado, trazendo a isenção de licenciamento ambiental à atividade de lavoura de árvores, chamada equivocadamente de florestas plantadas.
Foram 37 votos a favor e somente dois contrários. O argumento maior do autor deste PL é que, em nível nacional, as Leis Federais nº 15.190/2025 (do PL da Devastação) e nº 14.876/2024 (exclusiva às florestas plantadas) desobrigavam esta atividade da necessidade de licenciamento. Entretanto, essa isenção é inconstitucional, como veremos a seguir.
A Constituição Federal, artigo 225, §1°, inciso IV, determina exigir, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambiental para obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental. Não há como esconder que a silvicultura e a agricultura moderna causam degradação significativa, estando entre as principais causas da extinção de espécies no Rio Grande do Sul e no Brasil, conforme listas oficiais dos Decretos Estaduais 51.797/2014 e 52.109/2014 e da Portaria 148/2022 do Ministério do Meio Ambiente.
Os deputados que aprovaram esse PL argumentam que será mantido o Zoneamento Ambiental da Silvicultura e um cadastro, provavelmente no órgão não ambiental (Secretaria da Agricultura), em vez da Sema (Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura), o que corresponderia a um tipo de autolicenciamento. Os retrocessos atingem também a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981), flexibilizando uma legislação que foi modelo mundial de proteção.
Tais leis de flexibilização, como a retirada da silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras, ameaçam ainda mais o Pampa. No Rio Grande do Sul, as monoculturas de eucalipto, pinus e acácia-negra já alcançam quase 1 milhão de hectares. Estes maciços vêm afetando os Campos Sulinos, em especial o Pampa, de maneira exponencial. Segundo o MapBiomas, o crescimento da silvicultura no Pampa foi de 1.641% entre 1985 e 2022.
Uma das maiores causas da inclusão de espécies nas Listas Oficiais de Espécies Ameaçadas é justamente a silvicultura, que cria desertos verdes para exportação de celulose. Paradoxalmente, espécies nativas do Pampa — como verbenas, petúnias, cactos, espinheira-santa e butiás — foram levadas ao exterior ou alvo de biopirataria.
Estes plantios homogêneos desestruturam a sociobiodiversidade e impactam fauna e flora dos campos nativos. O estudo Local Extinction of Tropidurus catalanensis caused by plantation forestry in the Pampas of Brazil (Kellerman et al., 2021), do Laboratório de Herpetologia da UFRGS, concluiu que o avanço do eucalipto reduziu e fez desaparecer populações deste lagarto. Houve diminuição de registros, perda de massa corporal e alteração da dieta.
Outro estudo, How close is danger? Relationship between the distance from an exotic tree plantation and occupancy of an endemic lizard (Oliveira et al., 2022), mostrou situação semelhante com o lagartinho-pintado (Contomastix vacariensis), afetado por plantios de pinus.
O Pampa possui mais de 200 espécies de plantas ameaçadas de ambientes abertos, algumas endêmicas de um único município, sendo a silvicultura uma das maiores ameaças.
A ciência nunca teve tantos argumentos para demonstrar a perda sem precedentes da biodiversidade, mas o negacionismo segue dobrando a aposta. Os decretos estaduais sobre espécies ameaçadas estão desatualizados há 11 anos. Novas espécies vêm sendo descobertas, mas estão desprotegidas por falta de atualização das listas, e o governo não cria novas Unidades de Conservação no Pampa, que mal chegam a 3% do território.
Fica a pergunta: o órgão ambiental estadual, a Fepam, seguirá exigindo monitoramento das espécies ameaçadas, dos recursos hídricos e dos agrotóxicos usados nos plantios? Caso sejam constatados impactos graves, haverá controle e reorientação dos planos ambientais, como determina a Constituição?
Portanto, não há base técnico-científica para retirar a silvicultura das atividades que devem ser licenciadas. Isso contrasta com a Sexta Extinção em Massa e com a urgência de proteção da biodiversidade. A retomada da análise deste tipo de projeto pelos órgãos ambientais deveria incluir também outras monoculturas, como a soja, que já ocupa 6,8 milhões de hectares no Rio Grande do Sul.
Aceitar o não licenciamento ambiental da silvicultura, porque uma Lei Federal isentou injustificadamente essa atividade, é assinar embaixo do processo de negacionismo ambiental e de ataques inconstitucionais às leis que protegem o meio ambiente e a qualidade de vida no Brasil.
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