30 Outubro 2025
Em outra benesse para combustíveis fósseis, o senador Eduardo Braga inseriu a obrigatoriedade de contratar usinas a gás em MP do setor elétrico.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 29-10-2025.
A presidência da COP30 está lutando para incluir a eliminação dos combustíveis fósseis nas negociações da conferência do clima. A licença para o poço de petróleo da Petrobras na Foz do Amazonas foi um balde de água fria nesse esforço. Mas, como tudo o que é ruim pode piorar, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Congresso também fizeram sua parte para “sujar” ainda mais a imagem do Brasil.
O MME, comandado por Alexandre Silveira, um entusiasta da exploração da Foz, manteve a possibilidade de termelétricas a carvão participarem do próximo leilão de reserva de capacidade de energia (LRCAP), em março de 2026. A decisão foi tomada sob críticas de ambientalistas, entidades de defesa do consumidor e de outras pastas do governo, informa a Folha.
O carvão é uma fonte altamente emissora de gases de efeito estufa, tem menos flexibilidade operacional e a eletricidade que produz é uma das mais caras. Mesmo assim, os pedidos para que o combustível fóssil fosse excluído da disputa foram rejeitados e as regras do LRCAP foram publicadas em portarias do MME, de acordo com o Cenário Energia.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) atribuiu as regras do leilão à influência do lobby de grupos ligados aos combustíveis fósseis, destaca o Canal Energia. Lamentou a “inexplicável oposição” do governo à inclusão de soluções sustentáveis, eficientes e mais baratas, como as baterias. E lembrou que o país quer contratar energia a carvão e óleo combustível enquanto corta 20% da capacidade de geração renovável por excesso de oferta.
Já no Congresso, o relatório da medida provisória do setor elétrico, criada para reformar as regras do setor, resgatou benefícios para térmicas movidas a gás fóssil e carvão, informam O Globo e Seu Dinheiro. O texto do senador Eduardo Braga (MDB-AM) retoma um trecho que estabelece a obrigatoriedade de contratar usinas a gás mesmo onde não há o fornecimento do produto.
O “jabuti” (matéria estranha ao tema) tinha sido inserido na lei de privatização da Eletrobras. O texto original da MP 1.304/2025, enviado ao Congresso pelo governo, eliminava a obrigatoriedade dessa contratação, que foi retomada por Braga. Entre as beneficiadas com o “jabuti recuperado” estão empresas dos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F, e de Carlos Suarez, o “rei do gás”, lembra a Folha.
O texto agora determina a realização de leilões para 4.250 megawatts (MW) de térmicas a gás. É metade do previsto na época da venda da Eletrobras, mas a versão de Eduardo Braga prevê 50% de inflexibilidade mínima (ou seja, quando funcionam de forma ininterrupta) e contratos de 20 anos.
O texto ainda chama atenção por especificar onde essas usinas a gás devem se localizar: Goiás, Distrito Federal, Piauí, Maranhão, Amapá e Amazonas. Em todos os casos, a distribuição do combustível fóssil é feita de forma monopolista por empresas estaduais que têm Carlos Suarez na sociedade. A contratação das usinas nesses locais beneficiaria, portanto, as empresas das quais ele é acionista.
Braga também incluiu dispositivos que prorrogam a compra de energia de usinas a carvão, ao prever a contratação de reserva de capacidade para as unidades que usam esse combustível que tinham contratos em vigor em dezembro de 2022. Esses empreendimentos poderão agora, segundo o texto do relator, operar até 31 de dezembro de 2040.
A prorrogação de contratos a carvão estava também em outro “jabuti” de energia em análise pelo Congresso. Nesse caso, é beneficiada a usina de Candiota, no Rio Grande do Sul. A termelétrica é controlada pela Âmbar Energia, do grupo J&F, dos irmãos Batista.
Cálculo do Instituto Internacional Arayara citado pela Agência Pública e IstoÉ Dinheiro mostra que os brasileiros pagam mais de R$ 1,04 bilhão por ano no subsídio embutido na tarifa de energia para incentivar a geração a carvão. Só no ano passado, foi cerca de R$ 1,14 bilhão, o equivalente a 2,4% de todos os subsídios do setor elétrico. Sem falar nas emissões dessas plantas.
“Em termos de posicionamento internacional, seria um gol de placa o Brasil ter um plano de phase out do carvão”, diz Rosana Santos, que acumula mais de três décadas no setor de energia e é diretora-executiva do Instituto E+. Mas, pelos planos de Alexandre Silveira e de Eduardo Braga, a bola do governo será chutada na arquibancada, a quilômetros de distância do gol.
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