“Não devemos baixar a guarda...”. Comentário de Ana Maria Casarotti

Foto: canva

31 Outubro 2025

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Evangelho de Lc 12,35-40 que corresponde à Comemoração de todos os fiéis defuntos, ciclo C do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade eu vos digo: Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá. E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar! Mas ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vos também, ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes".

A liturgia comemora neste domingo o Dia dos Finados. Uma celebração que a Igreja instituiu oficialmente no dia seguinte à Celebração de Todos os Santos, em 2 de novembro, a partir do século XIII. A prática de rezar por aqueles que já partiram era um costume com raízes ancestrais e que o cristianismo primitivo também adotou, como expressão de comunhão espiritual e intercessão por aqueles que já partiram “para que descansem em paz”. Como cristãos, seguidores de Jesus, Morto e Ressuscitado, acreditamos que a morte não tem a última palavra, mas que a morte é o passo para o encontro definitivo com o Senhor, será a nossa Páscoa definitiva, onde nos espera o abraço definitivo do Pai.

No cristianismo, em algumas ocasiões, foi destacado que a dor, o sacrifício, a renúncia e a privação eram caminhos para alcançar a salvação definitiva. Isso acabou levando, em muitas ocasiões a uma espiritualidade que valoriza o sofrimento como fim em si mesmo. No entanto, Jesus veio para dar um significado à dor que todos nós enfrentamos na vida, dificuldades que fazem parte da experiência de cada pessoa e das comunidades.

Jesus, com sua Páscoa, abre um caminho de transformação interior, onde, mesmo em meio à mais profunda escuridão, sua Ressurreição desperta uma nova esperança! É um caminho que nos ajuda e nos permite conhecer a verdadeira dignidade de cada pessoa em meio à fragilidade e vulnerabilidade e traz consigo uma profunda compaixão por aqueles que se encontram em situações de extrema vulnerabilidade e fragilidade. Desta forma, Jesus enche de esperança o nosso caminho marcado pelo sofrimento, pelas injustiças sociais e estruturais. A sua Páscoa ilumina a nossa vida, dá sentido ao nosso sofrimento e convida-nos a redescobrir a vida que ainda se encontra oculta nas cinzas da “morte”.

Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater.

Neste domingo, o evangelho apresenta uma parábola na qual Jesus fala aos seus discípulos, convidando-os a manter uma atitude de esperança e confiança. Ele nos incentiva a estar sempre preparados, com as lâmpadas acesas, para receber o dono da casa que volta de uma festa de casamento. Essa história nos faz refletir sobre a importância de estar vigilantes, vivendo nossa rotina com essa “espera consciente”. É preciso estar atento para reconhecer a presença de Deus no nosso dia a dia, que se manifesta de várias formas. Ele nos chama a ficar atentos para essa “vinda”, que pode acontecer a qualquer momento, mesmo sem aviso prévio, para que possamos acolhê-la e permitir que sua presença transforme nossas vidas.

Assim, Jesus nos convida a viver cada dia com propósito e profundidade. Isso não significa se isolar do mundo ou se fechar em si mesmo, mas sim manter os sentidos atentos para perceber e vibrar com essa presença que está mais próxima do que às vezes imaginamos. O trecho fala de uma atitude constante, que vai além do aspecto individual ou da preocupação com a morte física.

É um chamado para reconhecer Jesus que já está no meio de nós e, para isso, recomenda estar vigilantes, atentos, com os sentidos despertos e o coração inquieto.

O Papa Leão, em sua exortação apostólica Dilexi te, nos diz que "não devemos baixar a guarda em relação à pobreza" (DT 12) e deve ser afirmado com toda a clareza necessária que "Os pobres não existem por acaso ou por um destino cego e amargo. Muito menos a pobreza é, para a maioria deles, uma escolha. E, no entanto, ainda há alguns que ousam afirmar isso, demonstrando cegueira e crueldade" (DT 14). Dilexi te: “Não é caridade, mas Revelação.” Leão XIV e o 'magisterium pauperum'. Artigo de Andrea Grillo

No Dia dos Mortos, somos convidados a nos levantar e a não deixar que as tradições do ambiente, do “sempre foi assim”, fiquem enraizadas dentro de nós e adormecam sentidos. Celebrar a lembrança e fazer orações por quem já partiu nos ajuda a renovar o significado da nossa vida, a reafirmar aquilo que é duradouro, para que possamos construir juntos uma sociedade mais solidária e justa.

"Cada um, à sua maneira, descobriu que os mais pobres não são apenas objetos da nossa compaixão, mas mestres do Evangelho. Não se trata de "levar" Deus até eles, mas de encontrá-lo neles... A Igreja, portanto, quando se inclina para cuidar dos pobres, assume a sua postura mais elevada" (DT 79)

Morrer é preparar a última festa

Recordamos tantos que partiram
e, sabendo que se dirigem ao seu abraço,
não nos resta outro canto que o silêncio.
Talvez a sua ausência agora nos invada.
Os olhos brilham ao evocar os seus gestos.
A gratidão e a nostalgia dançam
por tudo o que alguma vez nos deram.

Choramos, porque assim anseia quem ama.
Porque dói a morte, esse mistério
que nos abre o caminho para outra vida,
enquanto fecha este ciclo que é o tempo.
Nossa finitude é uma promessa,
e também é uma luta com o luto.
Sinto falta deste horizonte de esperança,
quando o “adeus” envolve um “nos veremos”.

Sua partida nos desperta algumas dúvidas,
nos confronta com o fim, como um espelho,
pois todos atravessaremos essa porta
e, ao passar esse limiar, descobriremos
que você já estava nos esperando,
que a vida era o pórtico do céu.
Cantaremos novamente, e para sempre,
com aqueles que hoje nos deixam sua lembrança.

José María Rodríguez Olaizola

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