23 Outubro 2025
O ex-assessor da missão russa na ONU acusa Bruxelas: "Eles parecem fadas girando entre unicórnios".
"Estava claro que um segundo encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump não fazia sentido. Talvez Putin quisesse terminar sua pequena aula de história..." Boris Bondarev não carece de ironia. Nem de coragem. Ex-assessor da representação russa na ONU em Genebra, ele renunciou em fevereiro de 2022. O mais alto funcionário a desertar. E "o único diplomata russo a se manifestar contra Putin e sua guerra", como ele se descreve nas redes sociais. Para alguém que passou metade de seus 45 anos na diplomacia, ele é bastante direto. Sobre Putin e Trump, ele diz que "eles se iludem sobre sua grandeza". Mas reserva as palavras mais duras para os líderes europeus. "Eles parecem fadas girando entre unicórnios. Eles precisam acordar. E investir em sua defesa. Agora", ele nos diz por videoconferência da Suíça, onde vive sob proteção.
A entrevista é de Rosalba Castelleti, publicada por La Reppublica, 23-10-2025.
Eis a entrevista.
Cada vez que Putin fala com Trump, voltamos à estaca zero. Como ele faz isso?
Putin sabe que Trump busca a glória como pacificador. E cada vez que isso acontece, ele dá a impressão de que está se aproximando da linha de chegada. Por outro lado, Putin busca respeito. Ele se considera igual a Trump e quer ser tratado como tal. E é por isso que ele não pode dar a Trump tudo o que ele pede. Ele precisa demonstrar que Trump não tem influência sobre ele. Trump deve pedir, não exigir ou ameaçar. Mas Putin explora seu ego para manter tudo como está.
Que perspectivas teria uma segunda cúpula em Budapeste?
Não teria mudado nada. Os americanos querem acreditar que os russos podem mudar de posição, mas isso não vai acontecer. Putin já disse repetidamente o que quer. É isso. Ponto final. Ele não vê razão para congelar a linha de frente. Antes de um cessar-fogo, ele quer novas eleições. Assim, garantirá que haja seus candidatos e que, de uma forma ou de outra, a Ucrânia seja sua.
A cúpula foi aparentemente cancelada devido às "condições maximalistas" reiteradas por Moscou...
Chega de falar em 'demandas maximalistas'. Pressupõe que também existam demandas minimalistas. Mas Moscou não quer negociar. Invadiu a Ucrânia porque a considera sua. Terá vencido quando todos a reconhecerem. Não há margem de manobra. E qual deveria ser o compromisso? Entregar não toda a Ucrânia, mas metade? Por que Putin deveria parar quando o Ocidente parece pronto para negociar a porcentagem de território ucraniano a ser cedida a ele?
O plano de paz que será apresentado hoje ao Conselho Europeu não menciona a transferência de territórios.
Os líderes europeus falam muito, mas nunca fazem nada. Esperam que o "papai" resolva os seus problemas. Querem acabar com a guerra, mas que os ucranianos assumam os sacrifícios. Querem segurança, mas que os EUA a garantam.
Com este plano, no entanto, a Europa está tentando reivindicar um assento na mesa de negociações...
O problema é que a Europa não tem voz porque não tem força. Para ter força, teria que ganhar força. E ganhar força significa gastar mais em defesa. A Europa, no entanto, ainda espera um milagre. Que Trump caia em si e corra para salvá-la como o Super-Homem. Em O Príncipe, Maquiavel escreveu que, para ganhar respeito e bons aliados, são necessários bons soldados. Trump não considera a Europa uma boa aliada porque ela é fraca. Ele está certo. A Europa precisa acordar, e acordar agora. Pare de roncar. Durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA não produziram carros para produzir armas. É isso que a UE deveria estar fazendo agora. Em vez disso, está agindo como se tivesse todo o tempo do mundo, enquanto seu adversário está agindo, e agindo muito rapidamente.
Entregar mísseis Tomahawk à Ucrânia poderia ajudar?
Antes de dar armas, precisamos de uma estratégia, de uma ideia de como esta guerra pode terminar em nosso benefício, de como deve ser a arquitetura da segurança europeia e das relações com Moscou no futuro. Mas ninguém a faz. A UE diz que a Ucrânia não pode perder, mas não faz nada para garantir que ela vença. Nem impede Putin de atacar novamente e mais profundamente amanhã, porque terá uma plataforma de lançamento na Ucrânia. A Europa continua a repetir o mesmo erro: confiar nos outros. Tem medo de tudo, até mesmo de abater drones russos que violam seu espaço aéreo. Foi um teste e falhou. E o próximo será pior.
A UE é infantil e irresponsável. Nesse ritmo, ela se autodestruirá. Ela deve se proteger. Deve definir um rumo e segui-lo, por mais impopular ou arriscado que seja. Putin, por outro lado, está perseguindo sua estratégia e seus objetivos.
Mas até seus próprios ministros admitem que a economia está em dificuldades. Por quanto tempo mais ele conseguirá sustentar o esforço de guerra?
Sim, a economia tem alguns problemas, mas não tão sérios. É preciso dizer que Putin recebe notícias que adoçam a situação. Ele vive em um mundo imaginário. Ele acredita que os militares são mais bem-sucedidos e que a economia está melhor do que realmente é. Mas, de qualquer forma, Putin pode sustentar esta guerra por mais algum tempo. Mesmo alguns anos, se aumentar os impostos. E, acima de tudo, ele tem um objetivo e não vai parar até alcançá-lo.
Então o que nos espera?
Até que o Ocidente faça algo concreto para ajudar a Ucrânia, a guerra continuará. Os russos continuarão a conquistar uma aldeia de cada vez, porque a defesa de Kiev é sólida. Mas os ucranianos não são imortais e, acima de tudo, lutam enquanto acreditam na causa e na vitória. Eles podem parar se perderem essa fé porque ninguém os está ajudando.
Pessimista…
Não sou pessimista, sou realista. Os líderes da UE deveriam reler Maquiavel. Ele escreveu tudo há 500 anos. Nada mudou.
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