MS. Tropa de Choque escolta tratores e ataca retomada Guarani e Kaiowá na TI Guyraroká; há pelo menos nove feridos

Foto: Comunidade Guyraroká/CIMI

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22 Outubro 2025

Os Guarani e Kaiowá bloqueavam desde quinta (16) uma estrada vicinal em protesto contra o avanço de ao menos sete tratores sobre a retomada.

A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - CIMI, 17-10-2025.

A Tropa de Choque da Polícia Militar atacou durante toda a manhã desta sexta-feira (17) os Guarani e Kaiowá na retomada da Fazenda Ipuitã, sobreposta à Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó (MS). Há a confirmação, até o momento, de quatro indígenas feridos a tiros de bala de borracha, sendo três mulheres e um jovem de 14 anos, e ao menos cinco pessoas intoxicadas pela fumaça das bombas de gás, entre elas duas mulheres grávidas.

O pelotão avançou sobre a comunidade escoltando tratores da fazenda destinados ao plantio da próxima lavoura de monocultivo. Drones apoiaram a tropa. Os Guarani e Kaiowá estavam desde ontem bloqueando uma estrada vicinal, que atravessa a retomada, em protesto contra a mobilização de maquinário na fazenda.

Isto porque os indígenas retomaram a área da fazenda, em 21 de setembro, para impedir a pulverização de agrotóxicos. Desde 2018, se acumulam denúncias do veneno caindo sobre casas, Casa de Reza, escola indígena e matando os parcos cultivos conseguidos pelos Guarani e Kaiowá a partir de doação de sementes crioulas.

“Estamos aqui no bloqueio. Cansamos de esperar. Estamos comunicando as autoridades há dias e agora com os maquinários chegando decidimos não esperar mais. Vamos enfrentar as máquinas, a polícia. A vida do nosso povo está em jogo, não vamos mais tomar chuva de veneno sem fazer nada e esperando por MPF, governo, Funai”, disse ontem Kaiowá e Guarani da retomada, que não identificamos por motivos de segurança.

Conforme os indígenas, a Tropa de Choque atuou para garantir a entrada do maquinário. Atirou contra a comunidade e lançou dezenas de bombas de gás. “Nos cercaram. Iam avançando e os tratores juntos. Atiraram em mulheres, idosos. A tropa avançava junto com o trator”, conta indígena. A comunidade recuou da estrada para um outro ponto da retomada.

A área da fazenda está sobreposta à TI identificada e delimitada em 2011 com 11.401 hectares. Em 2014, em processo relatado pelo ministro Gilmar Mendes, a Segunda Turma do STF declarou a nulidade do procedimento administrativo da TI. A comunidade recorreu à própria Corte e o processo aguarda julgamento. Os Guarani e Kaiowá ocupam apenas 50 hectares. Confinados e sem espaço para a agricultura de subsistência, os indígenas ainda são submetidos a doses de agrotóxicos pulverizados pelas fazendas que os cercam, e sobrepostas ao território tradicional.

A poucas semanas da COP30, este é o retrato do Brasil, anfitrião da conferência que receberá países e movimentos sociais de todo o mundo. Enquanto o presidente Lula busca consolidar a imagem de líder preocupado com as mudanças climáticas, os principais defensores do meio ambiente no país sofrem violências injustificáveis porque o Estado brasileiro não cumpre com as suas responsabilidades – conforme a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a conclusão de 104 processos de demarcação de Terras Indígenas aguardam decisão do governo — 37 dependem do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e 67 da assinatura direta do presidente.

No último dia 21 de setembro, os Guarani e Kaiowá retomaram uma área da fazenda para impedir a pulverização de agrotóxicos sobre a comunidade e para exigir a finalização do procedimento administrativo de demarcação. (Foto: Comunidade Guyraroká)

Antídoto para o veneno: autodemarcação

Desde o último 21 de setembro, os Kaiowá e Guarani enfrentam despejo sem ordem judicial, executado pela polícia estadual, ataques de jagunços e lidam com uma base militar estabelecida na sede da fazenda, com a subida diária de drones que sobrevoam a retomada e a aldeia da TI Guyraroká, ocupante de uma área de 50 hectares contíguos à fazenda.

O MPI enviou representantes ao local após os primeiros episódios de violência contra a retomada, que contou com jagunços enterrando mantimentos, panelas e até cães vivos. Os representantes do governo, inicialmente, ficaram de intermediar um acordo para impedir a pulverização do agrotóxico.

Este acordo deveria ser concretizado em até 48 horas, conforme prazo estipulado pelos indígenas. Do contrário, eles voltariam a áreas da retomada de onde foram despejados ilegalmente pela polícia ainda no dia 21 de setembro. O MPI propôs então, passadas as 48 horas, que os Kaiowá e Guarani saíssem da retomada para a criação de uma área de amortecimento ao agrotóxico.

Os indígenas se sentem traídos e abandonados pelo governo federal depois que não aceitaram este acordo. “Propuseram que a gente saísse para a criação de uma área de amortecimento (ao agrotóxico). Não aceitamos porque isso já foi tentado, e depois que essa terra é do Guyraroká. Quando não aceitamos, simplesmente nos abandonaram”, declara Guarani e Kaiowá.

Os Guarani e Kaiowá recolheram projéteis, cápsulas e bombas de gás estouradas após ataque da Tropa de Choque. (Foto: Comunidade Guyraroká)

Agrotóxicos: ataques químicos

Tramitam ações judiciais impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) solicitando apuração e providências sobre os responsáveis por pulverizações aéreas (aviões) e terrestres (tratores) de agrotóxicos sobre as aldeias. Casas e até a escola indígena são alvos constantes do que autoridades de direitos humanos entendem como “ataques químicos”.

Operações policiais confirmam a situação. Em uma delas, realizada no dia 1º de julho deste ano pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Força Nacional, com apoio das Polícias Judiciária e Técnico-Científica, resultou na apreensão de 202 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai.

Os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos no interior de uma fazenda localizada em área declarada como Terra Indígena Guyraroká. Por sua vez, os Guarani e Kaiowá acumulam registros de vídeo mostrando a pulverização sobre a aldeia.

"Chamam a gente aqui de (capim-)amargoso, resistente ao veneno, que só se arranca com a enxada. Começou ontem o despejo (terça-feira, 29), às 15 horas, e continuou hoje (quarta-feira, 30), às 10 horas. O cheiro é insuportável, um horror. Infelizmente isso se normalizou só que diferente do amargoso, somos seres humanos”, disse Erileide Guarani Kaiowá em 30 de outubro de 2024.

Em 2022, nas Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, Erileide denunciou o que a Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, considera como ataque químico. A indígena participou da Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo único e central do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é melhorar a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 países membros da ONU.

Em maio de 2019, quatro crianças e dois adolescentes precisaram de atendimento médico após intoxicação provocada pelo contato com calcário e agrotóxicos utilizados em área da Fazenda Remanso, localizada a 50 metros da escola indígena. As crianças tinham um e dois anos; os adolescentes, 17 e 18 anos. Na ocasião, a comunidade também gravou imagens.

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